Crise na Ancine mobiliza Comissão de Cultura

A situação da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual com a recomendação do Tribunal de Contas de União de suspensão de contratação de novos investimentos até que se regularize o passivo de projetos em análise de prestação contas tem gerado grande comoção no cenário político. A possibilidade de paralisação dos investimentos na área audiovisual mobilizou a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados em torno de uma agenda comum em defesa do setor audiovisual, ainda que mantendo um apoio crítico ao TCU.

Em reunião deliberativa ordinária na quarta-feira, dia 3, acabou sendo criado um consenso – suprapartidário, vale ressaltar – sobre as dificuldades de comando e liderança na área cultural.

Sobre a crise Ancine/FSA/TCU, os deputados da oposição Alice Portugal (PCdoB/BA) e Paulo Teixeira (PT-SP) requereram audiências públicas para debater o assunto. A presidente da Comissão, deputada Benedita da Silva (PT-RJ) propôs ainda levar o ministro o ministro-substituto do TCU, André Luis de Carvalho, relator do processo de auditoria que gerou o acórdão que pode paralisar o FSA. A deputada Lídice da Mata (PSB/BA) também propôs a participação das entidades ligadas ao cinema e ao audiovisual. Para ela, a medida do TCU, no longo prazo, tende a concentrar os investimentos em grandes empresas, tirando dos pequenos produtores a capacidade de disputar o financiamento público.

Ancine

Em geral, os deputados não são contra as investigações do TCU, nem mesmo contra mudanças na metodologia de análise de prestação de contas de projetos. Os discursos vão no sentido de dar continuidade aos processos existentes, sem interromper o trabalho da agência e os investimentos no setor. "Se há problema na Ancine, que se investigue o problema e as pessoas, mas deixe que se dê prosseguimento no trabalho do setor", disse a deputada Benedita da Silva. "Não é fácil prestar conta se não tem uma gestão eficiente de fiscalização", completou.

A atual gestão da Ancine, ao que tudo indica, não está resguardada pela Comissão de Cultura. Uma propostas de afastamento de Christian de Castro do comando da agência foi apresentada pelo deputado Alexandre Frota (PSL/RJ), que anunciou que está entrando com Processo Administrativo Disciplinar para afastar o atual presidente momentaneamente, até que "se esclareçam as investigações da Polícia Federal sobre o gestor e a agência reguladora". Frota, que foi o responsável pela nomeação do secretário do Audiovisual, Pedro Henrique Peixoto, tem sido crítico frequente do presidente da Ancine, Christian de Castro, do secretário de Cultura, Henrique Pires, e do ministro da Cidadania, Osmar Terra, a quem a secretaria está vinculada. Frota recebeu alguns representantes do setor do audiovisual e indicou a disposição de rever algumas posições definidas ainda no governo Temer, como a proposta de regulação da Condecine para VoD e as nomeações no Conselho Superior de Cinema. Em ambos os casos, o secretário de Cultura tem dito que não pretende rever o que foi construído.

Frota foi duro ainda com o Secretário de Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires, que, segundo o parlamentar, manobra para instalar o Conselho Superior do Cinema, "cuja composição foi estabelecida pelo Sr. Sérgio Sá Leitão no apagar das luzes do Governo Temer". "É um Conselho com responsabilidade de cuidar do cinema nacional e é formado por empresas concorrentes ao nosso cinema", disse.

Nesta quinta, 4, Frota voltou a atacar pelo Twitter a gestão atual da Ancine e também partiu para o ataque contra ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, a quem se atribui a possível indicação do produtor Moacyr Góes para a vaga aberta na Ancine. Frota tem um candidato próprio ao cargo, segundo comentários de mercado, seria o advogado Cléber Teixeira e ex-assessor do deputado.

O deputado e ex-ministro da Cultura Marcelo Calero (PPS/RJ), de forma mais contida, também questionou o tratamento dado às investigações pela administração pública. Apontando um "descalabro" na administração audiovisual no Brasil, ele destacou que a Ancine está sob investigação. "O presidente está sob investigação e não podemos tratar como algo corriqueiro do dia-a-dia", disse. Vale destacar que não existe, formalmente, uma investigação sobre a Ancine em si, mas sim uma movimentação do Ministério Público do Rio de Janeiro que produziu uma operação de busca e apreensão contra alguns servidores da agência, entre eles o presidente Christian de Castro. Mas o processo é preliminar, sigiloso e não se sabe exatamente que fatos estão sendo investigados nem se existe relação direta com a gestão da Ancine, tanto que nenhum dos nomes implicados teve afastamento pedido pelo Ministério Público.

Sobre a ação do TCU, Calero acredita que a recomendação foi açodada. "Com todo o respeito ao TCU, houve açodamento, ao criminalizar todo um setor responsável pela geração de emprego e renda e, sobretudo, por repercutir a experiência civilizatória brasileira. A interrupção dos repasses pelo fundo é uma medida drástica", disse o ex-ministro e hoje deputado.

Secretaria ou Ministério

O papel da Secretaria de Cultura também foi questionado durante a reunião. Tanto Frota quanto Calero apontaram a necessidade da volta do Ministério da Cultura, cuja extinção e transformação em secretaria ocorreu no governo Bolsonaro. Segundo o ex-ministro, já há uma comissão debruçada sobre a medida provisória que extinguiu o Ministério da Cultura. "Acho que essa comissão precisa tomar a atitude corajosa de aprovar a emenda do deputado Alessandro Molon (Rede/RJ), no sentido de que tenhamos novamente o Ministério da Cultura", disse.

A ideia foi apoiada ainda por Benedita da Silva, Lídice da Mata e Áurea Carolina (PSOL/MG), que apontou um desmonte da política cultural brasileira. "Está claro que o Ministério da Cultura precisa retornar à sua altura, com equipe, recursos etc", disse.

O deputado Luiz Lima (PSL/RJ) foi o único representante da base governista que saiu em defesa da atual estrutura política da Cultura, ainda que sem descartar uma mudança. "Não importa se é ministério ou secretaria, o que importa é ter orçamento compatível e pessoas que entendem do setor", disse. "Faço voto de que a Secretaria Nacional de Cultura, ou o Ministério, seja independente, formada por pessoas com amor ao recurso público e com competência para administrar qualquer área da cultura", finalizou.

4 COMENTÁRIOS

  1. E os petistas continuam querendo a volta do cabidão… é impressionante! Que se acabe com a Ancine, e implante uma CPI nessa agência!

    • Não entendo por que o comentarista acima lê este noticiário se não tem interesse pelo setor.
      A Agência Ancine tem o seu lado regulador e fiscalizador, como em todos os setores de uma democracia moderna.
      Ainda, desempenha o lado fomentador – com recursos 96% originários do próprio setor, via Condecine Telecom perto de R$ 1 Bi por ano.
      Estamos falando de politica de desenvolvimento setorial de uma indústria de conteúdo, audiovisual, que tem boa chance de tornar-se hegemônica – já que o tamanho do mercado brasileiro sugere tal viabilização.
      A experiência não é inédita nem uma aventura.
      Lembro (ou ensino) ao comentarista acima a semelhança entre a politica de desenvolvimento da indústria nacional audiovisual em curso com aquela que elevou a musica brasileira à condição de hegemônica nas rádios FM na década de 70 e 80: antes meras veiculadoras da produção musical "discoteque", as rádios FM foram obrigadas a tocar 30% de fonogramas nacionais e a música Brasileira logo se tornou hegemônica. Ganhou o Brasil, e nossos ouvidos.
      Da mesma forma, a política de cotas de conteúdo nacional introduzida pela Lei 12.485, de 2011, e conduzida pela Ancine, já demonstrou que o conteúdo produzido no Brasil têm preferencia do público e de programadores e todos os canais da TV paga passaram a incluir voluntariamente mais conteúdo nacional do que o volume exigível pela legislação.
      Vamos adiante.
      TCU ajustar sem interromper.
      Para não plantar hiatos e colher resultados contrários ao interesse nacional.
      Abraço
      Julio

  2. Júlio, seu argumento repete o ideário estatal sem se ater aos fatos. Os recursos geridos pela Ancine são pessimamente aplicados, levando em conta a burocracia dos sistemas de pontuação,a concentração dos principais orçamentos entre poucas produtoras e a falta de estratégia clara para fazer chegar os produtos na audiência. Além disso a centralização de recursos na mão do Estado Brasileiro gerou graves distorções no mercado, seja pelo pagamento de verbas vultuosas a projetos q podiam ser feitos pela metade ou pela preferência por narrativas ditas sociais mas que são incapazes de gerar empatia em um público mais amplo. Creio que é hora das produtoras saírem debaixo da saia do Estado e começar, de fato, a buscar parceria com canais privados, dentro e fora do Brasil. Tá na hora do setor encontrar seu caminho com as próprias pernas.

    • Muito simplistas as sugestões acima!! Nao existe industria de entretenimento que nao tenha a mão do Estado . Em nenhum lugar do MUNDO !!
      E os nossos recursos sao gerados pelo setor. A ancine precisa sim continuar, o TCU tem que se profissionalizar para entender o setor ( nao somos linha de montagem convencional) e as produtoras têm que se profissionalziar tambem !!

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