Nesta quarta-feira, dia 04 de julho, aconteceu em São Paulo a segunda edição do Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual. Realizado pela Ancine em parceria com o CineSesc, o evento contou com a participação das influentes ativistas estadunidenses Fashen Cox DiGiovanni e Mercedes Cooper, que apresentaram suas ações em prol da igualdade de gêneros no setor.
Fashen, que é filha de mãe branca e pai negro, enfrentou questões relacionadas ao racismo desde o início de sua carreira no mercado audiovisual, no qual ela começou trabalhando como atriz. Após atuar também como produtora e diretora e, assim, entrar em contato diretamente com os dados de desigualdade de gênero, que eram e ainda são bastante alarmantes – em 2016, por exemplo, havia uma diretora mulher para cada 5,6 diretores homens nos EUA – Fashen decidiu voltar seus esforços especificamente à causa e criou o "Inclusion Rider", iniciativa que propõe uma "cláusula de equidade", que os atores podem exigir como parte de seu contrato, estipulando que a narrativa do filme e as equipes de trabalho por trás dele reflitam a diversidade existente na sociedade. Na prática, ela e os demais criadores do documento levam o material às mesas de negociação e estúdios, alertando as equipes da importância de incluir mulheres na frente das câmeras e nos bastidores da produção audiovisual também. "Os números de pesquisa que obtivemos são de extrema importância, pois trazem embasamento à causa e mostram que não se trata apenas da nossa opinião.", explica.
Rapidamente, o movimento cresceu, foi divulgado pela imprensa global e ganhou o apoio de atores de diferentes países. Na cerimônia do Oscar deste ano, por exemplo, a vencedora da categoria de "Melhor Atriz", Frances McDormand, pelo seu papel em "Três Anúncios Para Um Crime", citou o "Inclusion Rider" e reforçou sua importância. "Apesar de estarmos ganhando cada vez mais força, ainda há muito trabalho a ser feito. Não existe uma oficialização de cláusula de igualdade nos contratos pela lei.", reforça Fashen.
Hoje, o movimento visa incluir também outras parcelas que sofrem com a desigualdade no setor, como os LGBTQ+ e os deficientes físicos. "Precisamos falar sobre isso e mostrar a verdade do mercado. E essa verdade, muitas vezes, é desconfortável.", declara.
Apesar de ainda existir um longo caminho pela frente, a atriz, produtora e diretora enxerga as evoluções: "Neste ano, foram convidados 920 novos membros para a Academia de Cinema. Se todos os indicados aceitarem o convite, o grupo será formado então por 40% de membros do sexo feminino e 38% negros. É um grande avanço.".
Para continuarmos em busca da mudança desse cenário, Fashen acredita que é essencial reconhecermos que a indústria atual ainda é branca e masculina e, a partir daí, nos questionarmos como isso aconteceu para, então, quebrarmos esse sistema. "Cabe a nós arcar com essa responsabilidade e assumir com esse comprometimento. Devemos, por exemplo, recusar apoio a projetos que apaguem essas pessoas.", sugere. E completa: "Nosso objetivo é mostrar aos homens brancos o que deve ser feito, ou seja, estimular que as histórias das mulheres, dos negros, dos LGBTQs e de outras parcelas menosprezadas pelo setor sejam contadas nos filmes. É mostrar essa identidade.". Fashen completou dizendo que não podemos mais aceitar as "desculpas de Hollywood", que muitas vezes se recusa a dar grandes papéis a mulheres e negros porque, segundo eles, não dá lucro. "Filmes como o infantil 'Moana' e o recém-lançado 'Pantera Negra' estão aí para provar o contrário.", argumenta. "A mudança não é automática. Boas intenções não bastam. É preciso agir e causar impacto até que essas discussões não sejam mais necessárias.", completa.
A ativista contou ainda que o próximo passo é nomear publicamente os estúdios que não estão levando o "Inclusion Rider" em conta. "Nós apresentamos pessoalmente o projeto a eles para que implementassem a cláusula. Se disseram que o adotariam e não fizeram isso, precisamos que todos saibam disso.", afirma.
Outra ativista que participou do Seminário foi Mercedes Cooper, diretora de marketing da Array, empresa fundada pela cineasta Ava DuVernay para a distribuição e divulgação de filmes produzidos por mulheres e negros. O projeto começou em 2011, com o lançamento do longa-metragem "I Will Follow", dirigido pela própria Ava. Hoje, já são 18 filmes distribuídos.
A Array conta com diversos parceiros. A começar pelo grupo de artistas, "componente essencial" da plataforma, de acordo com Mercedes. "O nosso time de artistas parceiros é formado por pessoas de todos os tipos, vindas de diversos países diferentes. Eles produzem suas obras e nós a distribuímos. A ideia não é transformar esses filmes em blockbusters ou concorrer com os longas estrelados por grandes celebridades, e sim levar essas histórias ao maior número de pessoas que pudermos.", diz. Mercedes conta que, para analisarem se um filme vai ao encontro dos propósitos da Array, eles se perguntam: "Essa história nos toca?"; "Gera identificação?"; e ainda "A voz deste cineasta precisa ser ouvida?". Se a resposta de pelo menos uma dessas questões for sim, então eles abraçam a causa e trabalham na distribuição.
Na prática, essa distribuição funciona por meio de parcerias. "Contamos com o apoio de espaços de exibição para projetar esses filmes.", conta Mercedes. "Esses espaços não são necessariamente salas de cinema – são, muitas vezes, opções não-convencionais, como espaços de artes, teatros ou centros comunitários. Nosso crescimento acontece aos poucos, nas comunidades, e é assim que vamos ampliando nossas janelas exibidoras.", explica.
Além dos apoiadores financeiros, a Array conta ainda com uma grande base de voluntários que, segundo Mercedes, têm a missão de "disseminar a palavra" do projeto. "São pessoas extremamente engajadas que nos ajudam a levar os filmes para outras cidades, por exemplo.", afirma Mercedes. A venda de convites dessas sessões é o que ajuda a Array a se monetizar e se manter financeiramente.
Os próximos planos da plataforma são grandiosos: a empresa já está construindo uma sede física própria, em Los Angeles, que vai receber elencos, diretores, escritores entre outros braços das produções. A ideia é ter, nesse mesmo espaço, um estúdio de produção e, no futuro, até um cinema próprio – revelou a diretora. Outra novidade é que o grupo pretende financiar ainda cursos de especialização para os cineastas da Array, para investir cada vez mais no potencial desses talentos.