Antenas ou Whatsapp: o que realmente importa?

Um bom exemplo do (estranho) momento vivido no mundo das comunicações no Brasil é o novo episódio de bloqueio do serviço WhatsApp no Brasil. Sobre esse assunto, o que precisava já foi dito, inclusive por aqui: decisão absurda, desproporcional, que só prejudica os usuários etc. Mas, ao mesmo tempo, reveladora da dificuldade que o uma empresa multinacional com uma atuação tão relevante no mercado brasileiro tem de se comunicar, de estabelecer uma relação construtiva e respeitosa com o Judiciário e de ter uma estrutura no País em condições de responder prontamente às demandas locais.

Um aspecto que passa despercebido, contudo, é a diferença de repercussão entre o bloqueio do WhatsApp em comparação a um fato igualmente grave ocorrido nos últimos dias. Na mesma semana em que pela terceira vez o serviço de mensagem teve sua operação bloqueada pela Justiça, um governo local, no caso o do Distrito Federal, ameaça interromper parte dos serviços de telecomunicações na capital do País, mandando retirar antenas de celular das proximidades de escolas. Para este segundo fato, quase nenhum destaque, nenhuma manchete nos jornais e portais, repercussão mínima nas redes sociais.

É evidente que se a decisão do Distrito Federal for adiante e o serviço vier a ser interrompido, certamente a repercussão será maior, porque muita gente vai ficar com o celular inoperante em boa parte da cidade. Mas será que hoje não perdemos o sentido do quanto nossas atividades cotidianas (inclusive o ato de usar o WhatsApp) dependem da infraestrutura de telecomunicações? Será que não tomamos essa infraestrutura como algo certo e garantido quando, na verdade, é algo que requer tanto cuidado, atenção e investimentos quanto qualquer outra infraestrutura essencial, como as redes de energia, água e transporte? Por que desligar o WhatsApp é manchete mas interromper o serviço de celular não?

Há, sem dúvida, uma dificuldade de comunicação do setor de telecom, inclusive de mostrar a sua relevância. Há uma antipatia de parte da população, muitas vezes insatisfeita com os serviços. Mas o fato é que poucos representantes do Poder Público, do Judiciário e da imprensa parecem ter consciência do que significa a infraestrutura de telecomunicações nos nossos tempos, e de como seria pior a nossa vida se essa infraestrutura fosse limitada ou reduzida. Mas um breve esforço de reflexão mostrará que muito pouco do que fazemos no dia-a-dia pode prescindir das telecomunicações.

A lei do Distrito Federal que impede a instalação de antenas próximas a escolas é de 2004. Desde então é questionada pelas teles no STF, por ser flagrantemente inconstitucional (regular sobre telecomunicações é exclusividade da União). Até hoje não foi julgada pelo mesmo Supremo que rapidamente restabeleceu (corretamente) os serviços do WhatsApp. E agora a lei está em vias de ser posta em prática, por uma provocação do Ministério Público Federal do DF, que deveria agir no interesse da população.

Situação parecida é vivida pelas operadoras de telecomunicações e várias cidades brasileiras, onde a instalação da infraestrutura necessária aos serviços muitas vezes patina em uma burocracia absurda (e frequentemente corrupta) ou em legislações produzidas sem nenhuma fundamentação técnica ou jurídica.

A solução a esta situação paradoxal, em que um serviço de valor adicionado é mais valorizado do que a infraestrutura que lhe dá suporte, passa por uma nova postura da própria indústria de telecomunicações, que precisa se colocar de maneira mais efetiva e transparente junto à população. Melhorando a qualidade dos seus serviços, sem dúvida, mas também mostrando o que é feito e quão essencial essa infraestrutura e seus serviços são para a sociedade.

Esse debate também passa pela qualificação do debate junto a autoridades e Poder Público em geral, que precisam entender os custos e as consequências de seus atos junto ao setor de telecom. Ninguém quer o WhatsApp fora do ar. Mas sem uma rede de telecomunicações funcionando, não existe WhatsApp.

4 COMENTÁRIOS

  1. Samuca,
    Muito bem colocado. A maior parte das pessoas (e dos vereadores) ainda acha que o "éter" alimenta o celular, da mesma forma do velho "radinho de pilha" do Garrincha.
    Sou porém muito crítico da postura das operadoras, que preferem se manter distantes de seus clientes, fornecedores e da sociedade em geral. A relação desequilibrada leva a uma percepção ruim, apenas piorada pela dificuldade que o cidadão tem em simplesmente ser respeitado pelas operadoras.
    Não falta apenas o diálogo, falta a vontade em se dialogar.

  2. Realmente. Falta muita vontade de dialogar, inclusive com a população onde será instaladas as torres. Porque não procurar a associação do bairro onde será instalada a torre e antenas e explicar para a população local os benefícios que trará para eles.
    Como isso não acontece, quando alguém sabe que uma torre será instalada perto de sua residência logo trata de convocar os vizinhos,fazer um abaixo assinado contra a instalação e protocolar na Prefeitura. E depois fica reclamando que na sua casa o celular não funciona. Mas a torre perto de casa ninguém quer.

  3. Excelente este artigo do Samuca. Mostra como o clamor popular faz autoridades reagirem com celeridade exemplar, deixando em segundo plano questões estruturais igualmente importantes.
    É certo que pessoas não querem se ver privadas de usar o aplicativo. A grita geral fez o Presidente do STF agir imediatamente e o Ministro da Justiça anunciar que vai criar regulamentação para contornar conflitos que se repetem com a Justiça e autoridades policiais.
    O aplicativo é popular, mas nem de longe tão importante com as comunicações móveis, com mais de 250 milhões de linhas em funcionamento, que atendem pessoas e empresas, e possibilitam serviços de todo tipo. Sem as comunicações móveis, o WhatsApp sequer existiria.
    Entretanto para prestar bons serviços de telecomunicações precisa-se de legislação competente sobre implantação de redes e equilíbrio na regulamentação e tributação de serviços. Neste ponto, a ação das autoridades é, com frequência, desconectada. Como bem aponta Possebon, "poucos representantes do poder público … parecem ter consciência do que significa a infraestrutura de telecomunicações".

  4. Artigo excelente! A reflexão em torno da essencialidade da infraestrutura nos permite concluir que a tecnologia evolui na velocidade da luz, e em outra direção, caminham as leis. A eminência de calar cerca de 250 MM, sendo grande parte na Capital Federal não parece repercutir na mesma escala. Visão míope, distorcida e inocente de um contexto em que, sem os meios não se atingem os fins.

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