Sem investimentos públicos, animação brasileira busca caminhos alternativos

Bruno H Castro (Foto: Divulgação)

Neste domingo, 2, acontecerá mais uma edição do Oscar, desta vez, histórica para o Brasil, que celebrará três indicações com o longa-metragem "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, para Fernanda Torres.

No passado, o país já teve outras obras indicadas, com destaque para as animações, que tradicionalmente performam bem em premiações internacionais. No próprio Oscar, por exemplo, "O Menino e o Mundo", de Alê Abreu, concorreu como Melhor Filme de Animação em 2016. Mas já são nove anos sem que o Brasil figure na lista de indicados à melhor animação do prêmio. Bruno H Castro, roteirista ("A Metade de Nós", "Guida"), refletiu: "Falta investimento, sobretudo. Mas também falta incentivo formador e políticas públicas nesse sentido, a fim de fomentar o cinema de animação no Brasil".

Para ele, o cenário de investimento no gênero piorou bastante de 2016 para cá. "Não temos nenhum projeto a nível federal. Antes, tínhamos editais interessantes. Estávamos numa crescente. Fizemos 'Guida', por exemplo, desse jeito. 'Safo', da Rosana Urbes, filme em que trabalhei, também começou com um edital. Mas isso não acontece mais. Estamos retrocedendo. Agora, os animadores estão se adaptando, cada um à sua maneira". Ainda falando dos editais, Castro apontou um problema recorrente daqueles que não são específicos para animação, mas que poderiam abarcar esses projetos. Nos editais de cinema voltados a desenvolvimento de roteiro, quem tem uma animação já larga atrás na corrida porque precisa apresentar, logo na inscrição, o storyboard, isto é, uma série de ilustrações em sequência com o propósito de pré-visualizar o filme. "Queria muito participar de um edital desses com o meu longa. Mas, para isso, eu preciso contratar um artista de storyboard, e isso custa dinheiro. Para eu conseguir desenvolver meu filme, o próprio edital já inviabiliza minha participação", lamentou.

Novas estratégias

A estratégia adotada pelo roteirista tem sido trabalhar os filmes etapa por etapa, até mesmo os curtas-metragens. Ele explicou: "Primeiro, vou atrás do dinheiro para fazer o roteiro. Depois, penso no storyboard. Mais pra frente, vamos trabalhar a trilha. É o que eu tenho feito com meu novo curta, 'Tubaroa'. Em vez de ir atrás de financiamento para fazer o filme inteiro, estou fazendo parte por parte. Não sei quanto tempo isso vai levar. Vou tocando outras coisas em paralelo".

E, para além de pensar nesse "passo a passo" de cada projeto, Castro listou outros caminhos possíveis: um deles é o das coproduções internacionais. Como exemplo, ele citou "Arca de Noé", animação produzida pela Gullane Entretenimento inspirada nas músicas de Vinicius de Moraes que estreou nos cinemas no dia 7 de novembro de 2024. O projeto nasceu com um orçamento de US$ 6,3 milhões, com cerca de 50% do valor arcado com recursos do Brasil mesmo, cerca de 25% a 30% da Índia e o restante veio dos Estados Unidos, mais especificamente das pré-vendas.

Outra possibilidade é o financiamento coletivo, uma aposta que ele fará com seu primeiro longa assinando como roteirista e diretor. "A Benzedeira" é uma história pessoal, que fala do encontro entre um poeta e uma benzedeira. O filme fará ainda uma homenagem a Guimarães Rosa e trará uma trama de realismo fantástico que se passa no interior de São Paulo e no sertão de Minas Gerais. "É um livro e um filme. Vou lançar agora o livro em cordel e o dinheiro arrecadado vai todo para o filme. Como não está vindo investimento de fora, o caminho será esse", afirmou.

Castro também trabalha atualmente em "Tubaroa", um curta de animação em 2D digital que terá partes em aquarela. O projeto está sendo desenvolvido com uma equipe de Recife/PE e a direção é uma parceria com Tiago Minamisawa, com quem também desenvolveu o curta "Sangro", premiado no Festival de Chicago e no Festival de Gramado. Para esse projeto, ele ainda pensa em possibilidades de investimento privado, ao lado de marcas parceiras, completando assim a tríade de caminhos possíveis para o futuro do financiamento das animações brasileiras, em sua visão: coproduções internacionais, financiamento coletivo e verba privada, e sempre pensando no filme dessa forma "fatiada" que ele explicou anteriormente. "Esse ano espero ir para o mercado de cinema de Annecy com esses dois projetos para ver se abrimos caminhos de coprodução. Porque internamente, no Brasil, não estamos vendo portas abertas".

A relação dos brasileiros com o gênero

E, falando do encontro dos filmes com o público, o curioso é que animações internacionais performam muito bem nos cinemas brasileiros, o que significa que os números mais baixos de bilheteria dos longas do gênero produzidos aqui não se justificam por falta de afinidade dos brasileiros com a animação. Por exemplo: o lançamento de "Divertida Mente 2" nos cinemas colocou, mais uma vez, a animação em destaque. A produção da Pixar lotou salas de cinema pelo mundo e colecionou recordes. No Brasil, o longa se tornou a maior bilheteria do século com a venda de mais de 20 milhões de ingressos e a arrecadação de mais de R$ 400 milhões.

"As animações brasileiras ficam pouco tempo em cartaz. Isso porque fomos educados na TV aberta, na infância, com animação. A publicidade também tem vários exemplos. A animação no Brasil cresceu muito com a publicidade. Muitos dos grandes animadores hoje cresceram e aprenderam a fazer animação com publicidade. Porque é isso, precisa de dinheiro. Você só vai desenvolver a técnica para animar quando produzir. Animação só se desenvolve testando. É caro, e se tem um lugar que tem dinheiro, esse lugar é a publicidade. Ela foi e é muito importante para animação no Brasil", analisou. "Animação é um trabalho caro e demorado, mas também é arte. Bato muito nessa tecla. As pessoas não olham pra animação no Brasil como cinema. Mas ela é uma arte completa, e um dos cinemas que mais premia o Brasil fora. Precisamos mostrar para o próprio país esse conjunto, é um cinema, é arte, e é grande".

Formação de profissionais e visão de indústria

Esse cenário tão desafiador acaba afastando, de certa forma, a entrada de novos profissionais no mercado. "O Brasil na animação é um celeiro de talentos, igual no futebol", comparou Castro. "Somos muito do trabalho autoral. Temos grandes pessoas que fazem sozinhas, e fazem muito bem. Se a gente potencializa esses talentos, eles vão longe. Mas também temos esse problema de formação. As pessoas não crescem pensando que podem trabalhar com animação. Não temos formação de base. Temos pessoas talentosas que só descobrem mais tarde. Temos que corrigir essa questão também", defendeu.

Castro ressaltou que investir em formação de profissionais, produção de filmes e construção de plateia é, sobretudo, pensar nesse mercado como uma indústria. "Filmes de animação empregam muita gente. Forma mercado de trabalho, gera emprego. É uma cadeia que, se ajustar direitinho, gera dinheiro pro país, prêmios internacionais, reconhecimento, cultura e arte. É uma matemática que, se for bem feita, dá muito certo. Mas não está sendo". Nesse sentido, ele reforça ainda a importância de um ciclo de continuidade. "Vivemos nos altos e baixos. E as quebras, muitas vezes, acontecem no meio de processos de trabalho. E quando vêm essas quebras, não estamos falando só de paralisação de investimentos, e sim de destruição do que foi construído mesmo. O país ainda não construiu essa segurança. Nem dá para falar em indústria ainda. São pessoas fazendo. Tem algumas produtoras se destacando, sai um filme, depois sai outro, mas ainda não tem esse ciclo".

Voltando a falar nas políticas públicas, e especificamente na ausência delas, o roteirista desabafou que é desgastante para os profissionais que já se dedicam tanto ao lado criativo ficar "caçando" fontes de financiamento e editais para os seus filmes: "Precisamos ampliar o financiamento e, principalmente, simplificar o processo burocrático. Poderíamos estar trabalhando de uma maneira muito mais fácil, com formas de incentivo e acesso mais simples. E o ponto é, antes de tudo, ter os editais. Precisamos deles".

Por fim, ele salientou novamente a necessidade das pessoas olharem para o cinema de animação como cinema. "O governo também precisa distribuir essa animação. A sala de cinema precisa exibir curta-metragem, por exemplo. São muitas as questões por trás desse cenário atual. Mas ter uma linha direta de financiamento, de fácil acesso, já seria um bom começo. É reconhecer que esse setor emprega gente para trabalhar e, depois, devolve verba em bilheteria, e traz esse reconhecimento, leva o nome do Brasil pra fora. Ganha em muitos pontos. É formação de cultura de país".

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