A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, nesta terça, 1º, o Projeto de Lei (PL) 2.088/2023 de reciprocidade comercial, que permite ao governo brasileiro retaliar medidas comerciais que prejudiquem os produtos do país no mercado internacional. Um ponto importante incluído no texto é a possibilidade de o governo alterar a alíquota da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) como forma de retaliação. A decisão caberá à Câmara de Comércio Exterior (Camex). A aprovação ocorreu um dia antes do anúncio de um novo tarifaço pelo presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, que promete impor "tarifas recíprocas" com a taxação de produtos de todos os países que cobrem impostos para importação de bens e produtos norte-americanos.
O projeto de lei da reciprocidade comercial foi aprovado por unanimidade na CAE, em caráter terminativo, o que significa que segue diretamente para análise da Câmara dos Deputados, sem necessidade de ser aprovado pelo plenário do Senado. O Artigo 1º do projeto estabelece critérios para respostas a ações, políticas ou práticas unilaterais de país ou bloco econômico que "impactem negativamente a competitividade internacional brasileira". Se aprovada, a lei valerá para países ou blocos que "interfiram nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil". O Artigo 3º autoriza o Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligado ao Executivo, a "adotar contramedidas na forma de restrição às importações de bens e serviços", prevendo ainda medidas de negociação entre as partes antes de qualquer decisão.
O Artigo 11 do projeto de lei estabelece: "A alíquota de que trata o § 2º do art. 33 da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, poderá ser alterada em razão de decisão do Poder Executivo fundamentada nesta Lei". Pela redação aprovada, a medida vale apenas para a Condecine sobre as remessas estrangeiras, hoje estabelecida em 11%: "A alíquota de que trata o § 2º do art. 33 da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, poderá ser alterada em razão de decisão do Poder Executivo fundamentada nesta Lei", diz o PL 2.088/2023.
A Condecine Remessa incide sobre "o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a entrega, aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação, a preço fixo".
O projeto de lei surgiu, inicialmente, em resposta à legislação da União Europeia (UE), que busca impor restrições à importação de produtos de países que não respeitem determinados critérios ambientais. O texto aprovado na CAE e encaminhado à Câmara permite que o governo brasileiro adote a reciprocidade comercial nos casos de "medidas unilaterais com base em requisitos ambientais que sejam mais onerosos do que os parâmetros, normas e padrões de proteção ambiental adotados pelo Brasil".
Vale lembrar que, conforme antecipado por TELETIME, em fevereiro o Departamento de Comércio dos EUA prometeu retaliações sobre países estrangeiros que adotaram regulamentações "que regem serviços digitais que são mais onerosas e restritivas para empresas dos Estados Unidos do que suas próprias empresas nacionais", inclusive medidas que limitam fluxos de dados transfronteiriços, exigem que serviços de streaming norte-americanos financiem produções locais e cobrem taxas de uso de rede e terminação de Internet. No caso do PL 2.088 a taxação afetaria obras cinematográficas, mas o Congresso discute também medidas para aplicação da Condecine sobre serviços de streaming.
Retaliação e Soft Power
A inclusão da Condecine como instrumento de retaliação representa um golpe no soft power dos Estados Unidos. O conceito de soft power, formulado pelo cientista político Joseph Nye, descreve a habilidade de um país em influenciar as preferências e comportamentos de outros atores na arena internacional por meio da atração e persuasão, em vez da coerção ou força. A cultura popular é um dos elementos-chave do soft power, e a influência da cultura estadunidense, como filmes, música e programas de televisão, é um de seus componentes. Ao aumentar a alíquota da Condecine para empresas do setor audiovisual estadunidense, o Brasil pode diminuir a atratividade do mercado brasileiro para essas empresas, o que representa uma forma de retaliação que atinge diretamente um dos pilares do soft power dos Estados Unidos.