Fox+ é SVA e foge da competência da Anatel, afirma advogada

O serviço over-the-top prestado pela Fox pela Internet é considerado um serviço de valor adicionado (SVA), e por isso, a cautelar que suspendeu o Fox + ultrapassa os limites de atuação da Anatel, que estaria justificando isso com base nas recomendações da União Internacional de Telecomunicações (UIT). Esse é o entendimento da advogada especializada em direito do consumidor, telecomunicações e direitos digitais no Intervozes e representante do 3º setor no Comitê Gestor da Internet (CGI.br), Flávia Lefèvre, que acredita que a plataforma de streaming não se confunde com o serviço de acesso condicionado da Lei 12.485/2011 (Lei do SeAC). "Ou seja, só por este aspecto, já é extremamente controverso atribuir-se à Anatel o poder de decidir sobre um serviço que está fora de sua competência", analisa.

Lefèvre interpreta que, ao puxar para si atribuições para atuar sobre temas de Internet quando as aplicações podem substituir serviços tradicionais, a cautelar do órgão regulador estaria alinhada com a recomendação D.262 aprovada pela UIT em maio deste ano, em decorrência da resolução aprovada em novembro do ano passado sobre o desenvolvimento do ambiente regulatório entre telecomunicações e OTTs. "Considerando que SeAC é telecomunicações, a Anatel passa a entender que o serviço da Fox [via streaming] substitui de forma funcional o serviço de acesso condicionado, e, com base nisso, aproveita para atuar", declara.

A recomendação D. 262 "Collaborative framework for OTTs" descreve a interdependência entre os serviços, e define OTT como uma "aplicação acessada e entregue pela Internet pública que pode ser um substituto técnico/funcional de serviços de telecomunicações internacionais tradicionais". A UIT nota, contudo, que essa definição é um assunto de soberania nacional e pode variar conforme os estados-membro da entidade.

A advogada do Intervozes entende que essa abordagem também traz impacto no Marco Civil da Internet, ressaltando que a Anatel não deve interferir em SVA. Ela diz que a agência procura agir "com respaldo na D.262 [da UIT], com relação a qualquer serviço que na sua funcionalidade possa concorrer com serviços de telecom". Por outro lado, entende que haveria desrespeito ao Art. 24 do MCI, que determina que a governança da Internet deve se dar de forma multissetorial, "que é tudo que a Anatel não é". 

Controvérsia

Na decisão, a agência diz considerar "a existência de razoável dúvida jurídica sobre o grau de alcance da Lei nº 12.485/2011 para o caso em análise". A Anatel ainda falou em risco de eventual demora no posicionamento, verificando-se os requisitos do fumus boni iuris ("fumaça do bom direito", indicando que o regulador tem direito de pedir a liminar) e do periculum in mora ("perigo na demora"). A advogada diz que há contradição nessa justificativa, uma vez que a própria Anatel reconhece a controvérsia da decisão. 

Ela alega ainda que a Anatel acaba privilegiando empresas dominantes, com poder significativo de mercado, em detrimento aos consumidores. Isso porque a agência teria justificado a cautelar com uma prática de um mercado que está "altamente concentrado nas mãos das empresas que reclamaram junto com a Globo e está em franca decadência do número de assinantes por conta do alto preço em desacordo com a condição financeira dos consumidores".

Flávia Lefèvre entende que a cautelar da Anatel poderia ser questionada judicialmente pela Fox. Ela diz que irá levar o caso ao Intervozes, que então analisará se tomará alguma atitude.

Entenda o caso

As áreas técnicas da Anatel, no dia 13 de junho, emitiram uma cautelar impedindo a Fox de comercializar diretamente ao consumidor os seus canais lineares por meio da plataforma Fox+ (Fox Plus). Trata-se do modelo direct-to-consumer, que tem se mostrado bastante comum na estratégia das programadoras de TV paga tradicional como forma de se adaptarem a uma nova geração de consumidores e novos provedores de conteúdo que priorizam os conteúdos entregues pela Internet. O processo foi iniciado a partir de uma reclamação da Claro no final do ano passado, alegando assimetrias de regras na oferta de canais diretamente ao consumidor em relação àqueles ofertados a partir de operadoras de TV paga. A cautelar da Anatel diz que a programadora Fox deverá utilizar uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para autenticar o acesso aos canais, assegurando o cumprimento das obrigações previstas na Lei do SeAC (Lei 12.485). Até o dia 15 de agosto a Anatel tem também uma tomada de subsídios aberta sobre o tema, para então o processo ser levado ao Conselho Diretor para uma decisão de mérito. As superintendências da agência já manifestaram, em entrevistas exclusivas aqui e aqui, sobre os conflitos de interpretação entre a Lei do SeAC, Lei Geral de Telecomunicações e Marco Civil da Internet, e sobre os desafios conceituais em torno do caso. Além disso, o debate se insere em um contexto ainda mais complexo, pois em outro front a Anatel ainda analisa a aplicação da Lei do SeAC no caso da fusão entre AT&T e Time Warner (hoje Warner Media), cuja resolução depende agora do conselho diretor.

A agência também já se manifestou, inclusive ao Senado, sobre a necessidade de ajustes na Lei do SeAC. Importante destacar que a decisão cautelar é apenas sobre a Fox (não afetando outros casos similares, apesar do precedente), e tampouco afeta conteúdos sob-demanda (como aqueles oferecidos pela própria Fox, Netflix, Amazon etc), conteúdos ao vivo esporádicos (como jogos de futebol) ou conteúdos ofertados gratuitamente pela Internet. O assunto é polêmico e está dividindo a indústria de TV paga. Do lado da tese apresentada pela Claro e reconhecida, em parte, pela cautelar da Anatel, estão os programadores e produtores independentes nacionais, a ouvidoria da agência e a associação NeoTV, que representa pequenas operadoras e TV paga e alguns ISPs de maior porte. Contra a posição da agência estão as gigantes de Internet, os grande grupos de comunicação brasileiros (especialmente os radiodifusores) e as programadoras estrangeiras e grandes produtores de conteúdo internacionais.

Evento

Os impasses regulatórios e legais decorrentes das questões em análise pela Anatel serão um dos principais temas do PAYTV Forum 2019, evento organizado pela TELETIME e pela TELA VIVA que acontece dias 30 e 31 de julho em São Paulo, no WTC Center. Mais informações sobre participantes confirmados, a programação completa e as condições de participação estão disponíveis no site www.paytvforum.com.br

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