Para Rodrigo Terra, presidente da Abragames, entidade que representa a indústria de jogos no Brasil, o mercado de games vive no país hoje um momento histórico. A institucionalização trazida pelo Marco Legal dos Jogos Eletrônicos (Lei 14.852/2024), que classifica claramente o setor de games tanto como atividade audiovisual, e portanto cultural, e também como tecnologia, permitirá agora uma clareza tributária inédita até hoje. A expectativa é que as regulamentações ainda pendentes, quando finalizadas, ajudem ainda mais o desenvolvimento do mercado. Segundo Terra, são mais de 1 mil empresas atuantes no setor no Brasil. A estimativa de faturamento ainda é objeto de debate por conta das múltiplas fontes de receitas, internacionalização do mercado, alta sensibilidade a variações cambiais, aplicações cruzadas com outros segmentos (como educação), mas o último dado consolidado trazido pela Abragames apontava um mercado de pelo menos US$ 250 milhões em 2022.
Durante a gamescom latam, que aconteceu na semana passada em São Paulo, Terra concedeu uma entrevista a TELA VIVA comentando quais as principais preocupações do setor a partir de agora. Confira:
TELA VIVA – Qual a relevância do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos sancionado em maio para vocês?
Rodrigo Terra – A discussão do Marco Legal passou por momentos muitos distintos, e houve um momento no Senado em que achávamos que a proposta colocada estava muito ruim para o setor, porque misturava coisas que nada tinham a ver com o nosso mercado, como o segmento de apostas. O que a gente buscava era dar institucionalidade para o setor, que já funcionava muito bem. Mas no final, houve um bom entendimento com a presidência do Senado, e a indicação para a relatoria da Senadora Leila (PDT/DF), que fez um excelente trabalho e chegou a um texto muito positivo.
O que falta agora?
Começamos a discutir as diretrizes para o GT de trabalho que vai cuidar da regulamentação da Lei, pois precisamos agilidade nessa regulamentação, que passa por muitos ministérios. A nossa primeira prioridade é a criação do CNAE do setor, mas precisamos também avançar na questão da internalização de protótipos para desenvolvimento e como será o tratamento desses equipamentos pela Receita Federal. Tem ainda a atualização das categorias de profissões, as questões proteção de criança e adolescente, o que vai caber ao Ministério da Justiça na classificação indicativa, como fica a questão de formação, que passa pelo MEC e as responsabilidades do poder público. Gostaríamos que essa regulamentação acabasse em dois anos, mas como tem articulação de muitos ministérios, é um desafio.
A reforma tributária preocupa?
A questão da reforma tributária passa pela definição do CNAE antes de tudo (CNAE é o código de atividade econômica, definido pelo IBGE). Games é audiovisual e software ao mesmo tempo, não tem como separar. Estamos nas duas caixinhas, porque não tem como dissociar uma caixinha da outra. Algumas pessoas criticaram, mas não acho que Marco Legal tenha criado nenhuma discrepância: ele modernizou e refletiu uma realidade, porque de fato nós somos audiovisual e tecnologia. Mas com a regulamentação, esperamos dar essa clareza para a tributação. Jogo tem narrativa, tem soft power, tem referências culturais, mas tem muita programação, tem engine gráfica, tem algoritmo, tem IA generativa. A nossa pauta prioritária é como, por meio da indústria criativa, impulsionar a indústria de tecnologia.
Para vocês uma política de fomento é essencial, como é para outros setores do audiovisual?
Nós só temos 27% dos players do setor de games acessando recursos públicos. É um mercado que funciona bem. Existe demanda, existe mercado, e o que a gente quer é o governo atuando onde ele pode atuar: propriedade intelectual, talvez algum fomento direto para quem está começando, formação e crédito facilitado como se faz com qualquer indústria. No lançamento recente de recursos para audiovisual ficou claro que nós estamos no bolo, mas não existe uma dependência desses recursos públicos.
Como a regulamentação de Inteligência Artificial afeta o mercado de games?
Estamos atentos ao Marco de Inteligência Artificial porque é tudo software e porque não existe jogo sem IA. Apesar de sermos risco baixo, nosso setor dialoga muito com o setor de tecnologia, que tem preocupações. Entendemos que (no debate sobre o marco legal de IA) é preciso ouvir o setor de tecnologia, ter ele apontando o caminho viável e possível. Foi assim no marco legal dos games. Temos uma grande preocupação com a questão dos direitos autorais em IA, e isso nos afeta de forma direta. Tem que ter alguma coisa em termos de regulamentação, mas não pode ser restritivo. Para nós o debate de direito autoral é o que mais preocupa. Temos que achar um meio do caminho.