A televisão desempenha um papel fundamental na representação e circulação das múltiplas realidades culturais e sociais do Brasil, trazendo visibilidade e disseminação para narrativas que refletem o que muitos chamam de "diversos Brasis". Nesse contexto, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual (PRODAV) se destaca como um mecanismo de fomento que propicia aos produtores independentes de diferentes regiões do país, e porte — desde iniciantes até consolidadas — , a oportunidade de trazer suas histórias e perspectivas ao grande público.
Lançada em 2012, a primeira chamada pública destinada ao segmento de TV, chamada PRODAV 01, coincidiu com o início da vigência da Lei da TV Paga (Lei nº 12.485). Essa legislação foi fundamental para ampliar a distribuição de conteúdo audiovisual brasileiro nas emissoras de TV por meio da adoção de cotas, que garantiam, de um lado, um número mínimo de canais brasileiros em cada pacote oferecido aos assinantes e, de outro, a obrigação de que os canais de espaço qualificado apresentassem uma programação com conteúdos nacionais. Além disso, a lei instituiu a CONDECINE Teles, o que provocou um aumento significativo nos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), com a arrecadação subindo de R$ 225 milhões em 2011 para R$ 806 milhões em 2012, e alcançando R$ 1,2 bilhões em 2023.
O PRODAV 01/2012 teve um orçamento de mais de R$ 90 Milhões e beneficiou 79 projetos de 66 produtoras em 8 estados brasileiros. Em 2014, o edital foi aprimorado com a introdução de cotas regionais de no mínimo 30% para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e 10% para o Sul, Minas Gerais e Espírito Santo, ampliando o número de estados beneficiados para 18. Nesse mesmo ano, foram lançadas duas novas modalidades de chamadas: o PRODAV 02, que se concentrou em propostas de programação com um conjunto de projetos para as grades de canais de televisão aberta e por assinatura; e o PRODAV 06, que estabeleceu um sistema de financiamento baseado no desempenho anterior e nas práticas comerciais das programadoras de televisão, assim como de produtoras e distribuidoras atuantes no mercado de salas de exibição. Em 2015, iniciaram-se as primeiras chamadas para o segmento público de televisão, com orçamentos segmentados por região do país.
Esse conjunto de chamadas criou oportunidades significativas para que as vozes de norte a sul do Brasil fossem ouvidas e valorizadas em âmbito nacional. No segmento de televisão, esse impulso se refletiu em um crescimento robusto no número de obras registradas na ANCINE de 617, em 2011, para 1.747, em 2018. No mesmo período, as chamadas voltadas à Produção e Programação de Conteúdos para TV tiveram 750 projetos contratados com desembolso superior a 600 milhões de reais.
Em 2018, foi lançado um novo formato de edital de Produção para Televisão, que alocou R$ 251 milhões em projetos de produtoras independentes com estreia prevista em emissoras de TV aberta, por assinatura ou públicas. Além disso, outra chamada, voltada para o Desempenho Comercial TV e VOD, disponibilizou R$ 21,150 milhões para suporte automático em projetos de canais de televisão que operam no serviço de acesso condicionado ou na radiodifusão, entre os quais se destacaram os Canais Brasileiros de Espaço Qualificado (CABEQ) Superbrasileiros. Esses canais, que incluem Canal Brasil, Canal Curta!, CinebrasilTV e Primebox Brazil, veiculam pelo menos 12 horas diárias de conteúdo audiovisual brasileiro independentes e, além de serem os maiores licenciadores desse tipo de conteúdo, também lideram o ranking de média mensal de programação brasileira independente exibida.
Para Neil Armstrong, criador das séries "Astrobaldo" e "Alba e os Fantasmas", os editais para TV foram cruciais para a realização de seus projetos e o desenvolvimento do setor audiovisual no Nordeste. "Eu sou criador e diretor dessas séries especificamente porque existiu o PRODAV", afirma com convicção. Ele, que reside em Fortaleza, no Ceará, ressalta que o fomento proporcionado pelo PRODAV não apenas possibilitou suas criações, mas também gerou oportunidades de emprego para muitos profissionais da região. "Algumas pessoas que estão, inclusive, trabalhando em grandes produtoras nacional e internacionalmente, foram fomentadas e formadas aqui," revela. Também salienta que, em especial no caso de séries de animação, há um potencial significativo para criar conteúdos que podem ser distribuídos globalmente.
Malu De Martino, produtora carioca da ML Produções, destaca dois de seus projetos contemplados pelos PRODAVs de TV: "Vinhos BR" e "Tela Sobre Tinta". O primeiro, que já está na sua segunda temporada, é um conteúdo que promove o turismo e a cultura nacional. Foi licenciado para várias plataformas, incluindo Travel Box, Modo Viagem da Globo, Globosat Internacional, Globoplay e Box Brasil Play. Já "Tela Sobre Tinta" é uma série sobre a vida e a obra de artistas plásticos brasileiros que influenciaram o cenário atual das artes. A produtora explica que esse conteúdo foi licenciado para o Arte1, o Canal Curta! e, posteriormente, para o CurtaOn. "Essa é uma forma muito importante da gente conseguir mostrar o nosso país, os nossos valores, os nossos artistas e o nosso terroir, para falar um pouco do vinho," afirma. Malu também enfatiza a necessidade do PRODAV: "Nós precisamos do PRODAV demais!"
Apesar dos bons resultados, em 2019 ocorreu uma paralisação no fluxo de chamadas do Fundo Setorial do Audiovisual, só retomado em 2022, quando foram lançadas três chamadas que, juntas, somavam R$ 205 milhões e contemplaram 95 projetos. Essas iniciativas incluíram a TV-VOD VIA PROGRAMADORA, que destinou R$ 65 milhões para 35 projetos; a TV-VOD NOVOS REALIZADORES, com R$ 20 milhões para 22 projetos; e a PRODUÇÃO TV-VOD, com R$ 115 milhões, beneficiando 38 projetos na modalidade nacional e 27 na regional.
Zienhe Castro, produtora cultural e diretora da ZFilmes, localizada em Belém do Pará, tem mais de 20 anos de atuação no setor e foi uma das contempladas com a série "Amazônia Ancestral". Ela salienta que esse foi um marco significativo em sua trajetória e reafirma a importância do edital PRODAV para a representação da cultura das regiões Norte e Nordeste do Brasil: "É fundamental que esse edital siga expandindo e apresentando obras desse grande Brasil, nas diversas telas."
Com essa retomada, havia a expectativa de avanço no setor. Entretanto, em 2023, para frustração dos produtores, a Chamada Pública Produção TV/VOD alocou apenas R$ 90 milhões, sendo R$ 50 milhões para a modalidade nacional e R$ 40 milhões para a regional. Ainda assim, essa chamada beneficiou 15 projetos de produtores de estados como Bahia, Pernambuco, Santa Catarina, Paraná, Maranhão, Amazonas, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, além de 22 projetos do Rio de Janeiro e São Paulo. O edital se mostrou relevante por incluir obras com protagonistas mulheres, negros e indígenas, abrangendo uma variedade de formatos, como médias, longas e séries, além de atender todas as faixas etárias.
Gabriel Correa e Castro, sócio fundador da produtora Viralata, foi um dos contemplados com o documentário "Amefricanidade – A Voz de Lélia Gonzalez". Com 15 anos de experiência na indústria audiovisual, ele conta que, no início, a produtora focou apenas na realização de documentários, tendo como primeira obra contemplada no PRODAV o telefilme "Blitz", sobre a banda homônima. Gabriel enfatiza que "os documentários têm um encaminhamento melhor para a televisão", e que a obra repercutiu muito bem, alcançando um público amplo, o que não seria possível nas salas de Cinema, que possuem espaço reduzido para o gênero. Sua produção documental mais recente, "Euclydes", resgata a história do aviador brasileiro negro que realizou o primeiro voo entre Nova Iorque e o Rio de Janeiro nos anos 20. Essa obra, antes de estrear na TV, foi exibida em diversos festivais de Cinema. A produtora, que cresceu junto ao PRODAV, hoje está indo para o nível 5, e tem obras exibidas em festivais internacionais de Cinema e no circuito comercial, assim como produções viabilizadas sem fomento público.
Outra produção financiada pelo PRODAV é a série "Os Ímpares", da produtora Das Minas, cuja sócia, Susana Campos, comenta, com alegria, sobre o recente encerramento das filmagens da 2ª temporada da produção, e anuncia que já tem o projeto da 3ª desenvolvido: "Queria deixar aqui registrado a importância que é a manutenção e o aperfeiçoamento desses editais, que vêm possibilitando o desenvolvimento de novas produtoras de todo o Brasil. E assim trazendo, também, novos olhares, novos formatos e revelando novos talentos."
Para o público infantil, a obra "Planeta Palavra" foi contemplada com a 1ª temporada na primeira edição do PRODAV (01/2012) e, recentemente, com a produção da 2ª temporada. Para Vanessa de Araújo Souza, produtora executiva da 2ª temporada da série, a janela de TV tem esse papel importante na formação de público para o audiovisual brasileiro. Ela comenta que esse é um conteúdo com espaço nas casas, nas famílias. Portanto, é assim que as crianças aprendem a apreciar a produção brasileira, o que, por sua vez, fortalece o público infantil nos Cinemas.
O sucesso de produções seriadas como "Tainá", "Show da Luna", "Carrapatos e Catapultas" e "Tromba Trem", que teve, inclusive, sua versão em longa-metragem para o Cinema, demonstra que a continuidade desse fomento é vital, e que ele ainda garante a permanência de empregos e a formação de parcerias duradouras, contribuindo para a consolidação de artistas locais e o crescimento da produção nacional.
Há muitos outros projetos já pré-selecionados pelas programadoras aguardando oportunidades para ganhar as telas. No entanto, até o momento, não foram lançadas chamadas para TV/VOD em 2024, e todo o investimento recente tem se concentrado em projetos voltados para o Cinema. Neste ano, foram lançadas chamadas específicas para o setor, totalizando R$ 120 milhões para Desempenho Comercial de Produtoras e R$ 60 milhões para Desempenho Artístico. Além disso, os editais de Coprodução Brasil-Portugal e Brasil-Uruguai só contemplam obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem com destinação inicial ao mercado de salas de exibição.
Na Ata da 65ª Reunião do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual, realizada em 18 de outubro de 2023, foram publicadas previsões de novas chamadas, incluindo R$ 110 milhões para Produção – Desempenho Comercial – Programadora; R$ 200 milhões para Produção – Nacional/Regional/Níveis 1 e 2, sendo R$ 100 milhões para a modalidade Nacional, com uma cota de 20% para os níveis 1 e 2, e R$ 100 milhões para a Regional, também com uma cota de 20%; além de R$ 110 milhões destinados a TVs públicas, comunitárias e universitárias. A RESOLUÇÃO FSA/ANCINE Nº 270, DE 30 DE JULHO DE 2024, que começou a circular entre os produtores em 31 de julho de 2024, publicou que o valor do PAI 2024 será de 325 milhões para o PRODECINE, 275 milhões para o PRODAV e 400 milhões para PROINFRA. Apesar dessas informações, não há notícias sobre as chamadas nem sobre as regras que as acompanharão.
Atualmente, há perto de 17 mil agentes econômicos regulares registrados na Ancine, sendo mais de 10 mil produtoras independentes, das quais 93,56% são do nível 1; 2,96% do nível 2; 1,29% do nível 3; 1,55% do nível 4; e apenas 0,59% do nível 5. Eles aguardam, ansiosamente, novidades, uma vez que a maioria não teve acesso às chamadas de Cinema, que têm sido criticadas pela concentração de recursos em poucas proponentes. Assim, a preocupação com o desequilíbrio significativo na distribuição de recursos do FSA é evidente, visto que, entre 2023 e 2024, foram lançados nove editais exclusivamente voltados para Cinema, somando cerca de R$ 900 milhões, enquanto apenas um edital de produção para TV foi disponibilizado, com um aporte de R$ 90 milhões. A TV demonstra, por seu histórica, ser mais amigável aos novos entrantes. Por isso, esse cenário destaca a urgência de reivindicar mais atenção para a produção audiovisual destinada a esta janela e para a manutenção de seus canais, especialmente os CABEQs Superbrasileiros, que representam a principal plataforma de circulação desse conteúdo. A visibilidade das produções nacionais e a sustentabilidade do setor dependem da preservação e do fortalecimento desses canais, sobretudo em um momento de crise. Esse assunto, no entanto, merece um artigo separado, pois a TV por Assinatura não morreu e tem muito a ensinar ao streaming!
Evento
Vamos debater sobre as políticas para o desenvolvimento da nossa indústria nacional do audiovisual?
Fica o convite para os três paineis exclusivos que ocorrerão no próximo dia 2 de agosto, durante o II Festival Curta Documentários. O evento será realizado no complexo de cinemas Estação Net Rio, em Botafogo, Rio de Janeiro, e contará com transmissão ao vivo pela internet. Todos os interessados estão desde já convidados a participar e serão muito bem-vindos.
Para aqueles que desejam se aprofundar nas políticas para o desenvolvimento da indústria nacional do audiovisual, fica o convite para os três paineis exclusivos que ocorrerão no próximo dia 2 de agosto, durante o II Festival Curta Documentários. O evento será realizado no complexo de cinemas Estação Net Rio, em Botafogo, Rio de Janeiro, e contará com transmissão ao vivo pela internet. Todos os interessados estão desde já convidados a participar e serão muito bem-vindos.
Paineis de troca de ideias do II Festival Curta Documentários:
Sexta, 2 de agosto – 10h: Os resultados positivos da Lei do SeAC e o asseguramento de sua continuidade no ambiente regulado do streaming através das programadoras de VOD culturais brasileiras e super brasileiras;
Sexta, 2 de agosto – 14h: A importância e o impacto social dos Cabeq super Brasileiros e dos canais culturais de TV (TV Cultura, Futura, Arte1, etc) na curadoria e ampla difusão do conteúdo produzido com financiamento pelo FSA;
Sexta, 2 de agosto – 16h: A necessária reinclusão da produção para TVs nos editais de Coprodução Internacional do FSA.
Assista online ou faça seu cadastro via Sympla para assistir presencialmente.
https://www.youtube.com/live/bHyS25ug9XA
https://www.sympla.com.br/produtor/clarofestivalcurtadocumentarios