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Políticas públicas devem compreender as diferentes janelas e modelos de negócio do audiovisual

Mesa "Tendências e públicos para diferentes janelas audiovisuais" (Foto: Tarcisio Boquady/ MinC)

Na última quarta-feira, dia 30 de outubro, chegou ao fim a programação do Seminário Economia Audiovisual e Interseccionalidades, promovido pela Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura (MinC) como parte do processo de elaboração do novo Plano de Diretrizes e Metas (PDM) do Audiovisual Brasileiro (2025-2034). Nessa reta final de evento, uma das mesas dedicou-se a refletir sobre tendências e públicos para diferentes janelas audiovisuais. 

Daniel Mattos é produtor, professor e pesquisador e trabalha no OCA (Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual) da Ancine. Ele abriu o debate analisando justamente o conceito de janela: “A ideia de janelas como conhecemos hoje no audiovisual vem do último quarto do século XX. Antes disso, não era uma ideia muito forte, isto é, essa visão de que diferentes meios de comunicação podem ser entendidos como canais especializados para um mesmo produto. Vem daí, aliás, o embrião desse movimento de, hoje, chamarmos tudo de conteúdo. Tem cineastas tradicionais que se revoltam com essa expressão. Mas a ideia de conteúdo nasce da ideia de janela – mais especificamente da convergência, que antes chamávamos de multimídia, de linguagens que estavam separadas entre si e começaram a convergir”. 

Voltando um pouco no tempo, Mattos afirma que essa expressão “janelas” no contexto que usamos hoje surgiu das grandes distribuidoras internacionais, que naquele momento estavam buscando como maximizar produtos audiovisuais em diferentes mercados. Portanto, tratava-se de um ponto de vista de marketing, onde os players exploram as janelas de maior valor agregado primeiro e vão “descendo” na sequência, seguindo uma ordem desejável de produtos audiovisuais e migrando de janela para janela visando o maior retorno possível. “Hoje, essa lógica já implodiu. Janela ainda pode ser vista dessa maneira, mas pode também estar ligada a formato – pensando em linguagem, qualidade técnica; modelo de negócio ou ainda método ou tecnologia de distribuição. Cada ator, no conjunto do espaço do audiovisual, está mais comprado em uma dessas visões. Os criadores pensam em linguagem e os distribuidores em preço e marketing”, explicou. 

Mas e o Estado, como vê essa questão das janelas? O pesquisador ressalta que o Estado sempre tendeu, historicamente, a enxergar a partir desse ponto de vista dos modelos de negócio dos mercados e estruturas de distribuição – ou seja, a radiodifusão seria uma janela, SVA outra, cinema outra, e Internet, como um guarda-chuva de possibilidades, outra. “A construção de legislações e marcos regulatórios com as janelas foi acompanhando esse processo, isto é, reagindo a essas inovações tecnológicas e estruturais. O Estado foi tentando dar conta desses mercados, criando legislações que acabaram definindo para as políticas públicas o que é uma janela e qual é a política para cada uma delas”.

Na prática, o processo de ir criando novas políticas e marcos legais conforme novas janelas foram aparecendo se deu, a princípio, de forma incremental – quando uma nova janela surge, tenta-se encaixá-la em algum lugar que já exista. Se não existe, cria-se um novo marco. “E assim viemos fazendo. Com problemas, claro, mas tentando se adaptar. Mas chega um momento em que o processo incremental encontra seu limite funcional – e estamos chegando nesse limite funcional em termos do que entendemos como janela. O mercado sabe disso e o Estado precisa saber também”, enfatizou Mattos, que afirmou que esse entendimento implicaria em debates – que serão longos e trabalhosos – mas muito necessários. “Internet não é uma nova janela. Não tem como ser empilhada nessa pilha de bloquinhos. Vamos precisar, agora, fazer uma engenharia reversa do nosso próprio entendimento do que é o audiovisual e uma janela para conseguir remapear nossas relações com esse fenômeno”, concluiu. 

Mudança de comportamento

André Furtado, hoje coordenador de Criação e Plataformas do Itaú Cultural, área que cuida, por exemplo, do serviço de streaming Itaú Cultural Play, já atuou em outras plataformas anteriormente, em especial nos grupos Paramount e Warner. Trazendo dados de mercado, ele pontuou que, em 2023, 58% das pessoas no Brasil com acesso à Internet fizeram isso por meio da TV. Essa conexão pela Internet via televisão dobrou nos últimos cinco anos. Para Furtado, é aí que está a raiz dessa “bagunça” do que podem ser as janelas nesse novo contexto de TV conectada. “São muitos os modelos de negócio disponíveis – com publicidade, híbrido, mediante assinatura, gratuito. A dinâmica de janelas entrou num tipo de colapso em relação ao que significa esse conceito num ambiente de streaming e CTV”, avaliou. 

Segundo o coordenador, o comportamento das pessoas é a chave da mudança. Um estudo do qual ele fez parte quando ainda estava na Paramount, em 2022, revelou que a CTV está se transformando na nova TV tradicional, o que significa que a discussão é mais sobre comportamento e menos sobre hábito. “Um dos principais motivadores das pessoas estarem no streaming é pra fazer parte das conversas. É do nosso cotidiano perguntar para o outro o que ele tem assistido”, pontuou. Nesse sentido, a pesquisa mapeou as demandas, isto é, o que as pessoas querem quando buscam um conteúdo audiovisual. As respostas foram fortalecer conexões, mudar o estado de espírito, entretenimento puro, senso de pertencimento e válvula de escape – o que reforça essa relação do tema com o comportamento do público. 

No novo contexto, TV aberta segue relevante

Leonora Bardini, diretora da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e também diretora de programação da TV Globo, concentrou sua fala em torno da relevância da TV aberta no Brasil – que, segundo ela, ainda é uma das principais janelas para o audiovisual nacional, especialmente fora dos grandes centros urbanos. “É o único meio que consegue oferecer conteúdo gratuito e acessível a uma população tão diversa. Isso é algo que precisamos preservar e valorizar, pois garante o acesso de milhões de brasileiros ao conteúdo nacional. Quando você vai para a distribuição digital, por mais que seja numa plataforma gratuita, ainda tem que pagar a Internet. Por isso essa democratização do conhecimento e do entretenimento é tão importante no Brasil, um país tão grande e tão plural”, afirmou. “É sempre um desafio para quem está no Sudeste lembrar que o Brasil não é a nossa bolha. O país é muito diverso. As pessoas ao redor do país inteiro estão transformando seus hábitos de consumo, mas em níveis de acesso muito diferentes do que achamos que é vendo da nossa ótica”, acrescentou. 

Nos últimos dois anos, a TV Globo passou a exibir filmes produzidos de diferentes regiões brasileiras. Hoje, a emissora leva ao ar mais de 100 filmes nacionais por ano, divididos em suas diferentes faixas de programação, e conta com o apoio da rede de afiliadas para essa produção. Os resultados são positivos: neste ano, o filme mais assistido pela “Tela Quente”, “Pés de Peixe”, foi produzido pela Rede Amazônica, com uma produtora local. “A TV aberta dá espaço para produções de cinema que, às vezes, têm um espaço mais limitado quando estreiam nas salas junto com lançamentos estrangeiros. Levamos essas histórias para grandes audiências, e o mais poderoso dessa experiência é ver que o público embarca”. 

Por fim, ela citou a TV 3.0, cuja implementação em 2025 causará uma importante evolução na TV aberta, onde “pegamos o que há de mais potente na radiodifusão e somamos à capacidade de personalização e interatividade do digital. É uma mudança que coloca a TV aberta em pé de igualdade com os negócios digitais. Mas ela segue sendo o ambiente mais potente para darmos cada vez mais alcance para as histórias brasileiras”, concluiu.

Compreender elos da cadeia para alavancá-los

Márcio Yatsuda, Conselheiro da Brasil Audiovisual Independente (Bravi), definiu que o momento é, de fato, bastante desafiador – especialmente no que diz respeito a pensar em diretrizes e metas para os próximos dez anos de um segmento que está em constante transformação. No entanto, ele garante que os elementos que vão moldar o futuro já estão postos: “Em vez de tentar adivinhar o que é o futuro, devemos olhar efetivamente para os vetores importantes que temos no presente. Quando entendemos quais são os fatores limitadores da evolução desses vetores, conseguimos planejar melhor”. 

Falando em planejamento, ele celebrou o trabalho que a Ancine fez com a construção dos painéis interativos, definindo como um verdadeiro salto para o setor. “Precisamos olhar números. Não é possível administrar o que não é possível medir. Esse convênio da SAV com a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial) para mapear a indústria audiovisual brasileira é uma boa notícia – mas é necessário que se estabeleça um padrão de análise de mercado para fazermos as mesmas coisas em 2024, 2025 e 2026. Caso contrário, falaremos em números de faturamento que não saberemos se são bons ou ruins porque não teremos comparativo. Se não fizermos uma comparação entre períodos, não sabemos se estamos bem ou mal. Precisamos de estabilidade e planos concretos de formas de medir o setor audiovisual”, defendeu. 

Yatsuda salientou a importância de que as políticas públicas busquem compreender os modelos de negócio de cada elo da cadeia para, assim, entender como ela pode alavancar e ajudar cada um deles. Ele trouxe exemplos. As produtoras audiovisuais do Brasil, em sua maioria, ainda atuam muito com prestação de serviços, muito mais do que exploração de propriedades intelectuais. “Serviço é bom, não tem nada de errado com isso. Mas o serviço é o produto mais perecível do mundo. Todo dia você tem que fazer um novo. A política pública pode ajudar nesse sentido reforçando, por exemplo, a atração de investimentos de fora para produzirem localmente e, dessa forma, aumentar efetivamente a contratação de serviços”.

Olhando para outro meio de atuação das produtoras, que é a exploração de IPs, ele enxerga algumas distorções na política pública atual: “Quando vamos utilizar o Art. 39 para uma produção, o canal coloca o recurso e aquele vira o preço da licença. Os players ficam com a exclusividade da distribuição e o produtor não pode explorar o conteúdo. Ao mesmo tempo, os canais também não exploram porque não têm interesse. Oito anos atrás discutíamos a IN de direitos, mas o assunto morreu. E é urgente falarmos disso”. Por fim, ele avaliou a terceira fonte de receita das produtoras, que é a publicidade. “Hoje, temos um artigo 1ºA que possibilita atrair marcas para projetos. Mas não é claro o que pode ou não ser feito nesses casos. Tem que submeter o projeto e, depois, descobrir. Precisaria ter um esforço, um esclarecimento maior para atrair mais desse tipo de recurso para os projetos”. 

Outro ponto que Yatsuda considera urgente que saia do discurso e vá para a prática é a transformação do mercado audiovisual em uma indústria auto-sustentável – o que hoje, ainda não é uma realidade. “A política pública não vai deixar de existir se o audiovisual se tornar auto-sustentável. Mas o que essa política está fazendo para atrair o setor privado para investir? Qual política pública está sendo feita pensando isso? O Funcine existe mas praticamente não é usado. Tem que estudar o porquê. É uma excelente forma de atrair o capital privado. É essencial pensarmos no que pode ser feito para atrair capital privado para dentro do audiovisual”, assinalou.

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