Um dos grandes desafios atuais do Ministério da Cultura é o processo de análise da regulamentação da gestão coletiva de direitos autorais, um debate crucial para o futuro do mercado de streaming de músicas e vídeos, para a indústria fonográfica e para o mercado audiovisual. A partir desse debate devem ser editadas regras, podem ser feitas mudanças legais e serão abertas frentes para discussão internacional sobre a gestão coletiva de direitos nesse ambiente digital e com os novos modelos de negócio.
Segundo Silvana Demartini, assessora especial da Secretaria de Direito Intelectual do Ministério da Cultura, essa não é a primeira vez que a legislação autoral muda, nem será a última. "O importante é não engessar. Tem que gerar o equilíbrio na medida da necessidade, para coibir abusos. Sabemos que essa regulamentação é muito importante para o autor e artista nacional, para que as plataformas tenham segurança jurídica e para que o consumidor tenha garantias", diz ela, que participou do Seminário Internacional ABDTIC, realizado nesta terça, dia 1, em São Paulo.
Desde agosto o MinC tem se reunido com diferentes agentes do mercado para tentar entender os modelos existentes. Segundo Silvana Demartini, a proposta é, a partir destas discussões, editar uma primeira instrução normativa que terá como foco a gestão coletiva em ambiente digital, "que deverá ser exercida por uma entidades registradas junto ao MinC, considerando alcance, importância da obra etc", diz Demartini. Segundo a assessora, a segunda etapa é uma revisão pontual da lei de audiovisual para adequar ao Marco Civil da Internet e ajustar o que for necessário ao ambiente digital. "Por fim, queremos provocar uma discussão mundial na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), para que esse debate se dê em nível mundial". Segundo Silvana Demartini, o MinC está ainda na primeira etapa e aberto a contribuições até o começo da próxima semana.
Prioridades
"Não acreditamos que só o mercado possa se regular, há vários casos de judicialização em relação ao ECAD e queixas em relação à baixa remuneração dos autores, que é um problema que tivemos pre-regulamentação do ECAD", diz Silvana.
Para o advogado Marcos Bitelli, existe um primeiro desafio que é a questão da distribuição não autorizada e pirataria. O segundo ponto, conta Bitelli, é a gestão coletiva, "que é histórico da música mas pega o audiovisual, e para isso é fundamental definir o que é distribuição e o que é execução pública".
Para Ricardo Castanheira, diretor da Motion Pictures Association do Brasil, a discussão do Ministério da Cultura é importante, mas ele entende que a questão da pirataria é que deveria ser tratada como prioridade. O executivo lembra dos episódio do Megafilmes HD, site de distribuição pirata de filmes, fechado pela Polícia Federal no mês passado. Ele mostrou estudos da MPA que mostram que esse site tinha cerca de 150 mil obras disponíveis em seu catálogo, com 60 milhões de visitas mensais. "Quando falamos em novos direitos, temos que lembrar de uma realidade de direitos que não estão sendo respeitados", disse. Segundo Castanheira, entre fevereiro e julho, os 50 maiores sites piratas no Brasil (há cerca de 300 no levantamento da MPA) receberam 1 bilhão de visitas. "Isso foi 10 vezes mais visitas do que ao site da Receita Federal, que é o site institucional mais visitado do Brasil. É uma realidade além da nossa capacidade de atuação", disse ele.
Castanheira sugere que esse descontrole pode ser uma das razões para que a economia audiovisual tenha dificuldades de se desenvolver no país. "O Brasil é muito criativo, mas é um dos poucos países que não transforma essa criatividade em produto econômico. Temos que entender por quê. Por que essa distância? Por que só consumimos 20% de conteúdo audiovisual nacional? Entender esse problema vem antes de entender as modalidades de streaming", disse ele.
Nascedouro
As plataformas de streaming também estão apreensivas com relação à iniciativa do Ministério da Cultura, ainda que entendam a importância do debate e queiram ser ouvidos. Para Max Guimer, diretor do Napster no Brasil, "existem pessoas que clamam por remuneração (nessas novas plataformas), mas há também muita gente investindo e operando no vermelho e precisando de rentabilidade", disse ele, sobre as plataformas digitais de streaming de áudio. "E ainda tem os consumidores querendo consumir, mas sem disposição de pagar qualquer coisa. Colocar isso no liquidificador tirar algo equilibrado e satisfatório é complicado".
O Deezer, outra plataforma de streaming de áudio, o momento também não deve ser de forte interferência regulatória. Para Henrique Leite, diretor da plataforma, "o momento atual do streaming é de fortalecimento e precisamos muito mais de diálogo e compreensão do que de regulamentação", diz ele. Ele lembrou que a falência da Rdio mostra como o momento é frágil para o desenvolvimento dessas plataformas. Ele teme que o Ministério da Cultura acabe formando entendimento sobre uma instrução normativa sem que as plataformas digitais tenham uma conversa buscando um entendimento com as principais associações de autores. "Há um risco de se criar uma guerra e um trabalho de lobby por um bebê que ainda nem cresceu", disse Leite.
Entre os debatedores, contudo, há um consenso de que as novas plataformas digitais não estão fazendo execução pública, mas sim atuando como distribuidores de conteúdos demandados pelo usuário.
Para a advogada Maria Rita Neiva, do escritório FAS Advogados, a jurisprudência de fato caminha nesse sentido, de reconhecer o streaming como distribuição eletrônica e não como execução, mas ainda não é uma jurisprudência consolidada.
"Quem mais sabe o que precisa é o setor, mas é claro que cada um obviamente opina defendendo o seu lado da balança, e cabe ao governo achar um equilíbrio", diz Silvana Demartini.