Canais superbrasileiros lutam para se viabilizar

Maurício Xavier, da Conne; Paulo Alcoforado, da Ancine; Fernando Magalhães, da Claro; Samuel Possebon, da Tela Viva; Mauro Garcia, da Bravi; Vanessa Souza, do Curta!; e Caio Luiz de Carvalho, do Arte1, participam de evento realizado pelo Canal Curta!.

A viabilidade dos canais Superbrasileiros, ou mesmo de parte dos Cabeqs (Canal Brasileiro de Espaço Qualificado) está em xeque. Os Superbrasileiros, ou Super Cabeqs são os canais de cota com um mínimo de 12 horas de programação brasileira, uma categoria criada na Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para fomentar o conteúdo nacional.

Esses canais, bem como alguns dos Cabeqs com perfil mais cultural, vem tendo dificuldade em manter o volume conteúdo por conta da inconstância no fluxo de recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) destinado ao conteúdo televisivo, bem como da dificuldade em pagar pelo licenciamento destes conteúdos, uma vez que as receitas vêm caindo juntamente com a base da TV por assinatura.

No evento II Festival Curta Documentários, realizado pelo Canal Curta! no complexo no Rio de Janeiro nesta sexta, 2, Vanessa Araújo Souza, produtora audiovisual e consultora de FSA do Curta!, lembrou que após o hiato de recursos incentivados e públicos que assolou o setor, em 2022 iniciou um novo ciclo do Prodav, a linha de investimento em TV do FSA. Foram três linhas naquele ano, destinando R$ 205 milhões a 122 projetos de todas as regiões do país.

No ano seguinte, lembra Vanessa, foi lançado apenas um edital de R$ 90 milhões, que, pelas condições e competitividade, não permitia a entrada de nenhuma produtora de menor porte. Em 2024 ainda não teve nenhuma linha para TV, apenas para cinema.

A consultora destaca que os canais superbrasileiros e os Cabeqs culturais são os que dão mais espaço para produtoras em fase mais inicial de carreira e permitem maior experimentação no conteúdo. Além disso, têm papel fundamental na formação de público para o conteúdo audiovisual brasileiro.

Caio Luiz de Carvalho, diretor do canal Arte1, Cabeq destinado a um nicho mais cultural, lembra que este perfil de canal, bem como os superbrasileiros, dependem mais da TV por assinatura, que está em queda. A monetização no streaming é, diz o executivo, muito difícil para estes canais e, ao mesmo tempo, a dependência dos recursos públicos pode trazer momentos com escassez de recursos. "A cultura ter sobrevivido à barbaridade que se acometeu sobre nossa área no último governo é um milagre", disse. "Temos que exercitar modelos novos de sobrevivência", completou.

Segundo o diretor do Arte1, o canal teve que ficar de fora das últimas linhas do Prodav, que são destinadas às produtoras sempre com um canal como parceiro. Faltou ao Arte1 recursos para pagar a contrapartida do canal, que é a taxa de licenciamento do conteúdo, de 15% do valor contemplado no FSA.

Mais recursos e regulação

As empresas produtoras também lamentam o ritmo da retomada de investimentos no audiovisual. Maurício Xavier, diretor Nordeste da associação de produtores Conne – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste, diz que esperava "um pé no acelerador" mais fundo no governo atual. "Nesse período de um ano e meio, vemos muito debate e o mercado aguardando editais e que a roda volte a girar", diz.

Segundo Xavier, as empresas representadas pela Conne são, em sua maioria, produtoras de nível 1 e 2 na qualificação da Ancine. São as que mais dependem dos canais Superbrasileiros e Cabeqs e que raramente são consideradas pelas grandes programadoras internacionais. "Nós, que somos produtoras de nível 1, 2 e 3, precisamos de Cabeqs fortes", disse.

Xavier diz que o governo anterior deixou o "grande legado" de unir o audiovisual em entidades fortes. Além disso, nota que há um grande trabalho sendo feito no governo na reconstrução do Ministério da Cultura e reinstauração do Conselho Superior do Cinema.

Para Mauro Garcia, presidente da associação de produtoras Bravi, a Ancine não atentou ao que estava acontecendo com os canais brasileiros nos últimos anos. Segundo ele, não só a base da TV por assinatura caiu nos últimos dez anos, mas os valores pagos por assinante também tiveram queda. Os superbrasileiros e os Cabeqs são, lembra Garcia, canais que dependem mais da assinatura do que da publicidade. Ou seja, o dinheiro só reduziu. "Essa tendência tinha que ser observada e trabalhada pela Ancine. Se os Cabeqs tem o papel importante de devolver à sociedade o que foi produzido pela política pública, merecem uma atenção dos reguladores", diz. "Eles são parte do tripé da política do SeAC", finaliza.

O diretor do canal Curta!, Julio Worcman, aponta que uma solução apresentada aos Cabeqs foi reduzir a contrapartida dos canais nas linhas do Prodav. "O valor da licença tem que ser igual ao valor de um conteúdo pronto. Foi feito um desconto aos super brasileiros que os Cabeqs não tiveram. Ao invés 15%, pagamos 2%. Se a Ancine estivesse atenta, poderia ter calibrado essas licenças também para os Cabeqs", diz. Esta solução teria viabilizado a participação do Arte1 nos últimos editais, por exemplo.

Fomento à transição

O diretor de programação da Claro, Fernando Magalhães, lembra que todas as grandes programadoras internacionais de canais lançaram suas próprias plataformas OTT. Os canais Cabeqs e os superbrasileiros não têm como fazer esta transição e garantir receita adicional. "Também não dá para pagar mais para esses canais. Se a gente aumentar preço, a TV por assinatura fica ainda menos competitiva", diz.

Além disso, a percepção do executivo da Claro, que oferece aos seus assinantes diversos serviços de streaming AVOD e SVOD, é que base de assinantes dos serviços que não são dos big players é muito pequena. "O assinante não compra".

Para Magalhães, esses canais devem seguir com a estratégia de atender seus nichos: levar conteúdo de alto nível para poucos assinantes, mas que percebam muito valor naquilo. "Tem menos dinheiro para todo mundo e temos que dar um jeito de equacionar isso", finaliza.

Mecanismo indutor, mas não de sustento

"Acho importante começar dizendo que o fomento público não é o responsável pela sustentabilidade dos canais de programação", diz o diretor da Ancine Paulo Alcoforado. "As soluções de performance econômica têm que ser encontradas por cada empreendedor", completa.

O fomento, contudo, é complementar à regulação para equilibrar o ambiente, diz o diretor da Ancine. Ele acha possível ter uma linha de investimento em infraestrutura para as programadoras que ajude na operação dos canais, tendo como retorno parte das receitas destas programadoras. No entanto, destaca que esta é uma decisão do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA), não da Ancine. Tal linha poderia auxiliar as programadoras a arcar com os custos de licenciamento dos conteúdos viabilizados pelo Prodav.

O diretor do Canal Brasil e membro do CGFSA, André Saddy, concorda que o fundo pode ser um caminho de auxílio, ainda que com investimentos retornáveis. Uma hipótese é que parte deste retorno seja com a cessão de espaço para divulgação de lançamento de conteúdos brasileiros.

Saddy também aponta que a regulação do VOD pode também ajudar a induzir os Cabeqs a fazer a transição para o modelo OTT. "É preciso encontrar caminhos para que a receita das novas Condecines possa ajudar a fortalecer os streamings brasileiros ligados ou derivados ao superbrasileiros", diz.

Sobre a regulação, Paulo Alcoforado, da Ancine, complementa que cabe à agência reguladora observar, entender e reagir para manter o mercado saudável. Para ele, há uma falha de regulação que passa pela questão de pirataria, dos novos serviços na Internet não regulados e pela falta de isonomia tributária. "Acho também que a própria Ancine poderia, porque tem mandato para isso, pedir para ver os contratos que licenciam os canais", diz. Pode ser uma questão sensível, mas a agência reguladora precisa de acesso para apresentar soluções cabíveis, complementa.

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