Fernando Dias, sócio e produtor executivo da Grifa Filmes e principal nome por trás do novo evento Latam Content Market, participou do "Café com Pixel", programa do canal do YouTube da TELA VIVA produzido em parceria com o escritório CQS/FV Advogados, onde deu detalhes sobre o encontro marcado para 2025 e falou ainda sobre as demandas que ele enxerga no audiovisual brasileiro na atualidade e como o evento pretende atendê-las.
O novo LatAm Content Market, que chega ao Brasil por meio de uma parceria com o Sonny Side of the Doc, evento internacional dedicado a documentários lineares e não-lineares que acontece anualmente em La Rochelle, na França, pretende reforçar a vocação da América Latina como produtora de conteúdo audiovisual que é exibido em todo o mundo em um evento dedicado a gerar negócios para as produtoras da região por meio de coprodução, distribuição, licenciamento e vendas com parceiros globais, com foco em produtos de não-ficção, como documentários e reality shows. A primeira edição será realizada de 10 a 13 de março de 2025, no Othon Palace Hotel, no Rio de Janeiro, e conta com o apoio da Embratur, Bravi e Visit Rio.
O evento brasileiro também será focado em projetos de não-ficção. "A ideia é criar um pitching poderoso no Brasil com grandes tomadores de decisão do mundo inteiro vindo pra cá para participar da seleção de projetos. Já temos nomes confirmados do Japão, Estados Unidos, França, Alemanha e Inglaterra, além de toda a América Latina e players brasileiros", adiantou Dias. "O coração do evento é o pitching, que será coordenado e realizado pela equipe do Sunny Side. Eles farão a seleção dos projetos que, depois, passam por um processo legal de mentoria até o momento da apresentação", explicou. Serão três eixos temáticos: projetos sobre meio ambiente e natureza; projetos factuais; e projetos de formatos – que podem, inclusive, ser exportados futuramente.
Ainda no mês de outubro, serão abertas as inscrições. Os projetos deverão ser necessariamente submetidos em inglês – até porque o foco do evento está nos projetos com potencial internacional. Os inscritos serão submetidos aos pareceristas e os selecionados devem ser anunciados no mês de janeiro. Obrigatoriamente dois terços da seleção será composta por projetos da América Latina e todos eles passarão por um processo de mentoria até o dia do evento, quando serão oficialmente apresentados.
"É um evento feito pelo mercado, para atender às demandas do próprio mercado", define o produtor. Segundo ele, falta no Brasil um lugar onde os membros da cadeia audiovisual possam ter essa proximidade e essa oportunidade de networking mais potente com players do próprio país, claro, mas também da América Latina e de outros continentes. "Sentimos a necessidade desse lugar, onde possamos sentar, conversar, discutir o futuro e entender as demandas", apontou. Por isso, a programação do LCM inclui ainda a apresentação de cases de projetos de sucesso, debates em cima de temas como financiamento e reuniões one-to-one. "O objetivo é ajudar nesse networking para que os produtores conheçam parceiros ao redor do mundo e entendam outras possibilidades de difusão e distribuição para os conteúdos, além de colocar o Brasil como parte desse ecossistema mundial de criar projetos em coprodução. Na Europa, por exemplo, sempre existiu esse sistema de busca por financiamento de outros países. Não tem isso de buscar o dinheiro em um país só. É um horizonte que se abre".
Internacionalização do audiovisual nacional
O produtor considera a internacionalização um processo necessário. "Traz mais possibilidades de recursos para o país, aumenta a capacidade de distribuição daquele conteúdo por um valor menor do que se fosse um produto só brasileiro e proporciona um financiamento mais robusto. Minha experiência como produtor mostra que, às vezes, os orçamentos se tornam até cinco vezes maiores com uma coprodução internacional. E o projeto se torna mais competitivo", citou.
Nesse sentido, ele reiterou a necessidade de um ajuste nas políticas públicas brasileiras justamente para fomentar essa internacionalização do audiovisual nacional – a exemplo do que já acontece em outros países, como França e Canadá. "É um caminho possível e sem volta, e onde aposto muito", disse. Dias acrescentou: "A capacidade do Brasil de produzir, a nossa criatividade, ela já está posta. Não estamos correndo atrás disso. Já temos os instrumentos, falta conseguir fazer isso de maneira mais sistemática e profissional".
E, ainda falando sobre o fomento público, o produtor defendeu um sistema que dê conta de fomentar todos os produtores – "não podemos, em detrimento de cuidar do pequeno produtor, deixar de olhar para o grande", afirmou, assinalando ainda que, na sua visão, o Brasil nem tem "grandes produtoras", e sim "médias", se comparado a mercados internacionais. Além disso, ele pontuou a importância de um fomento para o audiovisual, e não só para o cinema. "Isso é velho. Tem que fomentar o audiovisual como um todo. As maiores produções do Brasil hoje não foram feitas para o cinema, e sim para o streaming, como 'Senna' (Netflix) e 'Cangaço Novo' (Prime Video), por exemplo, que são muito maiores em termos de orçamento e etc. É um equívoco, e algo que devia ser pensado de forma diferente".
Dias ressaltou que é favor de que sejam estimuladas as novas produtoras, a regionalização e a diversidade – mas não a criação de empresas: "Devemos apostar no desenvolvimento de profissionais e talentos. Não é todo mundo que tem que ter uma produtora. Já temos hoje mais de dez mil produtoras cadastradas na Ancine, não cabe mais. Seria melhor ter menos produtoras, mas mais robustas. E, aí, criar um sistema de diversidade dentro dessas produtoras. A criação de novos CNPJs não traz necessariamente novas produções". E ele reforçou o olhar para os produtores maiores: "Eles empregam muita gente. Não é privilegiar o dono daquela produtora, e sim o número de pessoas envolvidas nesses processos e que estão movimentando o mercado. E estamos falando de mercado – players, canais e tomadores de decisão – que não têm obrigação de trabalhar com uma ou outra produtora. Eles vão escolher aquelas que julgarem mais competentes. Não dá para forçá-los nesse sentido. Há pequenas produtoras que vão crescer, claro. Mas tem produtora com características de filmes mais autorais, para atender a outros tipos de demandas. E está tudo certo. Os filmes têm que ter planos de negócios – se é ganhar um festival de cinema no interior da Paraíba, está ótimo. É fazer o plano e cumprir o objetivo. Cada projeto tem que ter o seu. Se cumpriu, deu certo. Mas não é todo mundo que pensa assim".
O produtor considera que, atualmente, ajustes e regulações são necessárias, mas se coloca como otimista diante das novas possibilidades de internacionalização do audiovisual do Brasil. "Aposto no mercado global começando a olhar com mais carinho para produções sendo realizadas do lado de cá. Como no Rio de Janeiro, por exemplo, que já é uma das cidades com o maior número de produções audiovisuais sendo realizadas por dia. Isso não é à toa. Tem muito espaço para o Brasil. Hoje, não fazemos quase nada – em termos de recurso – e conseguimos muito. Estamos engatinhando. Se tivéssemos mais mecanismos de atração de produções seria outra coisa. Os outros países mandam passagem, pagam hospedagem, fazem de tudo para você ir filmar lá. O Brasil não faz nada. Se o país se empenhasse nesse sentido, ia bombar".
Regulação do streaming
Por fim, Dias apresentou seu ponto de vista sobre a regulação do streaming, que ele considera totalmente necessária. "Somos um dos poucos países do mundo que não têm. Ou seja, não precisamos inventar a roda, tem exemplos no mundo inteiro. É uma questão de vontade política – e existem forças muito grandes envolvidas na discussão. Na regulação do cabo, o negócio só foi pra frente quando teve uma vontade forte do governo brasileiro. Precisamos disso. O Brasil é um grande consumidor de streaming, gera receita, e tem uma tendência de continuar crescendo. Então tem que ser feito", declarou. Para ele, replicar a regulação do SeAC é difícil, uma vez que trata-se de uma comparação complexa, mas alguns pontos podem, sim, ser semelhantes, como as cotas de conteúdo nacional e as obrigações de investimento em produção brasileira. "Como faz, como cria, onde vão ser essas cotas… São dificuldades mesmo. Mas criar um mecanismo com um valor significativo para fomentar a produção é extremamente necessário. Num cenário com plataformas muito diferentes, tem que se chegar a um acordo possível", concluiu.
Assista à entrevista na íntegra no canal do YouTube da TELA VIVA ou abaixo: