Com mediação da jornalista Renata Lo Prete, o painel "Jornalismo e Democracia", realizado nesta quinta, 3 de abril, primeiro dia do International Academy Day, contou com a participação do diretor de Jornalismo da Globo, Ricardo Villela; do gerente de Comunicação e Relações Institucionais do Grupo Clarín, da Argentina, Martin Gonzalo Etchevers; e do correspondente e chefe do escritório da ZDF na América do Sul, Christoph Roeckerath. Neste ano, a Globo é a anfitriã do evento, que é promovido pela Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão.
A ideia do painel foi refletir sobre como o jornalismo se transformou nos últimos anos e como ele é visto hoje – por quem faz e também pela sociedade. Para Villela, a premissa não mudou: é fundamental que o jornalismo seja útil e tenha um papel central na democracia. "O que vemos nos últimos cinco, dez anos, especialmente nas redes sociais, é totalmente diferente. Os grupos radicais, numa busca pelo poder, escolhem desacreditar o jornalismo e atacar a mídia e a imprensa porque eles veem os jornalistas como obstáculos na sua ambição de ganhar ou manter o poder. O objetivo deles não é melhorar a qualidade do jornalismo com reflexões e discussões, e sim destruí-lo. Essa é a estratégia deles", pontuou.
O diretor explicou como o método desses grupos consiste em experimentar em pequenos grupos, normalmente no WhatsApp ou no Telegram, fakenews ou vídeos manipulados, testando se eles "funcionam". Aí, vão para o próximo passo. "Eles têm muita disciplina, porque se uma mensagem não funciona, eles tentam outra, até encontrarem o formato perfeito para atacarem o jornalismo. Isso se transforma em receita para eles e para as plataformas. Não é algo espontâneo, tem estratégia. O objetivo é tirar o jornalismo do caminho para que eles ganhem poder", reforçou.
Etchevers destacou que inclusive alguns governos também usam essa "patrulha digital" para o seu próprio benefício. "Estamos enfrentando novos adversários", alertou. "Temos que cuidar dessa questão com inteligência. Os jornalistas ainda são as fontes mais confiáveis de informação. Mas, produzir jornalismo de boa qualidade, nos canais abertos, por exemplo, demanda investimento. E a maior parte dos estúdios de notícias das nossas TVs ainda não são digitais. Precisamos investir pesadamente nessa questão digital". O TN, canal de notícias do Grupo Clarín, tem reforçado cada vez mais sua presença multiplataforma exatamente por conta dessa ideia de garantir o acesso da população à informação de confiança.
Villela lembrou que os ataques aos jornalistas normalmente não vêm de pessoas reais – nas últimas eleições, 58% dos ataques contra a Globo vieram do X (antigo Twitter), e de perfis falsos. "Mas os danos são reais", enfatizou. "O medo leva à intimidação. Os alvos são os repórteres, os editores, especialmente as mulheres. É natural que a partir daí você tenha medo de fazer o seu trabalho. Mas não podemos perder nosso objetivo. Quando começamos a tomar decisões sobre a história que estamos contando não com base nos fatos e no que a audiência merece, mas pensando é bom para o grupo que está te atacando que você fuja da história, aí não é mais jornalismo. Precisamos perseguir a verdade e nossos princípios, e não trabalhar pensando no que vai ser melhor para esse grupo político particular que nos vê como inimigo", defendeu.
O jornalista ressaltou que os ataques não surgem de determinado partido político – a própria Globo já foi atacada pela esquerda e pela direita. "O tipo de ataque não muda. Vem de diferentes perspectivas, mas a principal mudança é a mídia social, que deixa esses ataques muito mais fortalecidos, nessa estratégia focada em engajar as pessoas por meio de algoritmos. Hoje, é muito mais fácil atacar. Essa é a grande diferença. Não é de onde o ataque vem, e sim a tecnologia", assinalou.
Etchevers concorda: "Precisamos fazer nosso trabalho e não ficar nessa posição de auto-censura que nos impeça de trabalhar. A intimidação pode levar à auto-censura por parte dos jornalistas, e isso é um perigo. É um equilíbrio delicado".
A Globo tem trabalhado no sentido de combater essa onda. Villela entende que é importante que, nesse contexto, o jornalismo seja feito com mais transparência. "Não podemos esperar que as pessoas acreditem em nós porque elas acreditavam no passado. Temos tentado ser cada vez mais transparentes. Quando começamos a usar IA, por exemplo, escrevemos nossos próprios princípios editoriais e contamos isso para o público durante oito minutos no "Jornal Nacional". É um esforço para fazer nosso trabalho ser mais entendível e transparente para o público. Nesse dia deixamos claro que somos diferentes, que temos uma missão, uma forma clara de fazer as coisas". Nesse objetivo, os noticiários da casa também têm atuado forte, se dedicado a desmentir vídeos ou informações falsas que circulam na internet com frequência. "Isso comprova nossa credibilidade e educa as pessoas no jornalismo profissional", acredita o diretor.