TV aberta segue relevante, mas precisa ter presença multiplataforma e firmar parcerias

Guilherme Ravache (moderador), José Eduardo Moniz, Antonio Wanderley, Amauri Soares e Javier Goldschmied (Foto: Globo/ Renata Freire)

No ano marcado pela comemoração dos seus 100 anos, a Globo é a anfitriã do International Academy Day, evento promovido pela Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão, e reúne, nesta semana, no Rio de Janeiro, executivos da indústria audiovisual mundial para discutir os caminhos do mercado de mídia. Nesta quinta, 3 de abril, o painel "O poder duradouro da televisão aberta" propôs um debate em torno do assunto entre profissionais de diferentes territórios, que concluirão que, apesar de em constante transformação e evolução, a TV aberta segue relevante para a sociedade, para a indústria e para o mercado anunciante.

É consenso que a TV não vai morrer – ao contrário do que já foi dito no passado. Antonio Wanderley, CEO da Kantar Media Latin America, Spain, APAC & Africa, inclusive brincou que todo mundo que fala que a TV vai morrer, provavelmente irá morrer antes dela. Para Amauri Soares, diretor da TV Globo, Estúdios Globo e Afiliadas, isso valerá também para a TV aberta: "Nós fazemos esse negócio num mundo de confiança e lealdade, coisas que são muito importantes para dois atores: o público e as marcas. Então estamos aqui porque narrativas podem ser imaginativas, mas não são sustentáveis por longo prazo sem resultados e desempenho. As nossas métricas e as pessoas reais que alcançamos, isso sim é sustentável".

José Eduardo Moniz, diretor geral da TVI (Portugal), afirmou que a TV aberta segue renascendo a cada dia, mas demanda inovação e sustentabilidade. "Isso quer dizer que precisamos dar espaço para ideias aparecerem e estarmos prontos para a concorrência, cortando custos e otimizando operações. Especialmente pensando nas maneiras como geramos receitas. Nesse negócio, não temos inimigos. Precisamos aprender como cooperar uns com os outros – isso é essencial. Não nos vemos mais como adversários como era no passado. Devemos trabalhar juntos para produzirmos melhores produtos, enfrentar o mercado e fornecer aos espectadores mais qualidade. Nós chegamos a muitas pessoas, ainda somos fortes e temos a palavra, por isso precisamos saber como agir. Temos que prestar atenção aos alertas. Mas estamos prontos para responder", pontuou. Para ele, as coisas não morrem, e sim se transformam, e os mais fortes permanecem. "Temos que juntar forças e trabalhar nessas fraquezas", completou.

Reforçando a importância das parcerias, Moniz disse que as plataformas de streaming não são uma preocupação – e que elas inclusive entram nessa ideia de trabalhar em colaboração. A própria TVI já coproduziu com o Prime Video. "É uma experiência nova para eles e para nós também". Mas, nesse sentido, fez uma ressalva: "Nós realmente conhecemos toda a nossa audiência. Já elas, não compartilham números. Isso prejudica essa aliança. Mas seguimos abertos a todo tipo de colaboração, sabendo dos desafios que temos no mercado e mantendo nossa individualidade quando abraçamos outras companhias".

Presença multiplataforma

Para além das parcerias, os executivos destacaram também a importância da presença multiplataforma – lembrando que as métricas para medir a audiência nessas diferentes janelas são diferentes. O diretor de programação da TVN (Chile), Javier Goldschmied, contou sobre uma nova métrica que eles desenvolveram e começaram a utilizar recentemente, justamente visando essa integração. "Há cinco anos começamos a desenvolver essa nova métrica. É um novo jeito de comparar os números com o digital. Como TV aberta, alcançamos muita gente. Quando falamos em milhões, temos que mudar essa mentalidade para vender de forma diferente. Somos uma plataforma que, hoje, está não só na TV, mas também no rádio, app, streaming. Temos nossos direitos de transmissão, IPs próprios, trabalhamos com plataformas. Também não temos medo de trabalhar junto", afirmou.

E, falando nessa estratégia de multipresença, Goldschmied citou que o filho dele, por exemplo, não conhece o canal de TV onde ele trabalha. "Por isso estamos buscando formas diferentes para conversar com essa audiência mais jovem. Eles não passam muito tempo vendo conteúdo de qualidade, de confiança, que contribua com conhecimento e cultura. Estamos trabalhando nisso".

Moniz demonstrou preocupação em como competir com essas plataformas que "estão em todo lugar a todo momento" e colocou esse como o maior desafio. Mas o grupo tem adotado algumas estratégias acertadas – especialmente no sentido de diversificar sua oferta. Há três anos, eles firmaram um contrato para transmitir a CNN, marca que reforçou sua operação de notícias e foi importante inclusive em termos de incremento de receita. Além disso, a TVI tem um canal que transmite "Big Brother" por 24 horas, que também se mostrou eficiente. "Não importa qual a plataforma que esteja sendo usada, temos que agarrar todas as oportunidades e as janelas que estejam à disposição. E precisamos monetizar. Encontrar bons parceiros e confiar neles. A honestidade desse relacionamento é importante. Existe um longo caminho, mas precisamos parar de fantasiar. Negociar e conseguir acreditar que o dia seguinte vai ser melhor", pontuou. Goldschmied complementou: "Temos que acreditar nos novos modelos de negócio. Essa colaboração nas diferentes plataformas é muito importante. O conteúdo que oferecemos é de qualidade – e tem uma diferença muito grande entre muitos dos conteúdos digitais que estão sendo oferecidos".

Soares, da Globo, concorda que os grupos de mídia são ecossistemas que precisam estar presentes em todos os lugares – especialmente no contexto do Brasil. Mas também endossa que a assimetria é enorme. "Por um lado, temos A TV aberta regulada, com seus conteúdos, IPs, direitos esportivos, jornalismo profissional e um valor enorme associado a isso. Por outro, a terra livre para reusarem como quiserem, sem nenhum reconhecimento ou crédito das ideias. Essa situação é boa pra quem?", questionou. "Estamos começando a ver essa assimetria sendo abordada. Nosso conteúdo é central nesse ecossistema digital. O buzz é sobre o nosso conteúdo, os nossos direitos. Até agora não tem métrica para colocar tudo junto. O reconhecimento dessa assimetria vai nos levar a um lugar melhor. Precisamos disso".

Assimetria de métricas

A questão da assimetria entre as métricas de diferentes janelas e plataformas incomoda os executivos, especialmente porque interfere diretamente na compra de mídia e nesses valores. "O desafio em relação às métricas está relacionado ao o que quem compra mídia está demandando para fazer esses investimentos. São decisões do mercado. Há iniciativas tentando criar uma métrica única, juntando todas elas", disse o CEO da Kantar. Para Moniz, é essencial preservar a capacidade dos grupos de TV aberta decidirem que preço será pago pelos seus anúncios, assim como a capacidade das emissoras de negociarem diretamente com seus anunciantes: "Se tentarmos apagar toda forma tradicional com que vendemos nossos anúncios, talvez encontremos problemas sérios porque as receitas poderão cair drasticamente".

IA como ferramenta, não criadora

Ao falar em novas plataformas, tecnologia e ambiente digital, o assunto inteligência artificial virá à tona. Na visão de Wanderley, os desafios da relação entre IA e proteção de conteúdo serão semelhantes aos desafios dos dados. "Nós nos tornamos responsáveis pelos dados fechando todas as portas. Nossa distribuição de dados é bastante regulamentada. Estudamos bastante esse mercado e acreditamos que as capacidades da IA são como uma commodity. Poderá mudar o cenário para o mundo de que o algoritmo não é tão importante, e sim os dados que temos e a maneira de treinar a IA".

Já Moniz sentirá que o futuro ainda será incerto, mas salientará: "Nós não poderemos nos permitir aceitar a IA como um concorrente, e sim como uma ferramenta. Teremos que buscar colocá-la nos lugares certos, usando das melhores maneiras". Goldschmied concordará: "Não será ela que criará nosso conteúdo. Humanos seguirão sendo necessários, eles trabalharão com a IA como uma ferramenta".

A Globo tem uma política de uso de IA que valerá para a empresa toda. Soares contou de soluções interessantes, relacionadas por exemplo à correção de cor e luz e descrição de cenas, que ele considerará interessante e promissor. "Mas não terá solução inovadora de IA para você criar uma novela. Estaremos trabalhando com as companhias e os engenheiros porque queremos usar as ferramentas e ajudar a desenvolvê-las, mas estaremos longe do dia que a IA criará um conteúdo profissional", defendeu.

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