Nesta sexta-feira, 4 de abril, o segundo dia do International Academy Day – evento promovido pela Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão nesta semana, no Rio de Janeiro, que tem a Globo como anfitriã – abriu com um painel intitulado "The Pulse of Streaming – Content Creation & Strategy", que reuniu executivos que estão à frente de algumas das principais plataformas de streaming – Globoplay, Max e Netflix – para debaterem questões atuais do mercado.
A conversa partiu de um dilema central que tem assombrado os grandes serviços nos últimos anos: após o boom do streaming, teriam as plataformas chegado a um nível de saturação de conteúdos? Para a vice-presidente de conteúdo da Netflix Brasil, Elisabetta Zenatti, a resposta é não. "A estratégia á justamente termos uma grande variedade de conteúdos. Acreditamos que precisamos servir a várias e diferentes audiências. As pessoas podem assistir o que elas querem, onde estiverem, no momento em que estiverem. Depende do humor que elas estão até. Então realmente precisamos de muito conteúdo – tanto do Brasil quanto do mundo, porque o bom conteúdo vem do mundo todo", disse a executiva, que contou ainda que a Netflix lança pelo menos um título novo por dia.
Manuel Belmar, diretor de Produtos Digitais da Globo, trouxe uma perspectiva um pouco diferente: afinal, enquanto a Netflix fala com assinantes ao redor do planeta, o Globoplay tem um alcance bem mais limitado. "Adoraríamos lançar um título novo por dia", brincou o executivo, pontuando que, para os players locais, o maior desafio é a escalabilidade. Ainda assim, o volume é grande – são cerca de 300 projetos por ano. "Hoje falamos sobre esse pico de saturação porque em algum momento todas as empresas pensaram que seria possível para elas, sozinhas, atenderem a todas as necessidades individuais dos consumidores locais ou mundiais e não fizeram bem as contas. O mercado de conteúdo é muito intenso, e precisa justamente dessa escala. Se não a temos, a proliferação de serviços não será viável", analisou. Para Belmar, o momento atual é de consolidação: "Isso já está acontecendo, e as empresas que não têm operações sustentáveis vão acabar. Em essência, agora temos empresas que querem equilibrar sustentabilidade. Ainda teremos mais investimentos em conteúdo, mas em um ritmo diferente".
Monica Pimentel, vice-presidente de conteúdo e chefe de gestão de talentos da Warner Bros. Discovery Brasil, considera que a saturação do mercado é uma preocupação real da indústria. "Mas onde há forte competição, sempre haverá inovação. Players que estiverem focando em qualidade, narrativas que ressoem com a audiência, conteúdos que possam realmente impactar e uma oferta robusta em suas plataformas sem dúvida terão mais chances de serem bem sucedidos. Todos os dias vemos tentativas de novas plataformas no mercado, mas vejo que poucas irão de fato se consolidar. Só as que têm essas preocupações", elencou. "E, conteúdo de alto impacto, que seja relevante, requer investimento e foco no que estamos desenvolvendo. Para nós, é importante ter uma oferta robusta e um balanço entre conteúdo local e global – que é justamente a proposta da Max. O mesmo assinante que quer estar atualizado com as produções globais quer se ver representado na tela e se conectar com produções que retratem a sua realidade. O conteúdo nacional sempre está em posições de destaque no ranking da nossa plataforma", destacou.
Dados ajudam, mas não determinam
Se a indústria hoje discute um possível pico de produções, é porque existe muita coisa disponível para assistir. Nesse momento, entram em cena os algoritmos, que recomendam ao assinante títulos que possam interessa-lo e também entregam para a plataforma relevantes dados sobre o consumo. Mas Zenatti garante que essa dinâmica dos algoritmos não está impactando a maneira de produzir. "Claro que temos recomendações que estão sempre funcionando e inovando para fazer cada vez melhor. Da nossa parte, usamos os dados para entender o comportamento dos consumidores e aquilo que eles gostam. Mas, ao olhar para a produção de conteúdo, ainda precisamos confiar no nosso feeling. Não há dados precisos o suficiente que façam isso".
A WBD trabalha bastante com os dados. "Eles não definem o que produziremos, mas o tempo todo conseguimos aprender com os insights que eles trazem. É uma aprendizagem contínua. Estamos sempre observando e recebendo esses reports de todos os lançamentos que temos. Viramos quase uma máquina de aprendizado diário com todas as informações que recebemos", disse Pimentel. A executiva reforçou que a Max não necessariamente utiliza os dados para definir o conteúdo em si – afinal, eles não são capazes de definir uma narrativa toda, e ainda estão longe disso. "O elemento humano, a intuição, a experiência pessoal de cada um e seu background nos trazem poderosos insights. Mas o que os dados apontam são caminhos inclusive a respeito de gêneros. Notamos que drama contemporâneo funciona mais do que comédia, por exemplo. É mais sobre tendências de maior consumo dentro da plataforma", detalhou.
Belmar concorda com as executivas no sentido de que a criatividade não é alimentada por dados – mas é claro que eles têm um papel crítico: "Não é que eles, assim como a IA, vão criar narrativas e histórias, mas sim nos ajudar a garantir que temos uma conexão forte com o público, estamos entendendo o comportamento dos consumidores e, assim, preparados para oferecer o que eles querem assistir. Gerenciamos mais de 100 milhões de usuários Globo – isso se traduz em centenas de milhões de dados e cria uma oportunidade enorme para realmente entendermos os hábitos e as preferências dos consumidores. A Globo é uma das maiores empresas de dados no Brasil. Seria tolo não tirar vantagem desse aspecto do negócio".
Por fim, a executiva da Netflix complementou: "Se olharmos para o ponto do negócio do streaming e os títulos que realmente movem a audiência em todas as plataformas, todos vêm de vozes muito únicas – e são exatamente o oposto das fórmulas. Queremos surpreender a nossa audiência. Foi assim com produções como 'Round 6' e 'Adolescência'. Nós não precisaríamos ter esse trabalho se tivéssemos seguido fórmulas genéricas".