Nos últimos anos, canais, programadoras e operadoras desenvolveram novas estratégias de distribuição, com diversificação de plataformas, parcerias, segmentação de mercado e nichos de público. Diante de possibilidades variadas, diferentes estratégias foram surgindo. Nesta quinta-feira, dia 4 de agosto, o assunto foi tema de painel no segundo dia do Pay-TV Fórum 2022, evento promovido pelas publicações Tela Viva e Teletime.
Hoje, as empresas conduzem de distintas maneiras as operações de TV por assinatura e streaming. A CNN Brasil, por exemplo, estreou há dois anos, sendo lançada em um segmento que não presenciava o surgimento de novos canais já há bastante tempo – o de notícias. "O mercado estava estabilizado, não tinha nada novo. Nossa chegada causou um burburinho, o que é importante para o mercado, novos players ajudam a repensar e renovar. A notícia é um grande diferencial para qualquer gerador de conteúdo. Tem séries, filmes e novelas em diferentes plataformas; já notícias, nem tanto. É um negócio ágil, local e necessário para a democracia e a formação de opinião. A forma de distribuir e de entregar esse conteúdo é importante, mas vejo as diferentes maneiras como coisas complementares, e não excludentes. O que vai definir é a maneira que o consumidor quer acessar o conteúdo, e isso é determinado pela situação em que ele se encontra. A CNN é multiplataforma, mas a Pay TV é nosso principal meio, é onde está nosso público-alvo. Não vemos muito sentido em uma plataforma de streaming própria. Somos geradores de conteúdo e usamos a expertise dos nossos parceiros para distribui-lo", afirmou Renata Afonso, CEO da CNN Brasil.
E falando na relevância da TV por assinatura, a Newco segue apostando nela. Mesmo com os recém-anunciados investimentos em streaming – em meados de setembro, será lançado o inédito serviço Newco Plus, que abrigará o sinal linear e conteúdos sob demanda dos canais pagos da Band -, o grupo, que estreou novos canais recentemente, como o AgroMais e o Empreender, seguirá investindo na criação de novas marcas. "Quando pensamos em um novo canal, pensamos em um business plan muito bem preparado. Discutimos com as operadoras, entendemos como mantê-lo de pé. Além de garantir consumo, temos que pensar em distribuição. E na publicidade, claro, afinal vivemos dela. Ou seja, precisamos pensar e rever o mercado com o consumidor, com o pagador, com o conteúdo e com o operador. Todo esse ecossistema tem de ser analisado antes do lançamento de um novo canal", pontuou Mônica Monteiro, diretora executiva de canais pagos da Band/Newco. "Na distribuição digital, seguimos a estratégia de que quem decide é o consumidor – se ele quer comprar no supermercado grande ou na lojinha pequena, temos de estar em todos os lugares. Assim, fortalecemos o operador, o OTT, a cadeia toda. Ele pode dar o melhor serviço ao consumidor e nós focamos no conteúdo, que é o que sabemos fazer. Mas, é claro, nos preocupamos com distribuição no país todo. Nosso plano é estar everywhere", completou.
Alessandra Pontes, VP de distribuição da Warner Bros Discovery, agora representa um portfólio de mais de 30 canais – e não tem planos de lançar novos. "Temos uma oferta robusta em todos os gêneros, como filme, esporte, série, infantil e não-ficção, que é o gênero que mais cresceu na Pay TV nos últimos anos e que vem trazendo novos públicos pra ela. Conteúdos para diferentes audiências e com qualidade é o que faz a força da TV por assinatura. A questão não é o número de canais, e sim uma oferta que faça sentido para o consumidor", definiu. Sobre a estratégia em relação à TV paga e as plataformas de streaming, a executiva é clara: "O importante é ter uma entrega de conteúdo clara e robusta. Streaming é oferta que se complementa. Temos assinante de Pay TV que consome quase três horas de televisão e depois outras duas no streaming. Ou seja, ele não escolhe um em vez do outro". Mas vale ressaltar que o assinante dos canais pagos HBO tem direito gratuito à HBO Max, por isso tem ainda mais essa flexibilidade de consumo. "Agora ainda temos a oportunidade de oferecer parcerias com operadoras para que o conteúdo chegue por meio de bundles, atingindo um público que não necessariamente queira estar na TV por assinatura", acrescentou Alessandra.
Para Fernando Ramos, diretor executivo de parcerias estratégicas e distribuição da Globo, o ponto central dessa discussão é não estabelecer fronteiras – o que é Pay TV, o que deixa de ser, onde cada um vai atuar: "O consumidor hoje, mais do que nunca, tem um papel determinante na definição da estratégia de todos nós. O consumo varia dependendo do momento do dia, do lugar onde ele está. O mesmo consumidor está em todas as telas, no computador, na TV, no celular, em casa ou no carro. Pensando nessa evolução tecnológica, que permite essas variações, o desafio é não confundir o meio com o conteúdo. Temos que ter abrangência de distribuição em diversos meios – como os parceiros de Pay TV, D2C e novos parceiros de distribuição, como fabricantes de TV e outros que estão surgindo. A convergência dessas tecnologias tem acontecido dentro do ambiente de Pay TV – é ali que o assinante consome um canal via set up Box, app na TV conectada ou media box. Os conteúdos podem variar, mas o desafio é atingir o que chamamos de agnosticismo do consumo, isto é, fazer com que a tecnologia envolvida seja imperceptível para quem consome. Devemos quebrar fronteiras, e não estabelecê-las, e fazer da nossa atividade de distribuição algo fluido, não ficando preso à semântica e aos conceitos".
Canibalização x Complementariedade
Não é de hoje que as operadoras ampliaram sua atuação. Fernando Magalhães, diretor de programação e conteúdo da Claro, relembrou que durante dez anos, quando o mercado da TV paga crescia de forma expressiva, vários canais foram lançados pelas programadoras – não porque a quantidade de conteúdo era maior, mas principalmente porque seriam novas janelas de monetização abertas por meio de publicidade. Os canais infantis da Disney, por exemplo, eram cinco. Mas, em determinado momento, esse crescimento estagnou. "Houve um problema de valor na oferta da Pay TV. As operadoras não tinham mais espaço para um aumento de custos de programação. De lá pra cá, entraram canais com modelos mais baseados em patrocínio, sem custos de programação. Antigamente, lançava-se um novo canal para dar mais oferta ao assinante. Hoje, distribuímos os conteúdos de maneira mais assertiva, sem necessariamente colocar canais a mais", comparou. "Acredito que nós próximos anos teremos poucos canais entrando, canais de TV por assinatura se juntando, num cenário de menos canais, mas com qualidade maior, e mais oferta de conteúdo sob demanda", previu.
No entanto, Magalhães fez uma ressalva a respeito de uma preocupação atual: se antes as operadoras eram as únicas plataformas de distribuição de conteúdo dos parceiros programadores, hoje eles têm ofertas OTT direct-to-consumer. Nesse sentido, ele diz: "A armadilha a se evitar é o esvaziamento do canal linear para privilegiar essa outra oferta. Nesse cenário super competitivo de plataformas, é tentador tirar determinado conteúdo da TV para deixar-lo exclusivo na plataforma. É uma agressividade de oferta". Ou seja, a linha entre a canibalização e a valorização da complementaridade é tênue. No caso dos direitos esportivos, por exemplo, eles ficaram mais fragmentados, e aí as plataformas DTC passaram a comprar os direitos e colocar parte no linear, parte nas plataformas, de forma a obter venda adicional. "Mas se você tem receita no mercado tradicional e também a opção de venda para quem não está, tem que buscar um equilíbrio maior para não perder competitividade e ofertar o adicional para quem não tem TV por assinatura", explicou.
Nesse caminho de ampliação do papel das operadoras, a Claro lançou o Clarotv+: uma oferta tradicional que, por não evolver custo regulatório e ter custo tributário menor, pode ser oferecida ao consumidor por um preço mais baixo. "TV por assinatura tradicional é uma oferta completa, mas tem um problema estrutural de custo – regulatório, taxação de impostos, contratos de programação: tudo isso faz com que o preço seja mais alto. O movimento de streaming que estamos implementando é pegar essa quantidade de conteúdo, que é completa, e oferecê-la por um preço menor do que o atual", reforçou Magalhães.
Perda de base e o desafio da criação dos bundles
Uma vez que o público está presente nessas novas formas de distribuição e consumindo os conteúdos no ambiente virtual, isso substituiria parte do churn da TV paga? Para Ramos, da Globo, é um processo: "Essa base que sai da Pay TV não é recuperável na proporção de um para um. O mais importante, e o que vai fazer diferença, é conseguir que o assinante de TV paga veja esse ambiente como o melhor para ficar, consumir conteúdo e, eventualmente, assinar. É ruim perder a base da TV paga – ela é muito qualificada, tem um arco bom, é um desafio reter esse assinante. Mas a retenção tem que ser vista de forma mais aberta. A discussão que temos que ter para o futuro é sobre como serão os nossos bundles de TV paga com outros serviços. É um valor muito importante que podemos levar para os assinantes. Nesse sentido, há o desafio do preço, isto é, como inserir o assinante de TV paga num ambiente digital levando mais valor para ele na assinatura. A reposição passa por aí, e não pela troca. E pela manutenção e adição de novos assinantes também, claro. A convergência que permite ao assinante consumir em múltiplas plataformas é a saída para equalizar nosso negócio novamente, e não o pensamento de substituir a assinatura da TV paga pelo produto digital".
Magalhães também considera necessário rever os empacotamentos de modo geral, como setor – especialmente diante de uma situação de churn mais acentuado nos pacotes mais básicos de TV. "Nosso desafio de curto prazo, como indústria, é aumentar a percepção de valor da TV por assinatura. O preço do produto é um ponto complexo", reiterou.
Publicidade ainda é fonte de viabilização de conteúdos
Para Mônica, o mercado publicitário, diante dos desafios impostos pela pandemia, se repensou e conseguiu trazer coisas positivas. "Todos nós, como canais, sentamos com eles, desenhamos muito juntos, foi um trabalho de parceria legal. Antes, a coisa vinha pronta. Mas isso mudou, até porque o próprio consumidor quer ver outra coisa. O TikTok, por exemplo, está impactando bastante nessa mudança de comunicação. A Pay TV, em comparação com a TV aberta, tem maior possibilidade de brincar e experimentar junto do mercado publicitário", observou.
Renata complementa: "A publicidade é a melhor forma de pagar o preço pelo volume de conteúdo que temos hoje. Cabe a nós desenvolver modelos criativos para atender o mercado publicitário. No caso da CNN, nossa principal oferta é a credibilidade. Cada canal tem que achar seu diferencial para disputar uma fatia dessa receita publicitária. Não tem um modelo definido – e nem vai ter. A nova realidade é saber se adaptar. As demandas do anunciante e do consumidor mudam, novas plataformas de distribuição surgem, é um desafio que não tem fim". E sobre a programática, ela analisa: "É um caminho natural, mas demanda alguns cuidados, especialmente no que diz respeito ao alinhamento com o canal. Temos um caminho pela frente, no sentido de aprimorar o algoritmo para ter segurança em relação aos anúncios que vamos colocar junto de determinado produto".
Desafios de curto prazo
Nesse contexto tão complexo e em constante transformação, os desafios que a indústria precisa vencer são inúmeros. Alessandra e Ramos, por exemplo, chamam a atenção para a questão da pirataria. "O produto da TV paga é pirateado porque é desejado. Isso reforça o seu valor, mas o crescimento passa por aí. A pirataria segue aumentando. Existem diversas iniciativas e o mercado está unido para combatê-la, mas não tem como crescer sem resolver esse problema", avaliou Alessandra. Ramos, por sua vez, acrescentou: "A indústria está lutando, com vitórias importantes, mas o apoio das agências reguladoras pelo bloqueio administrativo, além de mais agilidade, é o que fará a gente sair dessa sensação de enxugar gelo e começar a, de fato, trazer esses assinantes que hoje geram uma evasão enorme de recursos'.
Já Mônica citou como desafio é distribuição de conteúdo para além do eixo. "O Brasil é enorme. Reforçamos essa constatação especialmente por conta do nosso trabalho com o agro. Agora, o trabalho é mapear", mencionou.
Magalhães, como dito anteriormente, elege a necessidade de rever o empacotamento como maior desafio.
E Renata, por fim, falou sobre a questão regulatória: "É um desafio importante para a indústria, que deve permitir disputar o mercado em bases iguais, no sentido da Pay TV x streaming. Isso vai impactar no preço, o que acaba impactando na pirataria e, depois, em todas as partes".
Na foto, Fernando Ramos, da Globo; Monica Monteiro, da Newco; Alessandra Pontes, da Warner Bros. Discovery; Fernando Magalhães da Claro; Renata Afonso, da CNN Brasil; e Samuel Possebon, da TELA VIVA. Crédito: Marcelo Kahn/TELA VIVA