Diretora Carol Durão se especializa em comédias com protagonistas femininas que rompem padrões

Carol Durão (ao centro) nos bastidores do filme "Doce Família" (Foto: Desiree do Valle)

A carioca Carol Durão é uma diretora reconhecida por seus trabalhos com comédia, em programas como "A Vila" e "Ferdinando Show", ambos do Multishow; além de vídeos para o Porta dos Fundos e, em destaque, a série "Rensga Hits!", do Globoplay, e o filme "Doce Família", da Netflix. 

Lançado na plataforma de streaming no último mês de setembro, "Doce Família" conta a história de uma confeiteira, Tamara (Mariana Xavier), que tem o sonho de casar usando o vestido de noiva da mãe. Para isso, ela precisa realizar uma revolução estética e começar uma dieta. Tamara decide lidar com as divergências que tem com a mãe, dona de uma empresa de emagrecimento, e com as irmãs Babi (Viih Tube) e Alê (Karina Ramil) para alcançar o seu objetivo. Ela então passa por diversas situações e transformações até descobrir que o mais importante é amar a si mesma. Rodado em 2022, o longa adaptado do mexicano "Dulce Família" (2019) foi originalmente pensado para os cinemas, mas acabou estreando direto na Netflix. Pouco tempo após a estreia, a comédia nacional já apareceu na lista dos filmes de língua não-inglesa mais assistidos da plataforma, chegando até o segundo lugar. O projeto tem produção da Galeria Distribuidora, Telefilms e GLAZ, com roteiro de Carol Garcia e consultoria de Camila Agustini. É a estreia na direção de longas-metragens de Carol Durão. 

Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, a diretora contou que a missão de Carol Garcia à frente da sala de roteiro era não apenas adaptar a história para o Brasil, mas também torná-la mais atual. "O original é complicado nas piadas. Está naquele limite da comédia que quer rir de alguém e não com alguém. Foi uma missão complexa. Começamos a trabalhar no projeto em 2021, veio a pandemia, as gravações foram postergadas e, quando relemos, entendemos que estávamos falando de temas delicados – como gordofobia, pressão estética, autoestima, autoaceitação, as cobranças que as mulheres passam, essas 'seitas' de emagrecimento – e por isso, para além da Carol, que é super atenta a essas questões, sugeri para a Galeria e para a Glaz que tivéssemos também uma consultoria. Foi aí que a Camila Agustini entrou no projeto", lembrou. "A ideia era trazer um novo olhar, de alguém que estivesse de fora do processo e pudesse ter essa análise mais cuidadosa – e até menos apegada do que a nossa, que já estávamos trabalhando nele há mais tempo. É importante ressaltar que não são todos os produtores e investidores que entendem que isso precisa ser feito. Mas acho que a cultura do streaming ajudou nesse sentido – hoje, é mais comum termos essas consultorias", completou. 

No fim, o resultado agradou – à equipe e também ao público. "Conseguimos fazer um filme que tem um tema difícil, mas que se comunica com as pessoas de maneira a acolher, trazer para o debate. A comédia, a meu ver, tem essa função. As pessoas assistem algo para relaxar – o que é ótimo – mas por que não associar esse entretenimento a uma mensagem? Fazer as pessoas pensarem, conversarem em família. Hoje isso é tão raro. Estamos com dificuldade de dialogar. O sucesso do 'Doce Família', na minha opinião, tem a ver com isso – é um filme que coloca várias pautas na mesa de maneira leve e engraçada, mas que também emociona e gera conversa", apontou. 

A protagonista, a atriz Mariana Xavier, já é pessoalmente ligada às pautas abordadas no longa e defende a ideia de que cada um pode ser da maneira que quiser, sem ter seu corpo criticado e comentado pelos outros. "A força do audiovisual de inserir novas ideias é muito grande. E a força da Mariana como protagonista ajuda nesse sentido. Faz as pessoas reverem seus pensamentos sem ter que fazer um discurso de politicamente correto. Coisas que demorariam anos para convencer na conversa acontecem naturalmente no audiovisual".

Desafio das janelas

"Doce Família" foi originalmente pensado como um filme para o cinema. Mas, no contexto da pandemia, acabou sofrendo alterações – assim como aconteceu com diversos projetos. Para Durão, o momento atual traz o desafio para o mercado repensar quais filmes funcionam como estreias de cinema. "Para além da pandemia, tivemos, especialmente na comédia, a perda do Paulo Gustavo, que era um fenômeno de público de um jeito que ninguém mais era. O Paulo ajudava o público a criar esse costume de ir ao cinema e outros filmes acabavam se beneficiando desse hábito do espectador de ver comédia brasileira. Hoje, ainda temos a dificuldade dos distribuidores obviamente preferirem o blockbuster. Nesse sentido, o streaming ajuda, porque consegue focar mais diretamente ao público que o filme se direciona. Eles têm os algoritmos que distribuem o conteúdo para pessoas que, de fato, vão se interessar, e a partir daí vai gerando um buzz. É uma tecnologia a favor do filme – e que o cinema não tem", analisou. 

A diretora considera necessário rever quais são as estratégias que vão levar o público para o cinema – além de quais filmes devem ir ou não para o cinema. "É difícil entender o que faz um sucesso. Tivemos recentemente os exemplos de 'Minha Irmã e Eu' e 'Os Farofeiros 2'. Os dois são comédias que se propõem a fazer rir bastante, mas são filmes diferentes entre si, e ambos fizeram grande público. Ao mesmo tempo, 'Evidências do Amor', com o Porchat e a Sandy, não chegou ao milhão que se esperava. Então os motivos que levam um filme a fazer sucesso são diversos", observou. E concluiu: "E fico muito feliz com o sucesso do filme. Foi gratificante – principalmente pela importância da mensagem que queríamos passar. Estamos vendo a repercussão nas redes sociais, as pessoas interessadas em debater". 

As diretoras Isabella Gabaglia, Natalia Warth e Carol Durão, que trabalharam juntas na segunda temporada de "Rensga Hits!" (Foto: Peter Wrede)

Equilíbrio do melodrama com a comédia

E, falando em produções para streaming, estreou na última semana a segunda temporada de "Rensga Hits!", série Original Globoplay protagonizada por Alice Wegmann e Lorena Comparato e com Fabiana Karla e Deborah Secco no elenco. Também uma produção da Glaz, a série é inspirada no universo da música sertaneja no Brasil e especialmente na presença das mulheres nesse meio. A primeira temporada foi lançada em 2022 no streaming da Globo e, posteriormente, também ganhou uma exibição na TV aberta. Foi criada por Carolina Alckmin e Denis Nielsen, com roteiros de Renata Corrêa, Bia Crespo, Victor Rodrigues, Lucas Calmon, Otavio Chamorro, Marina Silva, Nathalia Cruz e Guilherme Freitas. A direção geral e artística é de Carol Durão – que, na segunda temporada, dirige ao lado de outras duas mulheres, Natalia Warth (diretora-geral) e Isabella Gabaglia. 

"Lançar uma segunda temporada é um enorme desafio pelo tempo de espera – o público ficou ansioso e com muitas expectativas", comentou Durão, elogiando ainda o texto de Renata Corrêa: "É brilhante. Muita coisa acontece em um único episódio. Você termina de assistir pensando o que mais pode acontecer. Mas, nessa nova temporada, realmente muita coisa vai acontecer". Para ela, uma das grandes vantagens dessa segunda leva é que o público já conhece a maioria dos personagens, o que permite que sejam mostradas características e histórias mais profundas deles, sem tanto tempo de tela para apresentá-los. "Tem muitos segredos sobre os personagens que não revelamos ainda. Os novos episódios vão trazer muitas questões nas relações amorosas, de amizade e de trabalho. É um outro momento para a maioria deles. Para a Raíssa, que é a personagem principal, o grande dilema agora é como manter sua autenticidade e fazer sucesso nesse meio de criação de música, que é muito industrial e formatado", adiantou. 

Durão brinca que "Rensga Hits!" é uma melodramédia. "Pega o que fazemos de melhor, que é a essência do melodrama, e mistura com comédia. É muito divertido de fazer. Temos personagens que são obviamente cômicos e outros que trazem a comédia para situações que estão vivendo. O que é um pouco a lógica da vida. As coisas dão errado mesmo – e saber rir dessas situações é a chave que torna os personagens leves. Isso, somado à música, que é muito presente na série, vira uma combinação muito atraente", destaca. "O que funciona é essa alternância entre drama e comédia. Traz uma leveza e uma cadência para o episódio que agrada o público. Na montagem, eventualmente até invertemos alguma cena, pensando justamente nessa cadência", acrescentou. 

Natalia Warth, Isabella Gabaglia e Carol Durão durante as gravações da nova temporada de "Rensga Hits!" (créditos: Vitor Peruzze)

Mulheres na frente e atrás das câmeras

Esses projetos da diretora têm em comum protagonistas mulheres fortes, que rompem padrões impostos. "Elas não cabem nesse espaço que falaram que era o lugar no mundo delas e decidem construir outro. Esse olhar, essa força, que ao mesmo tempo tem muita autenticidade e, exatamente por isso, também muita vulnerabilidade, é a grande marca dessas personagens. Eu me interesso demais por contar esse tipo de história, isto é, personagens com uma dimensão e uma força de protagonismo que retrata muito melhor as mulheres do que em geral vemos por aí. É um compromisso que eu entendo que o audiovisual tem. A relevância do trabalho está em mudar parâmetros e imaginários e reconstruir a forma com que as pessoas veem determinadas coisas. E fazer isso por meio de protagonistas fortes e femininas é ainda melhor". 

Para além dessas histórias contadas na frente das câmeras, Durão reflete sobre as mulheres por trás dos projetos. "Acho que o cenário melhorou, sem dúvida. Já foi muito mais difícil. E só melhorou porque temos mulheres fortes chegando a espaços de criadoras – como a Mayra Lucas e a Carolina Alckmin, por exemplo, que construíram esse projeto e foram criando em torno de si equipes de mulheres. Na segunda temporada de 'Rensga', por exemplo, tivemos um trio de mulheres na direção e uma sala de roteiro chefiada por uma mulher". Mas ela reforça: "Os números de mulheres em chefia de roteiro e direção ainda são baixos. Temos um longo caminho para percorrer. Algumas áreas são melhores do que outras. A comédia, por exemplo, é um espaço que estamos ganhando. Temos diversas mulheres produzindo, trazendo público. Já outros gêneros, como ação, ainda são uma seara difícil. Acham que mulher não sabe fazer ação. Então precisamos ir ocupando esses espaços. É também trabalho das pessoas que têm o olhar inicial para os projetos montar equipes mais diversas. Temos que contar com essas iniciativas, que aos poucos estão melhorando, mas ainda longe de serem suficientes". 

 

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