A monetização das transmissões de esportes ao vivo, o cenário fragmentado e os direitos de exibição foram os temas do painel que encerrou a edição de 2024 do Nextv Series Brasil na última terça-feira, 3 de dezembro, em São Paulo. Executivos de grandes canais e plataformas estiveram reunidos para debater o mercado neste que talvez tenha sido um dos anos de maiores transformações nas exibições de campeonatos esportivos no Brasil – e, ao que tudo indica, o assunto continuará rendendo ao longo de 2025, com a chegada de novos agentes nas transmissões de importantes competições do país, como o Campeonato Brasileiro, além de uma maior fragmentação de direitos, com novos atores querendo uma fatia desse bolo. Durante o próprio Nextv, o UOL já afirmou seu interesse de entrar na briga.
Para Eduardo Gabbay, diretor da unidade de esportes da Globo (sportv, Premiere e Combate), a fragmentação se agravou, sim, mas não é novidade absoluta. “A história dos direitos esportivos passa por esse compartilhamento. E, para a Globo, traz uma necessidade ainda maior de comunicar. Dentro de casa, temos a vantagem de ser um ecossistema que tem essa potência de comunicação, e que vai além do ao vivo. Nossos canais trazem a história do jogo, o pré e pós partida, os programas de debate. Nos valemos muito dessas alavancas. E somos referência com as nossas marcas – a quarta e o domingo de futebol na TV Globo, o ‘Super Sábado’ no sportv. Isso está no hábito das pessoas. Estamos trabalhando forte nesse sentido, e com uma atenção ainda maior nos impactos dessa fragmentação pensando especialmente no consumidor – no bolso dele e também na pirataria. Em como ela se agrava por conta dessa fragmentação. É uma pauta coletiva nossa. No Premiere, por exemplo, mais de 60% do consumo vem de origem pirata”, revelou.
Maurício Portela, Managing Partner na LiveMode, considera divertido ver essas movimentações do mercado. E, segundo ele, todas essas mudanças surgem essencialmente das mudanças de hábito das pessoas. “O que estamos vivendo não foi uma escolha nossa. O consumidor começou a usar o celular para tudo, aí o mercado aproveita dessa mudança de hábito para criar novas formas de consumir conteúdo. É claro que esse novo cenário vem com coisas terríveis, como a pirataria, mas tem muita coisa boa para construirmos em cima. Tratamos a pirataria com seriedade. Na CazéTV isso não é um problema tão grande por conta da nossa transmissão ser gratuita, baseada em publicidade. Mas temos consciência do tamanho da questão”, garantiu. Portela entende que a “graça” da fragmentação é permitir que as pessoas experimentem tanta coisa diferente em termos de esporte – tanto o público quanto as empresas. “Está sendo muito rico acompanhar tudo isso”.
Foi justamente essa fragmentação que permitiu que empresas como YouTube entrassem nesse jogo, de acordo com Victor Machado, Head de Esportes do YouTube no Brasil. As transmissões esportivas para eles começaram com a Copa do Nordeste, em 2020, e evoluiu para outros campeonatos, como o Paulistão. “Quando olhamos para os últimos três anos e, agora, para a renovação dos próximos três, enxergamos como principal mudança o fato de que abrimos mão de exclusividade. Buscamos um modelo de negócio que fizesse mais sentido para a plataforma”, observou. “O YouTube deu abertura para que surgissem importantes personagens dessa história, como a CazéTV e o Canal Goat, além das próprias entidades esportivas, que encontram um lugar ali. São diferentes entes do ecossistema explorando esportes na plataforma. Nós estamos entendendo como participamos e ajudamos a acelerar esse crescimento”, completou.
É importante ressaltar que as empresas não consideram esse cenário fragmentado como um ambiente altamente competitivo. O Grupo Globo e a CazéTV dividiram os direitos de transmissão das últimas Olimpíadas, por exemplo, e nenhum dos dois se sentiu prejudicado por conta dessa divisão. Para Pitter Rodriguez, Head de Esportes LATAM da Meta, a não-exclusividade é positiva para o negócio. “A receita pode crescer com a fragmentação. Afinal, é mais gente indo para o mercado. São mais janelas, com mais ofertas, trazendo mais elementos”, disse. Portela concorda: “A fragmentação permite trazer mais receita. Quem tende a ganhar é o detentor de direitos lá na ponta. Ela cresce o bolo para o esporte”. Aqui vale acrescentar que quem também ganha, para além do detentor de direitos, é o mercado publicitário. Quanto mais janelas de exibição, mais oportunidades de anúncios, que custam diferentes valores e atingem diferentes audiências.
No entanto, apesar da fragmentação trazer algumas vantagens para o setor, ela obviamente gera mais desafios. Comunicar com o público e fazê-lo entender onde vai passar cada jogo é um deles. E pelo lado da plataformas pagas, que dependem de assinatura, a monetização é uma questão importante. “Quando a gente fragmenta, cria-se mais dificuldade para a monetização. Hoje, a indústria toda está pensando num modelo de bundle, em agregação de conteúdos. Seja nível operadoras, como a Claro tem feito bem, ou num nível só de esporte. É um cenário desafiador e cheio de oportunidades”, afirmou Gabbay.
E novamente mencionando o Premiere, o executivo da Globo lembrou como o serviço sofreu na pandemia, já que perdeu seu grande core, que é o jogo ao vivo. “Fomos mais agressivos na retomada. Hoje, ele já está na sua maior base histórica. Somos uma marca de conteúdo com distribuição própria, mas também contamos com múltiplos parceiros”.
Conexão e engajamento com o público
A Meta é uma empresa que, apesar de não ter direitos de transmissão ao vivo de conteúdos de esporte, participa ativamente desse mercado. “As nossas plataformas, como o Instagram, estão no lugar de experiência do fã. É um espaço de engajamento dele por meio de vídeos, especialmente em formato curto. Funcionamos bem dentro dessa complementariedade. O consumidor pode até ter problemas para achar onde o jogo está, mas no final das contas ele sabe que, chegando no Instagram, será impactado por esse conteúdo, vai de alguma forma consumir aquele gol, acompanhar os comentários, ver as possibilidades para as rodadas seguintes. A fragmentação é uma consequência, mas precisamos olhar principalmente para o que podemos construir, do ponto de vista de engajamento do fã, em cima dessa fragmentação. Na Meta, somos a união desses momentos todos. Somos zero concorrentes do YouTube. Pelo contrário. Somos parceiros de todos os canais e plataformas. Todos eles estão nas nossas redes porque sabem que esse engajamento com o fã é importante para gerar volume de conversas”, avaliou Rodriguez. O executivo comentou que durante as Olimpíadas, por exemplo, a CazéTV e a Globo estiveram entre as maiores contas em termos de engajamento e produção de conteúdo nas plataformas da Meta – o que comprova justamente essa complementariedade que ele citou.
Gabbay disse que, na Globo, também entende-se cada vez mais a necessidade e a urgência dessa conexão com o público no digital. “E não só com posts simples, e sim com uma linguagem específica do mundo das redes sociais, gerando escuta e troca”, pontuou. Nesse sentido, ele revelou que, para o ano que vem, a empresa lançará um projeto específico para o mundo digital: um mesacast com influenciadores. “A Globo vem avançando nisso, é algo que estará na nossa estratégia cada vez mais. Não necessariamente como estratégia de monetização da transmissão em si, e sim de engajamento e conexão com o consumidor. Somos uma marca esportiva, e não só um canal”.
Rodriguez salientou que estar onde o público está passa por entender todas as plataformas. E, nesse contexto, ele vê o WhatsApp entrando como um novo elemento. “Hoje, o WhatsApp Business já é um negócio muito relevante para as marcas, que usam para interagir com o cliente, e passará a ser ainda mais relevante juntamente com o conteúdo. A partir do momento que você tem algo que engaja muito com o consumidor – como o esporte – e consegue usar uma plataforma como o WhatsApp para conectar uma ponta na outra abre-se uma nova frente de receita muito grande pela frente”.
Portela acrescenta: “Já usamos o WhatsApp para falar de futebol o tempo todo. Para os grupos de mídia, era difícil chegar no WhatsApp. Com os canais, lançados há um ano, começamos a mudar isso. Os fãs adotaram os canais, acharam legal. A partir daí, podemos criar novos modelos. Não adianta ficar sentado em casa. Tem que ver o que o fã está fazendo e construir a partir daí. Esse é o desafio. No fim, tudo tem a ver com mudança de hábito”, reforçou.
Tendências para 2025
Olhando para o próximo ano, Gabbay aponta que 2025 terá muito da evolução de um trabalho que já tem sido feito neste ano: “Nessa transição que estamos vivendo, temos a capacidade, como indústria, de pensar em outras formas de mostrar e oferecer esporte. Vamos buscar uma entrega mais acessível, democrática. Saindo um pouco cada um do seu quadradinho de TV aberta, TV fechada, plataforma. Vamos todos para todos os cantos. A mídia ganha como um todo. Teremos um calendário forte no ano que vem. Estou otimista – com indústria e dentro da Globo – para seguir forte”.
Para Rodriguez, o mais importante é entender esse novo momento e como isso vai se desenrolar dentro das plataformas. “Acho que veremos mais a partir do ano que vem uma exploração de plataformas como o WhatsApp para engajamento dos fãs não só via canais, mas também por formas mais interativas”, opinou. “Para a Meta, esse ano foi de muito investimento em IA. Isso vai evoluir muito a partir do ano que vem, e vamos também tentar encontrar formas de conectar isso ao mundo do esporte, pensando também em engajamento. É uma novidade interessante para pensarmos”, concluiu.