Gustavo Pizzi apresenta "Os Últimos Dias de Gilda" em Berlim e comemora: "É uma conquista do setor inteiro"

Nesta semana, o diretor Gustavo Pizzi (de "Benzinho") participou do Festival de Berlim – que neste ano acontece de forma virtual – com "Últimos Dias de Gilda", que estreou em novembro de 2020 no Canal Brasil. É a primeira vez que uma série de ficção brasileira é selecionada para a mostra principal do evento, a Berlinale Series. "Entrar em Berlim pela primeira vez com uma produção seriada brasileira é um feito muito grande. Ficamos felizes com isso, mas acho que não é uma conquista exclusiva nossa, e sim do setor inteiro", afirma Pizzi em entrevista exclusiva para TELA VIVA. 

"Estamos representando muita gente que veio antes de nós, mas também tentando abrir caminho para outras produções seriadas brasileiras. É um momento difícil pro setor. A gente vem sofrendo uma perseguição muito grande – o que não é novidade nenhuma, mas é sempre bom lembrar que isso começou lá em 2016, quando entendemos qual era o plano que vinha sendo arquitetado, e que se intensificou com o governo Bolsonaro. E agora, com a pandemia, estamos num momento muito difícil como indústria. Não sei quanta gente já está desempregada, quantas produtoras faliram. Estamos tentando sobreviver no meio disso tudo e seguir caminhando. Mas é um momento muito duro e isso é claro pra todos", completa. 

Criada e dirigida por Pizzi, "Os Últimos Dias de Gilda" propõe uma reflexão sobre liberdade, o papel da mulher, aceitação do corpo e a onda de conservadorismo dos dias atuais, abordando temas como o avanço das igrejas neopentecostais e das milícias em comunidades e a perigosa aliança entre a religião e o poder público. A produção é inspirada na obra teatral de Rodrigo de Roure, que a concebeu originalmente como um monólogo para o teatro. "As personagens de 'Gilda' são um reflexo muito forte da sociedade brasileira. Eu pessoalmente cresci vendo muita gente que foi retratada pela peça do De Roure. Ele mesmo escreveu esse texto pensando muito na mãe dele e nas relações com os vizinhos no subúrbio do Rio de Janeiro – mas não é específico de lá, são pessoas que vivem em lugares do Brasil todo. E são conflitos que acontecem, de uma maneira ou de outra, em vários lugares do mundo. Não acho que com a série a gente vá mudar a cabeça de ninguém, mas se pudermos provocar um diálogo sobre o que está acontecendo na sociedade neste momento, já é muito positivo", avalia o diretor. 

Karine Teles em cena de "Os Últimos Dias de Gilda"

Na trama da série, com excelentes dotes culinários, Gilda (Karine Teles) cria porcos e galinhas no quintal de sua casa para o abate e produz receitas capazes de encantar amigos e amantes. Sua independência incomoda a vizinhança, principalmente Cacilda (Julia Stockler), esposa de Ismael (Igor Campagnaro), que está se candidatando a um cargo público através de um partido ligado a um grupo religioso. Gilda mantém-se de forma independente, recusa-se a aceitar a opressão e o machismo e escolheu se relacionar de forma livre com diversas pessoas, sem amarras ou rótulos. "A Gilda luta pela liberdade dela. É uma mulher que não vai se dobrar a nenhum poder estabelecido ou aceitar regras que não foram discutidas previamente e que não façam sentido. Ela busca ser quem é e quem acredita que deva ser", define Pizzi. 

Sobre as expectativas de como o público de fora do Brasil vai receber a personagem e a história, o diretor comenta: "Tenho tido experiências muito surpreendentes ao levar meus projetos para fora. Busco fazer o filme, a série, o que quer que seja, de forma que faça sentido dentro daquele universo que está sendo criado. Mas eu acabo descobrindo muito sobre o que foi feito a partir da troca com o público, das críticas que leio. Todas as obras são muito abertas, sempre, permitem diferentes interpretações". 

"Séries limitadas estão ganhando cada vez mais espaço" 

"Os Últimos Dias de Gilda" é uma série relativamente curta – são quatro episódios, de cerca de 25 a 30 minutos de duração cada. E a ideia do diretor é mesmo parar por aí: "Chegamos a um lugar muito interessante. São quatro episódios que poderiam ser um longa, mas o jeito que a narrativa é construída é para ter pequenos breaks a cada episódio. Há um gancho de um episódio pro outro, que é importante, além dos 'pequenos finais'. Cada abertura de episódio novo faz muita diferença em como se absorve a série. É uma série limitada", pontua. 

"E séries limitadas estão ganhando cada vez mais espaço. Em termos de distribuição, por exemplo, existia o compromisso com as TVs a cabo, de a cada semana estrear um episódio novo. Agora isso mudou. Com os streamings, abrimos esse lugar novo. Nada contra as séries de cauda longa – acho incrível acompanhar um personagem por tanto tempo. Mas por que não ter também as séries curtas? É um envolvimento mais rápido, mas não menos profundo. Tem um espaço de exploração artística e também comercial. É um nicho para trabalharmos bastante", aponta. 

Próximos projetos 

Este ano, Pizzi está com dois longas inéditos, "Deus lhe Pague" e "Você Merece". "São projetos que dialogam com os meus três primeiros trabalhos – 'Riscado', 'Benzinho' e 'Os Últimos Dias de Gilda'. Vejo sempre como uma grande narrativa, um diálogo forte entre os meus trabalhos, por mais diferente que cada projeto seja. É um jeito de olhar para algumas coisas e descobrir outras em volta da gente", reflete. 

Segundo o diretor, os dois novos longas são trabalhos que tentam investigar e trazer alguma contribuição para o que a gente vem acompanhando no mundo por meio de histórias envolventes. "São histórias para o espectador se divertir, se emocionar e entender mais sobre determinados assuntos", conclui. 

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