A próxima geração da televisão aberta no Brasil, conhecida como TV 3.0, promete uma integração completa entre a transmissão via rádio e o ambiente da internet, possibilitando novos modelos de negócio, como o comércio eletrônico interativo, e a oferta de serviços de utilidade pública. Contudo, a efetivação dessa tecnologia enfrenta desafios como a necessidade de um decreto presidencial para regulamentar o padrão, o alto custo dos investimentos em um cenário de dólar elevado e a capacitação de equipes. Os detalhes foram apresentados pelo engenheiro Josemar Cruz, membro do ATSC, o consórcio de padronização da TV digital nos Estados Unidos, durante entrevista ao programa "Café com Pixel", da Tela Viva, conduzido por Samuel Possebon e Fábio Cesnik.
A principal diferença da TV 3.0 para o sistema digital atual, segundo Cruz, é a integração definitiva com a internet. Atualmente, as emissoras possuem plataformas de streaming, mas elas operam de forma paralela à transmissão aberta. Com o novo padrão, a experiência será unificada. "Vai ser possível assistir TV pelo ar e pela internet, e a internet sincronizada com o ar", afirmou Cruz, explicando que a tecnologia eliminará os atrasos comuns em transmissões de eventos ao vivo pela web. Além disso, será possível associar conteúdos de curta duração, disponíveis na internet, à programação linear, permitindo que o espectador aprofunde temas ou reveja trechos específicos.
Essa integração abre caminho para o que Cruz chama de "dinheiro novo" para a radiodifusão. Um dos exemplos é a viabilização do e-commerce diretamente pela TV, com o uso do controle remoto. "Você tem uma partida de futebol, por exemplo, uma marca quer vender as camisas do time durante a partida, quer atingir uma meta de vender 10 mil camisas ou 20 mil camisas", exemplificou, citando que a funcionalidade já é explorada em canais norte-americanos. Outra possibilidade é a segmentação da programação e da publicidade dentro de uma mesma cidade, caso a emissora utilize múltiplos transmissores.
Além das oportunidades comerciais, a TV 3.0 também ampliará a oferta de serviços de utilidade pública, no que é chamado de data casting. A tecnologia permitirá a disponibilização de alertas meteorológicos, de trânsito, de segurança e sanitários de forma regionalizada. Cruz mencionou que sua empresa trabalha com o Ministério da Gestão e da Inovação para introduzir os serviços do portal Gov.br na navegação da TV 3.0. Para ele, a participação do Estado é fundamental para o sucesso da transição, citando as dificuldades enfrentadas nos Estados Unidos, onde a falta de uma política pública tem complicado o avanço dos radiodifusores.
Apesar das inovações, a implementação da TV 3.0 no Brasil é um processo complexo. O primeiro passo é a publicação de um decreto presidencial que oficialize o novo padrão, documento que, segundo Cruz, está atrasado. Somente após essa regulamentação os fabricantes poderão iniciar a produção em larga escala de receptores. A expectativa é que os primeiros equipamentos de teste, cerca de 3 mil unidades, estejam disponíveis no início de 2026, com as primeiras transmissões comerciais começando no segundo semestre daquele ano. A TV Globo já se comprometeu a transmitir a Copa do Mundo de 2026 em 3.0 em partes do Rio de Janeiro e de São Paulo.
O investimento é outro grande desafio. "É um investimento alto", disse Cruz. Ele lembrou que na transição para a TV 2.0, o dólar estava mais baixo e o governo ofereceu incentivos e linhas de crédito, um cenário "mais maravilhoso" que o atual, com juros e dólar em patamares elevados. A tecnologia MIMO, que aumenta a eficiência do sinal em mais de 40% e será uma das inovações brasileiras, exigirá transmissores específicos, encarecendo o processo. A transição também demandará uma mudança no perfil das equipes de engenharia das emissoras, que passarão a operar em um ambiente dominado por software, semelhante a um data center. "Vai virar a equipe de TI agora", comentou Possebon, ao que Cruz concordou, prevendo um aumento na terceirização desses serviços.
ouPara os produtores de conteúdo, a preocupação não será com os aspectos técnicos da transmissão, que caberão às emissoras, mas sim com a concepção de produtos que explorem o potencial da nova plataforma. Isso inclui pensar em conteúdos adicionais, como trailers, resumos de eventos esportivos ou informações de merchandising que possam ser acessados interativamente. O risco, segundo Cruz, é o desafio de planejar a infraestrutura e a necessidade de os acionistas das emissoras entenderem o investimento como uma aposta de longo prazo, sem retorno imediato. "O acionista enxergar esse investimento necessário no longo prazo com retorno, e essas oportunidades", concluiu.