A Globo apresentou nesta terça, dia 6, a primeira demonstração completa de uma transmissão no padrão de TV digital 3.0 que o Forum do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) recomenda para o país. A transmissão inclui o uso de todas as camadas definidas, incluindo a camada física do ATSC 3.0, além dos recursos de interatividade, integração com streaming, programação segmentada (inclusive de publicidade), áudio imersivo e imagem HDR em definição 4k e 8k. São todos recursos que, segundo a Globo, estarão disponíveis quando a TV digital evoluir o padrão, o que está previsto para acontecer a partir de 2026, ainda a depender de várias questões regulatórias e comerciais por parte das emissoras. As transmissões, realizadas em ambiente controlado, utilizaram os sinais gerados dos Jogos Olímpicos.
Segundo Raymundo Barros, diretor executivo de tecnologia da Globo e presidente do Fórum SBTVD, a mudança de padrão significa, para a TV digital aberta, uma oportunidade de agregar os modelos de negócio do mundo digital para a radiodifusão, sem perder o que a TV aberta tem de mais forte que é a distribuição de massa. "Não existe tecnologia mais eficiente para distribuição de conteúdos de massa do que a TV aberta. Nas Olimpíadas chegamos a 122 milhões de pessoas ao mesmo tempo. As transmissões por streaming, nos melhores eventos, não passam de 5 milhões de aparelhos, com alcance de, no máximo, 20 milhões de pessoas", diz ele. Para o executivo, "se a tecnologia (de TV digital) fosse apresentada hoje ao mundo, seria considerada revolucionária porque resolve um problema concreto, que é distribuir conteúdo a um maior número de pessoas. Mas a TV aberta tem um legado e por isso as pessoas não enxergam as vantagens".
Para citar um exemplo de potencial, a Globo lembra que hoje já existem recursos de interatividade que estão sendo transmitidos no DTV Play, que é uma implementação do Ginga D, parte do padrão de TV digital atual. As TVs com essa capacidade só começaram a ser vendidas em 2022 e, segundo a emissora, houve, durante os Jogos Olímpicos, nada menos do que 1,5 milhão de aparelhos interagindo com os recursos sem que houvesse praticamente nenhuma divulgação.
Modelo fundamental
Mas ele admite que o desafio da TV aberta é trazer os negócios da Internet para o modelo tradicional de mídia, e por isso a TV 3.0 é fundamental dentro da estratégia das emissoras. Com a possibilidade de integrar o conteúdo de TV aberta com o streaming de maneira fluida, com conteúdos adicionais trazidos pela Internet, possibilidade de login dos usuários, publicidade segmentada e direcionada, a TV aberta aposta que conseguirá pegar uma fatia do que hoje fica com as empresas de Internet. "A TV aberta é e sempre será gratuita, mas isso não impede que ela não possa explorar a publicidade de maneira mais eficiente e segmentada, ou enriquecer a programação com conteúdos distribuídos pela banda larga" , diz.
Outro modelo na mira dos radiodifusores, e demonstrado pela Globo com a empresa de mídia out-of-home Elemídia (pertencente ao grupo) é o datacast. Trata-se de uma promessa de muito tempo da radiodifusão, que sonha em usar o "tubo" de dados digitais transmitidos pelas emissoras para entregar conteúdo banda larga. Uma transmissão de TV 3.0 tem hoje a capacidade de gerar um streaming de dados de cerca de 40 Mbps, dos quais o sinal principal de TV 4k (ultra alta-definição) consome cerca de 10 Mbps (a depender das condições). Com transmissões em 8k vai a 25 Mbps. Há uma sobra de capacidade que poderia ser utilizada para distribuir outros conteúdos que independam de bi-direcionalidade, como é o caso de informações para paineis publicitários.
Jabuticaba ou padrão?
A próxima geração do padrão de TV digital tem como base o ATSC 3.0 norte-americano, mas existem uma série de implementações que estão sendo propostas pelo Brasil e que dão ao padrão uma característica única de um padrão brasileiro. "Mas nos próximos dias vamos conversar com os representante do ATSC no sentido de conseguir fazer com que as nossas recomendações se tornem comuns, pelo menos para as Américas", disse Barros. Entre as novidades trazidas pelo Brasil estão o padrão de compressão adotado (o VVC), as transmissões com múltiplas antenas (MIMO) e alguns aspectos de software.
Para Raymundo Barros, o Brasil mostrou que pode contribuir com a evolução do padrão de TV digital, e lembra que isso foi feito na TV 2.0, quando, entre as inovações trazidas no padrão brasileiro, estavam a camada de interatividade e a codificação/compressão H.264, que permitiu uma maior qualidade de imagem.
"Hoje, estamos em uma situação muito melhor para trazer estas inovações porque os chipsets dos fabricantes de TV estão preparados para estas tecnologias, já aceitam o middleware brasileiro", diz ele.
Próximos passos
Para a definição do padrão de TV 3.0, espera-se para o final do ano a publicação de um decreto consagrando as recomendações do Forum de TV Digital e estabelecendo as políticas públicas do governo. "O governo pode acatar as nossas sugestões, rejeitar ou acatar fazendo recomendações. Nossa expectativa é que acate, mas é natural que haja recomendações para algumas questões serem aprofundadas".
Segundo ele, a mudança de padrão terá, naturalmente, um custo para as emissoras de TV, pois existem equipamentos novos que precisam ser adquiridos e novos processos, mas ele entende que existe ainda a possibilidade de que parte desses custos possam ser compartilhados entre diferentes emissoras.
Segundo apurou este noticiário, o governo está agora dialogando com a indústria de equipamentos para entender os impactos que o padrão de TV 3.0 terá na cadeia produtiva e nos custos de televisores, e também analisando os modelos de utilização de espectro, transição e possibilidades de financiamento e políticas de universalização da TV 3.0.