David Alpert, CEO da Skybound, produtor executivo e um dos criadores de séries como "The Walking Dead" e "Invincible", e Jon Goldman, managing director da Skybound e media advisor de empresas na área de games, participaram como os primeiros convidados internacionais do "Café com Pixel", programa do canal do YouTube da TELA VIVA produzido em parceria com o escritório CQS/FV Advogados. De passagem pelo Brasil para a gamescom latam, realizada em São Paulo no último mês de julho, a dupla relembrou o início da parceria e analisou as mudanças que as novas tecnologias e plataformas têm trazido para a indústria do entretenimento.
Segundo Alpert, a Skybound foi criada há 14 anos com o objetivo inicial de encontrar uma maneira de capacitar os criadores para se conectarem com o público em todas as mídias que eles quisessem, como quadrinhos, filmes, televisão, videogame, podcast, eventos ao vivo e merchandising. Goldman detalhou: "Temos uma visão semelhante sobre capacitar criadores e ver um mundo onde o talento criativo pode se beneficiar. É uma jornada que começou lá atrás e que estamos finalmente vendo se tornar realidade".
Pensando nessa missão de capacitar os criadores e valorizar seus papéis, é impossível não falar em inteligência artificial, que é a grande discussão da atualidade. Alpert assume que não há nada que possa ser feito no sentido de impedir a tecnologia. "A maré está chegando e não vai parar. Mas é importante entender para onde o mundo está indo e tentar encontrar maneiras éticas de trabalhar com a IA e pensar nela como uma ferramenta que pode ser útil, e não uma ameaça. Vejo muitas oportunidades de sermos a geração que abraça a IA como uma ferramenta de produtividade", disse. Goldman, por sua vez, acredita que as ferramentas vão ficando cada vez melhores, mas que a criatividade humana não será substituída. Ele destaca especialmente a movimentação na indústria dos games: "Estamos olhando para muitas empresas que estão usando a IA para criar mundos mais expansivos. Nos games, existe muita pressão em cima de equipes e empresas para criarem cada vez mais conteúdos para as pessoas explorarem. Então esse é um dos grandes benefícios que a IA vai trazer".
Alpert ainda menciona o quanto o termo "inteligência artificial" pode ser assustador: "A ideia da IA faz as pessoas se sentirem desconfortáveis. É um grande monstro. Ninguém tem problema com a tecnologia usada para amplificar a criatividade, mas o conceito de algo que vá substituir o humano é assustador, sim. No fim das contas, a maioria das pessoas não concorda sobre o que exatamente é a IA. As visões ainda são muito diferentes – e esse é um dos problemas".
Ainda falando sobre novas tecnologias, Goldman afirma se tratar de um período difícil no capital de risco, no qual muitas empresas estão preferindo se voltar para áreas mais tradicionais, como fintechs ou sistemas tipo SaaS, do que novas plataformas ou tecnologias de entretenimento, por exemplo. Ele analisa: "O investimento em games tem seus melhores momentos quando está no início de novas plataformas de tecnologia ou novos modelos de negócio. Passei muito tempo acompanhando a realidade virtual, porque é bom se envolver em coisas novas, mas às vezes plataformas novas não funcionam". Como exemplo, o executivo citou o Oculus, experiência de realidade virtual da Meta, e comentou: "Você não pode construir uma plataforma de entretenimento para consumidores que gira em torno de um produto de quatro mil dólares para um único propósito de uso. É uma tecnologia legal, mas ainda não é uma oportunidade de negócio".
O sistema do streaming "devora a si mesmo"
Executivos ativos no mercado há muitos anos, eles acompanharam de perto a chegada das plataformas de streaming e as mudanças que o boom dos serviços ocasionaram na indústria. Para Alpert, esse movimento trouxe coisas positivas e negativas também. "É ótimo porque dá ao consumidor escolhas inimagináveis. Você pode assistir a mais coisas, de maneira mais fácil do que nunca, e isso é fantástico. Mas do ponto de vista de um criador, no início parecia que seria tudo ótimo, que teria mais dinheiro, mais variedade, seria possível fazer diferentes tipos de coisas, chegar a diferentes tamanhos de público. Você não precisaria fazer um programa que agradasse o país ou o mundo todo. Mas, no final, o sistema devora a si mesmo. E agora que passamos pelo boom do streaming, onde cada empresa lançou sua plataforma, estamos vendo o colapso. E os criadores estão sendo tratados pior agora, nessa era de streaming, do que em períodos anteriores. É um desafio", observa. Além disso, ele relembra que, na época onde existia apenas a TV linear, a competição de um programa era só contra o outro, que era exibido no mesmo horário. "Agora, você compete contra cada programa que já foi criado. Está tudo disponível. E isso é muito difícil para o criador porque desvaloriza o indivíduo e o novo conteúdo".
Já Goldman critica o modelo de negócio das plataformas e declara: "Reduzir um produto criativo a uma assinatura de preço único é transformá-lo numa mercadoria como papel higiênico. E isso é ruim – especialmente para equipes criativas". Nesse sentido, ele menciona novamente a indústria de videogames, e destaca que o fato de as pessoas pagarem por jogos específicos, tendo ainda a possibilidade de continuar a pagar pelo que gostam ou não pagarem nada se não gostarem o suficiente, cria flexibilidade no modelo de negócio para sustentar tanto grandes quanto pequenas empresas. "O que é cada vez menos o caso do streaming e da televisão, que suportam um número cada vez menor de grandes empresas e espremem talentos criativos", pontua.
Voltando a pensar no lado positivo, Alpert considera que um dos melhores resultados do boom do streaming foi a possibilidade de séries de diferentes idiomas, produzidas em diferentes países, se tornarem sucessos globais de uma forma que, antes, era impossível. Mas traz outra crítica: desta vez, em relação aos dados. "Existe uma crença exagerada de que os dados vão reinventar a maneira como criamos e descobrimos conteúdos. E como um produtor que viu os dados surgindo, eu diria que não acredito nisso". Goldman concorda e questiona: "Se o algoritmo é tão bom, por que demoramos tanto tempo para encontrar algo para assistir?".
YouTube como vencedor da "guerra dos streamings"
Para além dos streamings, o mercado viu nos últimos anos um boom de conteúdos gerados pelos próprios usuários, e a popularização da profissão do criador de conteúdo. A dupla acredita que essa tendência seguirá crescendo, ao passo que o conteúdo "tradicional", isto é, aquele produzido pelas empresas de audiovisual, tende a diminuir a quantidade. "É o surgimento de uma nova classe de super profissionais, que se tornam estrelas e fazem milhões de dólares. Veremos isso acontecendo cada vez mais", aposta Alpert.
É importante ressaltar que, antes de explodirem em mídias como Instagram e TikTok, criadores de conteúdo ficaram famosos no YouTube, e isso muito antes da chegada da grande onda das plataformas de streaming. A partir daí, Alpert lembra daquela velha discussão sobre "quem vai ganhar a guerra dos streamings?" e afirma que, para ele, essa guerra já acabou, e quem ganhou foi o YouTube: "É a principal plataforma de streaming se olharmos para os minutos assistidos. As pessoas veem mais coisas ali do que na Netflix. E não importa se é conteúdo de criador, destaques da NBA ou um filme que está disponível lá. Agora que o YouTube foi atrás da NFL, por exemplo, sua proposta de valor da assinatura para não receber anúncios é uma das melhores do negócio. E ninguém pensa tão bem nisso".
Conteúdo tem limite
E saindo um pouco dos influenciadores e indo para os gigantes do cinema, Alpert reflete sobre as razões pelas quais gigantes como Marvel e Disney tiveram lançamentos não tão bem sucedidos nos últimos anos. Para ele, não se trata necessariamente de uma fadiga por parte do público, e sim de alguns erros de estratégia. Em primeiro lugar, ele reforça que a Marvel teve o que chama de "a melhor corrida da história do cinema", com sucessos globais inacreditáveis. Mas diz que não se pode ganhar sempre. "Cometer erros era inevitável", afirma. E em relação à Disney, ele acredita que o grupo produziu muito conteúdo – e conteúdo caro, especialmente. "Eles começaram a fazer coisas demais. E um terceiro ponto é que a coisa começa a ruir pelo peso de precisar assistir a 80 filmes para entender o enredo do próximo", concluiu.
Assista à entrevista na íntegra no canal do YouTube da TELA VIVA ou abaixo: