O tema sustentabilidade é bastante presente no FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul já há alguns anos. Nesta edição, foi assunto principal de um dos painéis do 8º Encontro de Coprodução do Mercosul – ECM+LAB 2024, que faz parte da programação do festival. “O desenvolvimento sustentável não é um assunto novo. Estamos trabalhando nessa temática faz tempo, e a cada ano desenvolvemos de uma nova forma. Queremos evoluir nessa conversa. É importante sempre recapitularmos algumas coisas para nos mantermos no mesmo entendimento e, ao mesmo tempo, continuar avançando”, pontuou Marilha Naccari, integrante do grupo de trabalho Ecovision e diretora-presidente da Panvision.
O painel intitulado “Preparar o mercado para o desenvolvimento sustentável” realizado nesta sexta-feira, 6 de setembro, contou com a participação de Bruno Lery, coordenador de gestão ambiental na Globo, que contou um pouco mais sobre como a empresa tem atuado nesse sentido. A área em questão foi criada em meados de 2015/2016, inicialmente com foco na operação e infraestrutura. Mas, nos últimos anos, foi ganhando um outro formato. “Temos trabalhado práticas sustentáveis dentro da nossa produção audiovisual como um todo – fazemos isso dentro de casa, com o mercado e também queremos levar para os nossos próprios conteúdos. Podemos usar o alcance da Globo para transmitir, por meio dos nossos programas, uma mensagem que contribua com o desenvolvimento sustentável”, afirmou.
Desde 2021 a Globo trabalha com uma “Agenda ESG” que reúne metas e ambições. Anualmente, a empresa tem divulgado os relatórios que acompanham essas ações – até agora, já foram três, relativos aos anos de 2021, 2022 e 2023. “Hoje, a área de gestão ambiental tem a função estratégica de monitorar as ações que existem dentro da Globo, em todos os nossos segmentos – como jornalismo, entretenimento, esportes, ações de marca e etc. Estamos buscando cada vez mais desenvolver essas práticas internamente para cumprirmos o plano de ações ano a ano. Funcionamos como um hub dentro da empresa para capturar essas iniciativas e fazer a informação circular. Temos um grupo de trabalho ESG com mais de 90 pessoas que atua nesse monitoramento e se reporta ao Manuel Belmar (diretor de Finanças, Jurídico e Infraestrutura e de Produtos Digitais e Canais Pagos da Globo)”, explicou Lery.
Luz Molina, chefe do projeto European Green Screen, que apoia uma produção audiovisual sustentável, é de Málaga, na Espanha, e participou do papo trazendo a experiência da União Europeia diante do assunto. Esse trabalho de forma integrada, que reuniu oito países, liderados pelo Reino Unido, começou em 2017 – de lá pra cá, foram muitas as evoluções. Mas Molina destaca um aspecto importante: falar em sustentabilidade nas produções não envolve pensar apenas no meio ambiente. Tem o lado social, que também é fundamental: “Quando vamos filmar em determinado lugar, temos que garantir que aquelas pessoas também se sintam parte do que está acontecendo. Sustentabilidade não é só reduzir a pegada de carbono. Os aspectos sociais também são muito importantes. Se as condições de trabalho não são boas para todos os envolvidos, então não é uma produção sustentável”.
Reconhecimento de boas práticas
Lery apontou que tudo isso passa por uma transformação cultural que todos precisam ajudar a promover. “O desafio é esse: estamos lidando com pessoas. Dentro da Globo, com nossos parceiros, com os fornecedores. Precisamos que esse nível de consciência esteja em todos para atingirmos nossos objetivos. Ainda estamos nesse processo. Não é uma virada de chave – e não é impondo que vamos conseguir”.
Essa questão da imposição de regras e obrigações é um ponto sensível no debate. Os participantes concordam que esse caminho de impor algo não funciona – e pode até gerar o efeito contrário do desejado. “Quando reconhecemos o que é feito, ganhamos aliados. Quando a gente cobra o que não é feito, as pessoas se afastam, começam a nos ver como fiscais, ‘ecochatos’. Por isso passamos a reconhecer e estimular as boas práticas. Isso gera uma onda boa”, disse o executivo da Globo. Naccari enfatiza: “Pequenas vitórias são importantes, e reconhecer práticas que já temos também. Às vezes, já praticamos ações que são sustentáveis e nem nos damos conta. Ter essa visão nos ajuda a acumular casos para inspirar, reconhecer e replicar”. A diretora também ressaltou que a abordagem é diferente entre empresas privadas ou Estado. “Quando pensamos no Estado, a relação é mais de estímulos e atrações. Não criamos obrigações para não afastar. Reconhecemos primeiro o que já é e o que pode ser feito”.
E falando dessa atuação na esfera pública, Molina contou que produções que querem filmar em Málaga recebem uma consultoria ambiental, onde organiza-se de forma prévia quais são as ações que podem ser adotadas. Ao final, existe uma medição de impacto, que avalia se tudo o que foi declarado na planificação foi cumprido e também são feitos apontamentos daquilo que pode melhorar. E, recentemente, se tornou obrigatório que todas as produções que solicitem financiamento público incorporem o selo de sustentabilidade em suas produções. “A Covid nos deixou uma lição nesse sentido, isto é, que podemos mudar rapidamente a forma de fazer as coisas quando somos obrigados a isso”, refletiu.
Orientação e medição
O processo na Globo começou olhando para dentro. “Se queremos cobrar, temos que fazer”, pontou Lery. Então, o grupo estabeleceu metodologias que pudessem orientar todas as equipes, de todos os gêneros de produção. O material explica que tipo de práticas podem ser executadas e foi elaborado com auxílio de consultorias e também baseado em coisas que já eram feitas na própria Globo e ainda no mercado de forma geral. Profissionais de diferentes áreas – como figurino, caracterização e direção de arte – foram convidados a colaborar, a fim de contribuirem com insights do que dava para ser feito em seus respectivos segmentos. O coordenador também cita os aprendizados da pandemia: “Naquela época, não paramos de produzir, e tivemos que trabalhar seguindo um rigoroso protocolo. Se conseguimos, por que não trabalhar agora num protocolo sustentável?”. O material se tornou um guia que foi compartilhado com todos os funcionários. Ele traz, em um primeiro momento, orientações gerais, com coisas que qualquer um pode fazer no dia a dia, em casa, e só depois entra na produção propriamente dita. Além de orientar as práticas, o conteúdo também traz sugestões de marcas sustentáveis para caracterização e dicas de brechós onde adquirir os figurinos, por exemplo.
Em paralelo, foi desenvolvido um aplicativo. “Precisávamos estabelecer isso via sistema. Criamos esse app para que todas as produções pudessem se planejar e dizer quais práticas, em quais áreas, estavam sendo implementadas. Entendendo que cada projeto é um projeto. Tem questões, como localidade e gênero, por exemplo, que interferem. Não tem um padrão que se aplica a todas. Fazemos sugestões de prática e, a partir daí, cada produção se planeja e entende o que é possível fazer. Mas todas são obrigadas a se planejar e, depois, passam por uma medição. Com programas que estão no ar o ano inteiro, vamos fazendo medições pontuais. Nos outros, mais curtos, fazemos medições iniciais e, depois, finais”, detalhou. O aplicativo cuida essencialmente dessa medição. O guia sugere mais de 90 ações e cada produção diz o que é aplicável ou não. Aí, faz um planejamento e informa quais dessas ações serão colocadas em prática. Cada ação vale um ponto – no final, existe essa checagem. “E são ações simples, como abastecer com etanol em vez de gasolina, distribuir capas de chuva retornáveis e não descartáveis, criar uma proteção com resíduos próprios da empresa em vez de usar plástico bolha”, exemplificou. “A aferição, por ser via sistema, é muito rápida. E no final do ano vamos atualizar o guia novamente e incluir novas ações”, informou Lery.
Inicialmente, esse guia era voltado somente para a Globo – considerando o contexto dos Estúdios Globo, das cidades cenográficas e etc. Mas, em fevereiro deste ano, foi feito um novo guia – este, para ser compartilhado com o mercado. Com as produtoras que mais trabalham com a Globo, por exemplo. E, agora, a empresa recebe também o planejamento e o que vem sendo executado por parte desses parceiros. Os materiais de sustentabilidade da Globo – como esse guia adaptado para as produtoras e um tour virtual ESG em 360º, lançado na última semana – são públicos e podem ser conferidos no site Somos Globo.
Por fim, Lery destacou que a Globo aposta muito no conteúdo para levar essa mensagem para as pessoas. Programas como o “Big Brother” sempre falam sobre sustentabilidade – mostrando os participantes fazendo coleta seletiva, economizando água e reaproveitando materiais, por exemplo. E, logo no começo desse trabalho de gestão ambiental, os autores roteiristas da casa foram convidados a rodar pelos estúdios e conhecer as ações da Globo, com o objetivo de que eles passassem a ter essa mentalidade na hora de criar essas histórias, pensando em levar essa mensagem de forma natural para o público.
Próximos passos
O EcoVision, do qual Marilha Naccari faz parte, é um grupo desenvolvido com o objetivo de difundir no ambiente de produção audiovisual o conceito de sustentabilidade e prepara para o fim deste ano o lançamento de duas ferramentas para os produtores latino-americanos: a primeira versão da calculadora de pegada de carbono sobre emissões de CO² para produção audiovisual, com calibragem para América Latina, e o catálogo de fornecedores com práticas sustentáveis.
“São ferramentas que nós vemos a necessidade nas conversas, nas palestras, nas consultorias, oficinas que seguimos aplicando em diversos lugares. O foco é sempre a estrutura de um ecossistema, enquanto a gente continua o fortalecimento da educação, da consciência sobre o que significa ser sustentável, nas formas de iniciar essa aplicação nas produções, entendendo cada um dos projetos”, conclui Naccari.