Sabe-se que a pandemia de Covid-19 foi avassaladora para o audiovisual e a cultura de uma forma geral. O mapeamento das entidades representativas do setor audiovisual no Brasil, lançado recentemente pelo Iniciativa Cultural – Instituto das Indústrias Criativas, destacou dentre os pontos mais sensíveis impactados pela pandemia: 1. O adiamento de projetos já aprovados ou em produção; 2. O desemprego; e 3. A ausência de políticas públicas para socorrer o setor. São três eixos fundamentais para movimentar a cena audiovisual do país.
Esse baque não foi diferente nos espaços culturais espalhados pelo Brasil. Tradicionalmente, os centros culturais reúnem uma programação que dialoga com diferentes linguagens e públicos incluindo exposições, filmes, peças teatrais, leituras, educação, dentre outras. Apesar de terem se reinventado na pandemia, com atividades online tais como peças e cursos, o maior sentido na existência destes espaços está em sua programação presencial.
É no encontro que as coisas acontecem. No debate olho no olho após o filme, na emoção ao ver uma obra de arte tão pertinho, no rir e chorar junto com a plateia do teatro. A pandemia interrompeu, cancelou ou adiou vários destes projetos. Milhares de profissionais envolvidos nas produções ficaram desempregados, e a crise se agravou ainda mais com a ausência de políticas públicas.
Como atual diretora executiva no Centro Cultural Justiça Federal, percebo que a retomada do setor cultural dialoga diretamente com uma reinvenção dos hábitos do público. Afinal, ficamos quase dois anos em casa assistindo a filmes e consumindo cultura online. O cinema, por exemplo, mostra lentos sinais de retomada aos patamares anteriores à pandemia principalmente do ponto de vista econômico, uma vez que as salas estão arrecadando cerca de 60% das bilheterias de 2019. Neste circuito, a maioria dos filmes que consegue atrair público é de blockbusters, deixando pouco ou quase nenhum espaço para as produções nacionais.
O público de 2022 do CCJF é 11 vezes maior desde a reabertura das portas, em agosto de 2021. O retorno integral às atividades presenciais não foi imediato, e demandou ações efetivas tanto na montagem da programação, quanto na divulgação das mesmas. Neste sentido, os festivais possuem um papel fundamental enquanto estímulos para atrair o público de volta aos espaços culturais.
Eventos como o Festival do Rio e o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, que acontecem este mês no CCJF e em outros cinemas e espaços culturais, possuem a nobre missão de disponibilizar ao público uma programação diferenciada e rara de ser encontrada no circuito comercial. Para muitas pessoas essa é a chance de ter contato com centenas de filmes de diferentes nacionalidades e formatos, enriquecendo assim seu repertório e identidade. Somente no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul serão exibidos 150 filmes, sendo 112 nacionais e 38 internacionais.
Para que estes eventos aconteçam, no entanto, é fundamental que haja políticas públicas de incentivo em nível federal, estadual e municipal. Os espaços culturais oferecem a estrutura física e operacional, porém os festivais de cinema e eventos culturais de uma forma geral não acontecem sem que haja uma verba especificamente destinada a eles. Essa é uma realidade comum inclusive a vários países do mundo, não só no Brasil.
É preciso considerar que apesar dos desafios a pandemia trouxe muitos aprendizados e uma nova forma de comunicação com o crescimento do digital, o surgimento de novos modelos de negócio e a democratização do acesso. Esse novo cenário traz uma nova gama de oportunidades de trabalho e crescimento.
Um relatório realizado pelo IBGE antes da pandemia mostrou que, de 2014 a 2018, o percentual de trabalhadores na área cultural com carteira assinada caiu de 45% para 34%, com consequente aumento da informalidade. Sabe-se que esta é uma característica desse setor, assim como a dependência de verbas para que os projetos aconteçam. Qual o nosso papel e responsabilidade para modificar esse cenário é uma reflexão urgente a ser feita.
A cultura sobreviveu a uma pandemia dupla – sanitária e financeira. A Lei Aldir Blanc foi muito importante para ajudar o setor a sobreviver, mas como política pontual não é suficiente para garantir a continuidade destas ações. Assim, faz-se necessário uma política cultural estruturante e planejada para atender aos diferentes setores da cultura e da economia criativa. Vivemos num país rico em diversidade e de dimensões continentais. É preciso que haja uma política a altura para fazer jus a todo este potencial.
Fontes:
https://www.cena.ufscar.br/wp-content/uploads/2022/01/Mapeamento-das-Entidades-Representativas-do-Setor-Audiovisual-no-Brasil.pdf
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/cultura-recreacao-e-esporte/9388-indicadores-culturais.html?=&t=resultados]
* Daniela Pfeiffer é Mestre em Comunicação Social, Diretora Executiva no Centro Cultural Justiça Federal, Professora no Curso de Cinema da Facha e Parecerista em Editais. Foi Diretora do Centro Técnico Audiovisual CTAv e do Cine Odeon, Conselheira Nacional do Audiovisual na CNIC e Analista na Ancine.
Nada melhor do que uma análise de quem vive a experiência de administrar um dos nossos mais importantes espaços culturais.
Parabéns @