O respiro das instituições culturais pós-pandemia

*Daniela Pfeiffer é Diretora Executiva do Centro Cultural Justiça Federal, Professora na ESPM e na Faculdade Facha, Sócia da empresa Pfeiffer Cultural e Parecerista em editais culturais nacionais e internacionais. Mestre em Comunicação Social e Especialista em Comunicação e Imagem pela PUC-Rio, graduada em Produção Cultural pela UFF. Foi Diretora do Centro Técnico Audiovisual - CTAv, Gerente Executiva no Cine Odeon, Coordenadora de Projetos na BRAVI, Conselheira Nacional do Audiovisual no Ministério da Cultura, Analista de Projetos na Ancine, Gerente de Mídias Digitais na distribuidora Elo Company, e Gerente de Projetos na Animus Consult. Idealizou e coordenou a Pós-Graduação Lato Sensu "Produção Audiovisual: Projeto e Negócio" junto ao Senac SP. Foi consultora e professora no projeto "Objetiva: Empreendedorismo em Foco". Participou como palestrante de diversos eventos, tais como Rio Conferences (RJ), Rio+ Film Festival (Londres) e Fórum Brasil de TV (SP). Possui livros e artigos publicados tais como “Cinema e Mercado”, “The Brazilian Audiovisual Industry” e “Editais - Guia Audiovisual”. Em 2020 recebeu o Prêmio de Exercício Cultural como reconhecimento pelo trabalho exercido nos últimos 20 anos.

Sabe-se que a pandemia de Covid-19 foi avassaladora para o audiovisual e a cultura de uma forma geral. O mapeamento das entidades representativas do setor audiovisual no Brasil, lançado recentemente pelo Iniciativa Cultural – Instituto das Indústrias Criativas, destacou dentre os pontos mais sensíveis impactados pela pandemia: 1. O adiamento de projetos já aprovados ou em produção; 2. O desemprego; e 3. A ausência de políticas públicas para socorrer o setor. São três eixos fundamentais para movimentar a cena audiovisual do país.

Esse baque não foi diferente nos espaços culturais espalhados pelo Brasil. Tradicionalmente, os centros culturais reúnem uma programação que dialoga com diferentes linguagens e públicos incluindo exposições, filmes, peças teatrais, leituras, educação, dentre outras. Apesar de terem se reinventado na pandemia, com atividades online tais como peças e cursos, o maior sentido na existência destes espaços está em sua programação presencial.

É no encontro que as coisas acontecem. No debate olho no olho após o filme, na emoção ao ver uma obra de arte tão pertinho, no rir e chorar junto com a plateia do teatro. A pandemia interrompeu, cancelou ou adiou vários destes projetos. Milhares de profissionais envolvidos nas produções ficaram desempregados, e a crise se agravou ainda mais com a ausência de políticas públicas.

Como atual diretora executiva no Centro Cultural Justiça Federal, percebo que a retomada do setor cultural dialoga diretamente com uma reinvenção dos hábitos do público. Afinal, ficamos quase dois anos em casa assistindo a filmes e consumindo cultura online. O cinema, por exemplo, mostra lentos sinais de retomada aos patamares anteriores à pandemia principalmente do ponto de vista econômico, uma vez que as salas estão arrecadando cerca de 60% das bilheterias de 2019. Neste circuito, a maioria dos filmes que consegue atrair público é de blockbusters, deixando pouco ou quase nenhum espaço para as produções nacionais.

O público de 2022 do CCJF é 11 vezes maior desde a reabertura das portas, em agosto de 2021. O retorno integral às atividades presenciais não foi imediato, e demandou ações efetivas tanto na montagem da programação, quanto na divulgação das mesmas. Neste sentido, os festivais possuem um papel fundamental enquanto estímulos para atrair o público de volta aos espaços culturais.

Eventos como o Festival do Rio e o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, que acontecem este mês no CCJF e em outros cinemas e espaços culturais, possuem a nobre missão de disponibilizar ao público uma programação diferenciada e rara de ser encontrada no circuito comercial. Para muitas pessoas essa é a chance de ter contato com centenas de filmes de diferentes nacionalidades e formatos, enriquecendo assim seu repertório e identidade. Somente no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul serão exibidos 150 filmes, sendo 112 nacionais e 38 internacionais.

Para que estes eventos aconteçam, no entanto, é fundamental que haja políticas públicas de incentivo em nível federal, estadual e municipal. Os espaços culturais oferecem a estrutura física e operacional, porém os festivais de cinema e eventos culturais de uma forma geral não acontecem sem que haja uma verba especificamente destinada a eles. Essa é uma realidade comum inclusive a vários países do mundo, não só no Brasil.

É preciso considerar que apesar dos desafios a pandemia trouxe muitos aprendizados e uma nova forma de comunicação com o crescimento do digital, o surgimento de novos modelos de negócio e a democratização do acesso. Esse novo cenário traz uma nova gama de oportunidades de trabalho e crescimento.

Um relatório realizado pelo IBGE antes da pandemia mostrou que, de 2014 a 2018, o percentual de trabalhadores na área cultural com carteira assinada caiu de 45% para 34%, com consequente aumento da informalidade. Sabe-se que esta é uma característica desse setor, assim como a dependência de verbas para que os projetos aconteçam. Qual o nosso papel e responsabilidade para modificar esse cenário é uma reflexão urgente a ser feita.

A cultura sobreviveu a uma pandemia dupla – sanitária e financeira. A Lei Aldir Blanc foi muito importante para ajudar o setor a sobreviver, mas como política pontual não é suficiente para garantir a continuidade destas ações. Assim, faz-se necessário uma política cultural estruturante e planejada para atender aos diferentes setores da cultura e da economia criativa. Vivemos num país rico em diversidade e de dimensões continentais. É preciso que haja uma política a altura para fazer jus a todo este potencial.

Fontes:
https://www.cena.ufscar.br/wp-content/uploads/2022/01/Mapeamento-das-Entidades-Representativas-do-Setor-Audiovisual-no-Brasil.pdf
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/cultura-recreacao-e-esporte/9388-indicadores-culturais.html?=&t=resultados]

* Daniela Pfeiffer é Mestre em Comunicação Social, Diretora Executiva no Centro Cultural Justiça Federal, Professora no Curso de Cinema da Facha e Parecerista em Editais. Foi Diretora do Centro Técnico Audiovisual CTAv e do Cine Odeon, Conselheira Nacional do Audiovisual na CNIC e Analista na Ancine.

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