Com sets paralisados, produtoras seguem apenas com pós-produção e finalização de projetos

As produtoras audiovisuais focadas no entretenimento sentem os impactos negativos da pandemia do novo coronavírus. Ao contrário das empresas mais voltadas à produção publicitária, que conseguem fazer uso da tecnologia para inovar nos modelos de filmagem e prosseguir com os projetos com os times atuando de forma remota, as produtoras de séries, filmes e conteúdos similares paralisaram totalmente suas gravações, respeitando as recomendações de isolamento social, e seguem com as obras suspensas por tempo indeterminado. Somente projetos já em fase de finalização e pós-produção seguem seus cronogramas iniciais.

A Moonshot, por exemplo, não estava filmando nada no momento em que a pandemia chegou ao Brasil, e sim pré-produzindo. "Com isso, resumimos e adiamos as datas de filmagem mais próximas, mas procuramos usar o tempo indisponível para avançar no que é possível", explica Roberto d'Avila (na foto acima), fundador da produtora, em entrevista exclusiva para TELA VIVA. "Quase toda a equipe está em home office, apenas algumas pessoas da pós-produção estão fisicamente trabalhando no escritório. As áreas de desenvolvimento seguem com esforço redobrado, aproveitando a reclusão, com muita coisa sendo levantada e desenvolvida. As atividades de pré-produção para dois filmes e uma série seguem na medida do possível, com pesquisa de elenco, desenvolvimento e detalhamento de projetos de arte e planejamento de filmagem. As filmagens e gravações estão suspensas por hora, aguardando o momento de serem reagendadas e programadas", continua.

Por enquanto, a Moonshot adiou a filmagem de um longa que era prevista para maio e uma série para o início de junho. "As demais mudanças no calendário dependerão da dinâmica da pandemia e do retorno das atividades laborais. No momento, os times trabalham na finalização e entrega dos últimos episódios de uma nova temporada do 'Que Seja Doce', que já está no ar no GNT, finalizando um documentário (em fase de pós de cor e som e masterização) e produzindo uma série de peças de divulgação, trailer, making ofs e pílulas do longa 'Predestinado – Arigó e o Espírito do Dr. Fritz', a ser lançado em breve".

A Prodigo Films também não estava em filmagem e, no momento, trabalha na finalização e pós-produção das séries que produzem para a Netflix (como "Coisa Mais Linda", cuja segunda temporada terminou de ser gravada ao final de 2019) ao mesmo tempo em que adianta desenvolvimento, roteiro e preparação de novas obras. "Estamos trabalhando remotamente em todas as áreas e nenhuma foi afetada até o momento. Claro, temos adaptações em algumas delas, mas sem prejudicar as nossas entregas e os nossos trabalhos. Estamos desenvolvendo processos diferentes por conta do home office, sem comprometer prazo nem qualidade", garante Beto Gauss, sócio e produtor. Segundo Gauss, existe uma força-tarefa junto dos parceiros, atores e finalizadores para manter os cronogramas de entregas previstos antes da crise.

Na Maria Farinha Filmes, todo o trabalho segue de forma remota. "Dobramos o nosso núcleo de desenvolvimento nos últimos meses e os roteiristas e pesquisadores estão trabalhando em novas séries, filmes e documentário. Produção, pós-produção e financeiro também estão trabalhando de casa, com cada departamento se organizando e combinando os melhores fluxos online", conta a CEO da produtora, Mariana Oliva. A Maria Farinha precisou suspender as gravações da segunda temporada de "Aruanas" (coprodução com a Globo desenvolvida para o Globoplay como primeira janela) e do documentário "Longevidades" (título provisório). Dos projetos que seguem, uma websérie e dois documentários, todos em fase de finalização, que estreiam ainda este ano e, segundo Oliva, "trazem importantes reflexões para o momento que estamos vivendo, uma das maiores crises sanitária, econômica e financeira que a humanidade já viveu".

Com a quarentena e as mudanças de grade de programação dos canais, a Maria Farinha acabou indo para a TV aberta. Isso porque a primeira temporada de "Aruanas", lançada em 2019 no Globoplay, será exibida pela Globo a partir deste mês. "A série é um convite para sonhar com um futuro mais justo e mais sustentável, e esperamos que ela toque mais corações e inspire mais pessoas a se engajarem na preservação das florestas e dos direitos humanos. A contribuir para frear a onda de violência contra os povos indígenas. Torcemos, também, para que exibição de 'Aruanas' em TV aberta dê suporte aos que querem mostrar para mais pessoas a importância de proteger a vida dos que lutam pelo nosso planeta e pelos nossos direitos", reflete a CEO.

Impactos no mercado e perspectiva para o futuro

"Temos muito trabalho pela frente. O que mais chama a atenção no momento é a quantidade de produções que foram interrompidas e/ou adiadas, gerando possivelmente um acúmulo para o final do ano, com todos os desafios de infraestrutura, equipes e logística para muita demanda que ficará reprimida até lá", aponta Roberto d'Avila. "O impacto deve ser muito grande. Nós já vínhamos de um enxugamento e uma readequação dos agentes diante do encolhimento das fontes de financiamento, com menos longas e séries para TV sendo produzidas. Isso deve se aprofundar. Nosso mercado é formado com um largo contingente de empresas muito pequenas e uma imensidão de trabalhadores freelancers. Muitas dessas empresas, sem capital de giro, podem ser forçadas a fechar as portas, ou se readequar, com seus sócios voltando ao mercado como freelancers. Estes, por sua vez, sofrerão por um período longo sem trabalho, especialmente os ligados a atividades de filmagem estrito senso, de modo que a própria capacidade de retomada da produção pode vir a ser comprometida quando de volta de uma certa normalidade", analisa.

"Soma-se a isso a imprevisibilidade do tamanho do impacto da paralisia nos nossos clientes (canais de TV aberta e paga, serviços de streaming e etc), de modo que se o impacto financeiro nessa ponta for muito forte, também poderá haver uma diminuição de demanda. Em outras épocas de crise eu já vi muita gente deixar nosso mercado e tentar migrar para outras atividades como forma de sobrevivência… Não tem nada fácil no cenário adiante", lamenta o produtor. "Toda crise, no entanto, traz o momento de oportunidade. Acho que passaremos por uma profunda revisão do que estamos fazendo, uma depuração dos agentes de mercado e possivelmente uma reestruturação dos agentes de mercado em todas as pontas. Parte desses agentes sairá fortalecida e amadurecida. Trabalhamos aqui e esperamos fazer parte destes", acrescenta.

Para Beto Gauss, a pandemia irá dificultar ainda mais o setor, que já sofre há quase dois anos. "Teremos que ser muito criativos e resilientes nesses próximos meses, e talvez anos. Por outro lado, existe um trabalho sendo feito por sindicatos e associações junto aos órgãos governamentais (federais e municipais) para a liberação de verbas públicas já previstas e não liberadas. Acredito que se tivermos êxito nessa frente, ganharemos um importante oxigênio para a indústria", aposta. O produtor, no geral, apresenta uma postura otimista diante do cenário e reflete sobre a relevância do audiovisual nesse contexto: "Acredito mais do que nunca que a população do Brasil e do mundo tem dado mais atenção e refletido sobre a importância do audiovisual, seja ele entretenimento ou não. Espero que o nosso governo também. Diante disso, nesse momento, a relevância desse mercado é tremenda para a saúde mental de adultos e de crianças. O conteúdo audiovisual, além de ser um bom entretenimento para a população, é também a melhor maneira para informar e espalhar cultura. A própria pandemia fez com que recursos audiovisuais sejam utilizados para informar, orientar e educar, e não apenas entreter".

Mariana Oliva, da Maria Farinha, vai na mesma linha: "Acreditamos que a cultura é essencial para a identidade de um povo e desenvolvimento sustentável de um país. O audiovisual é uma dimensão fundamental da indústria criativa que gera empregos, paga impostos, movimenta economias locais. E produz cultura e arte. Geramos capital material e imaterial. Os próximos meses serão desafiadores, vão exigir reflexão, necessidade de adaptabilidade e proatividade para a recuperação". E reforça: "Precisamos de medidas emergenciais que auxiliem os profissionais e empresas a atravessarem a crise e políticas que estimulem a retomada do setor, a liberação de recursos e a renovação da Lei do Audiovisual e Recine".

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