Em debate acalorado, Conselho da Anatel rejeita renovação de espectro para TVA

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Uma das reuniões mais estranhas já feitas pelo Conselho Diretor da Anatel aconteceu nesta quinta-feira, 7, contando com novidades institucionais, mas também debate acalorados e até certo clima de tensão, ainda que permanecendo amistoso. No saldo final, no julgamento de um pedido de vista trazido pelo conselheiro Emmanoel Campelo, foi indeferida a proposta da Central TVA de convalidação de um despacho decisório de abril de 2020, que já tinha indeferido o pedido de prorrogação de uso de espectro associado ao serviço especial de TV por assinatura (TVA).

Mas o processo foi pano de fundo por um intenso debate por mais de uma hora entre os conselheiros. O colegiado já estava desfalcado pela ausência de Carlos Baigorri, que na mesma hora estava no Senado para a própria votação no Plenário que acabou por aprovar seu nome para a presidência da agência (além de Artur Coimbra como conselheiro no seu lugar). Essa configuração levou à dificuldade da votação de um pedido de ordem feito pelo conselheiro Vicente Aquino, que propôs sobrestar (ou seja, interromper) o processo.

O conselheiro trouxe à tona que na época do seu voto original, ainda não havia a possibilidade de renovações sucessivas de uso de espectro, possibilitadas pelo novo modelo (Lei nº 12.879/2019, regulamentada pelo Decreto nº 10.402/2020). Como a mesma Central TVA efetuou em outro processo o pedido de adaptação de outorga de TVA para SeAC, que está atualmente no gabinete do próprio Aquino, ele considerou que seria melhor deliberar primeiro essa migração de licença da empresa. Isso porque, no entendimento do conselheiro, poderia haver chance de mudança de voto em relação à matéria pautada nesta quinta-feira.

Interesse público

Não foi o entendimento dos conselheiros Moisés Moreira e Emmanoel Campelo. Moreira já havia votado pelo indeferimento do pedido de convalidação para a renovação do uso de espectro, enquanto Campelo proferiu na reunião de agora o voto no mesmo sentido. Ainda como presidente substituto, o superintendente Raphael Garcia já havia votado também pelo indeferimento. Assim, formou-se maioria, mesmo que Vicente Aquino mudasse seu voto e Carlos Baigorri estivesse presente para votar. 

Além disso, sustentou Moreira, o indeferimento aconteceu por justificativas próprias, em especial as pendências formais ainda que a Central TVA tivesse tido o prazo de um ano para prover as informações necessárias. Tanto que, desde o pedido de vista de Emmanoel Campelo, não houve nenhum andamento no processo, "sequer uma diligência da área técnica". Moreira alegou que "o sobrestamento dos autos em função do julgamento do processo de adaptação resultaria em descumprimento dos prazos do pedido de vista, que ficaria prorrogado sem atender interesse público, apenas para interesse privado." Na visão dele, isso inclusive "não ficaria bom para a imagem" da Anatel.

Campelo adicionou que o sobrestamento não constava no regimento, o que foi corroborado pelo procurador federal especializado, Paulo Firmeza, convocado a se manifestar sobre a questão. Apesar de o representante da PFE ter afirmado que o Conselho Diretor tem liberdade de deliberar sobre questões fora do regimento, o que inclusive já aconteceu antes, embora em processos nos âmbitos da área técnica e de Pados. Mas ele ressaltou que essa interrupção seria consequência da decisão do colegiado se era de interesse público ou não. Além disso, respaldou o conselheiro Moisés Moreira ao lembrar que já haveria julgamento do mérito suficiente para negar a prorrogação do uso de espectro.

Porém, o pedido de ordem de Aquino recebeu apoio do presidente substituto, Willson Wellisch. Como se formou um empate nesse pedido específico, abriu-se então um novo debate: levar a discussão a uma próxima reunião (a ordinária está prevista para o dia 5 de maio), já com a volta de Carlos Baigorri, ou sobrepor esse debate pela força da votação em si, que já contava com a maioria, e considerar o pedido indeferido. Novamente, Wellisch requisitou a manifestação da Procuradoria, que afirmou que o processo precisaria seguir o curso normal. "Na minha visão, o julgamento se encerra no mérito e já há motivos elencados, que independem da adaptação, para negar o pedido [da Central TVA]", disse Paulo Firmeza.

Não bastasse esse vai e vem, a conexão do conselheiro Emmanoel Campelo caiu (mas foi restabelecida em alguns minutos), e pouco depois, o próprio Vicente Aquino precisou se retirar afirmando não estar se sentindo bem de saúde. Com apenas três membros, o julgamento terminou com o indeferimento tanto do pedido da empresa quanto a proposta de sobrestamento. Foram assim quatro votos no mesmo sentido, uma vez que Wellisch é substituto e o voto da presidência já havia sido proferido pelo substituto anterior, Raphael Garcia, e o voto anterior de Aquino foi mantido já que ele saiu da reunião sem mudar oficialmente o posicionamento, apesar de alegar intenção nesse sentido.

Novidades

A discussão regimental do Conselho Diretor aconteceu no mesmo dia em que foram trazidas duas novidades institucionais: o serviço de interpretação em tempo real das reuniões do colegiado para a Língua Brasileira de Sinais (Libras); e o novo sistema para envio de contribuições em consultas públicas. No primeiro caso, a inclusão da interpretação em Libras segue também o Regulamento Geral de Acessibilidade, editado pela Anatel em 2016. O anúncio foi feito por Emmanoel Campelo.

Já o novo sistema para as consultas é o Participe, que substituirá o antigo SACP (Sistema de Acompanhamento de Consultas Públicas). Com nova interface para usuário, considerada "mais adequada e moderna" pelo conselheiro Moisés Moreira, a plataforma exigirá o login único dos sites .gov.br e cadastro com pelo menos o "nível de confiabilidade bronze". Ao todo, a agência registrou desde sua criação em julho 1997, mais de 1.500 consultas e 80 mil contribuições.

Ambos os anúncios foram proferidos por conselheiros, e não por Wilson Wellisch, em sua posição de presidente substituto. De fato, o superintendente se mostrou visivelmente incomodado com a aparente falta de atenção e constantes interrupções feitas pelos demais conselheiros ao longo da reunião, além de "correções" sobre a conduta do debate. Enquanto a cadeira da presidência não é oficialmente preenchida por Baigorri, a Anatel pode continuar nessa desarmonia institucional. Também pesará a vigência de sua liderança na agência.

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