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“Filho de Boi”, de Haroldo Borges, leva interior da Bahia para o cinema

(Foto: Florian Boccia)

Depois de passar pelo circuito de festivais nacionais e internacionais, o filme baiano “Filho de Boi”, do diretor Haroldo Borges, chegou ao circuito comercial de cinema na última semana. Entre os destaques de sua trajetória, está a world première no Festival de Busan (Coreia do Sul), um dos maiores festivais do continente asiático, e festivais como o FICG – Festival Internacional de Cinema de Guadalajara (México), onde recebeu o Prêmio Film4Climate de pós-produção, e o Festival de Málaga (Espanha), onde recebeu o Prêmio do Público. 

“O filme teve uma carreira incrível em festivais internacionais. Em Guadalajara, no México, ganhamos o prêmio Film4Climate, um prêmio especial concedido pelo Banco Mundial a filmes que estejam em consonância com as linhas de desenvolvimento da ONU. O prêmio foi realizar a finalização completa de som e imagem do filme num dos maiores estúdios da Europa, em Roma. Ganhamos ainda o prêmio de melhor filme eleito pelo público em Málaga, na Espanha. Já aqui no Brasil nossa estreia se deu na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo”, relembrou o diretor Haroldo Borges em entrevista exclusiva para TELA VIVA

O projeto foi realizado pelo coletivo Plano 3 Filmes, formado por Borges, Ernesto Molinero, Paula Gomes e Marcos Bautista – mesma equipe criadora do documentário “Jonas e o Circo sem Lona” e de “Saudade fez Morada aqui Dentro”, que chegará aos cinemas no próximo mês de setembro. Molinero assina a co-direção e os roteiros são de Borges e Paula Gomes. Na trama, João é um menino tímido de 13 anos que mora no sertão baiano. O vínculo com seu pai foi rompido e ele não tem amigos. Quando um pequeno circo chega à cidade buscando um novo palhaço, ele vê a oportunidade perfeita para fugir dali. Assista ao trailer:

Pensando na trajetória de “Filho de Boi”, é importante mencionar que se trata de um filme da Bahia – região que, assim como grande parte do país, ainda é tratada como “de fora do eixo” no audiovisual. Borges reflete: “Para filmes como o nosso, de ‘fora do eixo’, os festivais funcionam como uma importante vitrine. Por vezes os grandes centros urbanos acreditam que existe um cinema ‘standard’, que são os filmes que eles fazem. E aqueles que não estiverem dentro desses parâmetros recebem um selo de marginais. Mas é preciso lembrar que a própria indústria se regenera a partir da inovação. E a novidade hoje vem de fora desses grandes centros. Vem principalmente do interior do país e de locais que tradicionalmente até então não produziam cinema. São olhares cheios de frescor”. E acrescenta: “Há ainda a questão de que o cinema esteve condicionado por tanto tempo aos grandes centros urbanos, por conta exclusivamente de uma dependência da matéria prima, que era o negativo. Ele exigia uma estrutura de pessoal especializada, como laboratórios e aparatos técnicos caríssimos. Mas isso acabou. O cineasta se aproxima hoje da liberdade criativa de um escritor ou de um pintor”. 

Equipe e elenco local 

O filme, além de levar as paisagens do interior da Bahia para a tela, também buscou incorporar representantes da comunidade local ao elenco e à equipe. O protagonista, João Pedro Dias, é de Juazeiro, e foi escolhido após um processo de seleção que envolveu 1.500 crianças de escolas públicas na zona rural do sertão baiano. O elenco também traz nomes como Luiz Carlos Vasconcelos (de “Marighella”, “Carandiru”, “Abril Despedaçado”), Jonas Laborda (“Jonas e o Circo sem Lona”) e Vinicius Bustani, além de vários palhaços de pequenos circos itinerantes da Bahia. 

“O trabalho com os atores foi uma verdadeira maratona. João, o protagonista, foi o último candidato que conhecemos dos 1500 meninos que entrevistamos durante a pesquisa; todos de escolas públicas; todos do sertão. Não que os outros 1499 meninos fossem ruins – eram garotos incríveis, meninos carismáticos, extrovertidos. No entanto, o protagonista tinha como característica fundamental a timidez. Era necessário que ele fosse tímido para a história funcionar”, afirmou o diretor. “Quando João entrou na sala, onde fazíamos o teste, ele mal olhava pra gente. Falava baixinho… um menino de alma entranhada! O mais improvável protagonista. Mas quando perguntamos se ele tinha o desejo de fazer um filme, ele nos encarou com um olhar cheio de desejo e medo, tudo misturado. E como dizem por aí, ‘cinema é olho’. É o olhar de João que enche a tela do cinema”, celebrou. 

Borges explicou que a ideia de trabalhar com não atores era a se aproximar do documentário, com uma forma de filmar que traz um frescor a narrativa. “Durante os dois meses que antecederam as filmagens, juntamos equipe e elenco, num grande espaço laboratorial de experimentação e investigação. Foi um processo incrível! Ninguém leu o roteiro. Tudofoi transmitido oralmente e o trabalho de atuação se construiu a partir daí. Dessa troca, fomos desenhando as cenas. Aprendendo com eles e transformando o roteiro. Plantando elementos na realidade para colher aquilo que ela nos devolvia”, revelou. Uma parte da equipe também era do local onde o filme foi rodado. “Pessoas que se apaixonaram pela ideia de estarmos ali na cidade deles. Estão presentes em todos departamentos. É uma forma de abraçar a comunidade. De aprendermos com eles, de nos inserirmos e aprimorar o olhar”, disse. 

O diretor Haroldo Borges (Foto: Divulgação)

Detalhes de produção  

Borges, que assina a direção e o roteiro também, contou que o filme nasceu de suas memórias de infância vividas no interior do sertão da Bahia. Ele é de Salvador, mas passou a infância em Feira de Santana, cidade que fica numa região conhecida como o “Portal do Sertão”, apelidada ainda de “Princesinha do Sertão”. Dessas lembranças, ele fala principalmente dos meninos sertanejos, de quando ele também era menino, que alimentaram os primeiros esboços do roteiro. 

“Mas após o encontro com esses 1500 garotos durante o processo de preparação, minhas memórias de infância se misturaram com as vivências daqueles meninos e tudo se transformou. O filme é o resultado dessas intensas trocas. Em vez de levar uma infância pré-moldada pra eles, tentamos encontrar essa infância deles, enquanto filmávamos. Foi um processo que nasceu de uma imersão. Foram quase seis meses vivendo no sertão baiano. O legal é que tomávamos café da manhã, almoçávamos e jantávamos todo dias juntos. Então com a convivência diária, as relações se estreitavam ainda mais. Muita coisa que acontecia ali nos bastidores entre os atores e também entre nós, terminamos levando para o set de filmagem. E como trabalhávamos com muita improvisação, essas situações iam trazendo um frescor para as cenas. Durante os ensaios, contávamos a eles apenas a situação geral do que podia acontecer, o que obrigava eles usarem o próprio vocabulário na construção das cenas”, relata. 

Para a escolha de locações, a equipe viajou muitos quilômetros pelo interior da Bahia – foram cerca de 40 cidades visitadas, como Euclides da Cunha, Santa Bárbara, Pinhões e Tanquinho, até que chegaram em Uauá – segundo Borges, uma cidade muito rica culturalmente, onde se realiza a tradicional missa do vaqueiro e tem um São João muito animado. “Há uma tradição de sanfoneiros também muito forte por ali. Nos decidimos filmar num pequeno povoado que fica entre Uauá e Juazeiro. Ali é uma região muito famosa, estávamos muito perto a Canudos. Famosa por suas lutas de resistências”. 

Proteção de cotas para cada região do Brasil

O projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo – Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. “Ele é 100% dinheiro do Governo do Estado. No entanto, a produção ‘fora do eixo’ não pode ser dependente apenas de financiamento local ou regional”, ressalta o diretor. 

“O filme é baiano apenas no Brasil. Lá na Coreia, em Roma, na Espanha ou na Argentina, o filme é brasileiro. Também não somos estrangeiros em nosso próprio país. Nos sentimos igualmente em casa, em São Paulo no Rio ou Curitiba. Acho que a política do atual governo deve seguir a prática de proteção as cotas para cada região. É preciso proteger essas cotas nos editais de financiamento Federal. Os bons filmes não são frutos de altíssimos orçamentos. Então é preciso estar atento aos filmes com concentração de verba. E isso é o que acontece o tempo todo. A Ancine precisa perder o preconceito de que apenas filmes de alto orçamento são filmes comerciais. Muitos filmes com orçamentos mais baixos, ambicionam também ser comerciais”, finaliza. 

 

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