Ausência de decreto de cota de tela gera incertezas entre produtores e exibidores

Produtores de cinema estão manifestando preocupação com o fato de o governo Temer não ter publicado decreto renovando a cota de tela para exibição em salas e complexos de cinema como tem acontecido desde 2002, por determinação da MP 2.228/2001, o principal marco legal do audiovisual. A MP estabelece, em seu artigo 55, que sejam exibidas obras cinematográficas brasileiras de longa metragem, "por um número de dias fixado, anualmente, por decreto, ouvidas as entidades representativas dos produtores, distribuidores e exibidores". Sem o decreto, o receio dos produtores é de descumprimento do dispositivo legal e risco de que se abra um precedente para que o fim da cota de tela.  Sobre a publicação do decreto, este noticiário tentou uma posição da secretaria nacional de cultura do atual Ministério da Cidadania, que coordena a área com o fim do MinC, mas ainda não existe uma posição oficial.

Mas fontes que acompanharam de perto a negociação para a publicação do decreto no final do governo Temer trazem alguns elementos importantes para a análise. O primeiro é sobre a obrigatoriedade de publicação do decreto no ano anterior à vigência. Se de fato há interpretações de que se abre um precedente jurídico para não cumprimento da cota, de outro existe precedente no sentido contrário. O decreto de cota de tela de 2002 foi publicado em abril daquele ano, mesmo com o dispositivo legal estabelecido na MP 2.228 em setembro de 2001.

Sobre as razões para a não-publicação do decreto, as fontes ouvidas apontam para interpretações diferentes. Para alguns representantes dos produtores, seria uma demonstração de falta de compromisso do governo Temer com o cinema nacional, sentimento intensificado depois das indicações para o Conselho Superior de Cinema que acabaram por reduzir, proporcionalmente, o peso dos produtores nacionais nesta instância (vale lembrar que, mesmo nomeados, os novos representantes do CSC não tomaram posse e não se sabe se o governo Bolsonaro irá ou não rever as indicações). Outras fontes do mercado, contudo, lembram que as cotas de tela nos cinemas já existem há pelo menos 18 anos no modelo atual (e já existiam por determinação legal deste 1992) e têm prazo de validade dado pela MP 2.228, até 2021. Não haveria razão para se deixar de publicar o decreto, colocando os gestores sob risco de responsabilização, considerando tanto tempo em que o instrumento está consagrado no mercado e de haver prazo legal previsto para o mecanismo vigorar.

O que de fato parece ter pesado mais foram dois elementos novos que surgiram no final de 2018 e que tiveram pouco tempo para serem assimilados pelo governo, que teria optado por deixar o assunto para ser tratado por Bolsonaro, que inclusive já havia anunciado o desejo de rever todas as decisões de final de governo de Temer. O primeiro fator é a ação e a decisão do TRF 3 de novembro, que derrubou a cota suplementar.

A decisão da Justiça é sobre o decreto de 2014, mas existem entendimentos jurídicos de que a repercussão da ação pode ser maior e afetar o próprio princípio das cotas na forma como estavam estabelecidas. Seria necessário elaborar uma outra forma jurídica de apresentar as obrigações para evitar nova disputa judicial.

Outro fato importante foi era o debate que estava sendo travado dentro da Ancine sobre o novo modelo de cotas, não mais por dias (como textualmente determina a MP 2.228) mas consagrando o modelo por sessões. Este debate estava fundamentado em uma Análise de Impacto Regulatório concluída pela Ancine em junho depois de um debate de quase um ano e apresentada pela agência em dezembro de 2018. A análise apontava justamente para a mudança do mecanismo de cotas, a serem aplicadas por sessão, em função da significativa mudança na dinâmica e na lógica do mercado exibidor em decorrência da digitalização das salas de cinema. Esta discussão estava sendo tratada pela Câmara Técnica que conta com representantes do setor de cinema e foi apresentada inclusive à Casa Civil no começo de dezembro, com vistas à elaboração do novo decreto.

As alternativas jurídicas ao cenário de ausência de decreto ainda estão sendo analisadas pelo mercado exibidor. Considera-se a possibilidade de que, havendo um decreto, ele estabeleça cotas apenas proporcionais ao seu período de vigência no ano, mas há problemas nesta solução, pois o decreto sairá depois do período de férias de verão, quando as salas exibidoras têm seu maior público. A alternativa de não haver decreto de fato pode dar margem aos exibidores não cumprirem a cota, pois a renovação dos parâmetros de exibição tem que se dar anualmente conforme a MP 2.228, com responsabilidade do governo pela edição do decreto.

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