Iafa Britz aponta que retomada do audiovisual nacional demanda alto volume de projetos

Iafa Britz (Foto: Mauro Curupira)

Em 2024, a Migdal Filmes, que tem Iafa Britz como sócia-fundadora, completa 15 anos. Com mais de 30 milhões de bilhetes vendidos em sua trajetória de lançamentos para os cinemas, incluindo grandes sucessos como "Minha Mãe é Uma Peça" e "Nosso Lar", a produtora se destaca por um portfólio de gêneros variados e aposta em um line-up que une entretenimento com impacto social. Com bastante tempo de mercado, a empresa viu a indústria audiovisual passar por inúmeras transformações, que impactaram tanto a maneira de produzir filmes quanto a do público consumi-los. 

"Olho para esses 15 anos com uma vontade renovada de continuar fazendo. Sigo acreditando que podemos produzir conteúdos relevantes – e sei que esse termo é abstrato, mas acredito que uma grande comédia que divirta o público seja muito relevante, assim como um filme de cunho social. Estou com as motivações renovadas e revisitadas – aliás, nesses 15 anos, revisitar – o que a gente faz, como faz e para onde estamos indo – é algo que a gente fez o tempo todo", refletiu Iafa Britz em entrevista exclusiva para TELA VIVA. 

"A Migdal vive de entretenimento desde o seu marco zero – seja cinema, conteúdo para TV fechada, aberta e, mais recentemente, para o streaming. Temos feito muita coisa, e as perspectivas são fortes também. Trabalhamos antenados com o que o mercado está querendo, o público está buscando ou pela nossa ânsia mesmo. Temos parcerias muito fortes, consolidadas e amadurecidas. Olho para a nossa equipe e vejo as pessoas felizes, animadas e orgulhosas. Isso é motivo suficiente para me motivar para mais 15 anos", celebrou. "Passamos por muitas modificações: não sei quantas crises políticas, a pandemia, que na prática começou muito antes, e mudanças de paradigmas no planeta sobre produção e consumo de conteúdo. Muitas vezes pensei 'agora acabou'. Mas seguimos. Algumas coisas não mudam, como a paixão pelo audiovisual como um todo. E é bom continuar fazendo. Tive sorte de ter projetos muito prósperos, outros que foram zero, e de onde tiramos grandes lições. Tudo isso é impactante pra mim", completou. 

Capacidade de adaptação 

Ao longo desses anos todos, Britz acredita que se tornou mais adaptável às mudanças – assim como o mercado de forma geral. "O mundo exige da gente flexibilidade", analisou. "Mesmo para quem não é da área, exige que a gente saiba jogar em diferentes posições e que estejamos prontos para mudanças em todos os sentidos. A produtora acompanha esses movimentos, e temos que estar sempre prontos para mudanças imediatas. Foram anos de muito amadurecimento pessoal e coletivo num lugar de tentar também anteceder a mudança, isto é, estar um pouco à frente, reagir rápido, tirar proveito – até porque tem mudanças que são boas. Nem toda mudança é ruim". 

A produtora também falou sobre o lado empresarial do trabalho e afirmou que nunca pensou especificamente ser dona de uma empresa – o desejo de produzir audiovisual acabou a levando para esse caminho. "No final das contas, nós que produzimos somos todos empresários – e temos que aprender a lidar com todo esse universo de empresas, pessoas e regras. Por isso, todos nós passamos por um lugar de amadurecimento nas relações de trabalho e responsabilidades sociais", disse. "Hoje, me sinto muito mais implicada politicamente em tudo do que era cinco, dez anos atrás. Quero estar e gosto de estar implicada politicamente. Faz parte desse processo também. Tenho tentado atuar mais à frente do que nos efeitos das decisões ou batalhas. E devolver, de alguma forma, o que recebi da sociedade e especialmente do setor audiovisual", explicou. 

Escolhas conscientes

Pensando nessa relação com o próprio setor, Britz comenta que "As Canalhas", do GNT, uma produção da Migdal, foi uma das primeiras séries brasileiras a contar com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. "As políticas públicas têm um lugar bastante importante de continuar criando oportunidades para quem já está, quem está vindo, e abrir portas. E eu, que me beneficiei delas, me sinto no papel de devolver de certa forma o que recebi – onde estive, pude trabalhar e prosperar, e continuo podendo. Nesse aspecto, me sinto muito diferente mesmo. E entendo a importância de ter uma presença ativa nas políticas públicas. Dentro das limitações, obviamente, que são inúmeras". 

Nesse sentido de se aproximar de questões políticas e sociais, Britz destaca que sempre teve mulheres na sociedade da produtora, e que intuitivamente sempre buscou trazer diretoras mulheres e contar histórias de personagens mulheres. Mas, com o tempo, foi acontecendo uma tomada de consciência, e o que já acontecia de fato se tornou mais institucionalizado e formalizado. "Buscamos conscientemente ter equilíbrio de gêneros. É difícil encontrar esse equilíbrio saindo do discurso e indo para a prática. Mas é possível". 

Novo cenário demanda volume de projetos

Desde a pandemia, Britz acreditou que o cinema voltaria com toda sua força, voracidade e demanda – mesmo sabendo que iria demorar. "Além do impacto da pandemia em si, foram muitas mudanças no setor. A entrada do streaming mudou a regra do jogo em termos de consumo e produção como um todo", pontuou. "Mas a sala de cinema sempre vai ser a sala de cinema. Não tem nenhum lugar onde você se realize mais do que perto do público na hora de apresentar um filme. Se ele vai dar certo ou não, são outros 500. Mas acho que a gente, como cinema brasileiro, tem um lugar de reconexão com o público. Apesar de termos tantos desafios, como preço de ingresso e programação. É difícil fazer o público chegar ao cinema. Mas, quando chega, ele gosta. O cinema é um programa que não sai de moda. Mas é um trabalho hercúleo nosso agora – de produtores, exibidores e distribuidores. Temos que ser insistentes até conseguimos chegar num lugar de visibilidade para o cinema brasileiro". 

E esse lugar felizmente foi alcançado neste ano com alguns projetos, como "Nosso Lar 2" e "Minha Irmã e Eu". "Foram projetos que criaram impacto. Agora, temos que ter mais volume de títulos que se comuniquem de fato. Leva um tempo para recuperar isso, mas acredito muito que essa recuperação vá acontecer – desde que tenhamos políticas públicas facilitando tanto a produção quanto a distribuição do conteúdo nacional. E cotas de tela, claro, porque precisa de ambiente favorável pra gente voltar. Se será o mesmo número de antes da pandemia, 30% a mais ou 20% a menos, não sabemos". 

Saindo do cinema e indo para as plataformas, Britz considera que existem duas formas de ver o streaming: como um grande inimigo ou um super aliado. Ela explica: "O streaming manteve na pandemia meus filhos vendo filmes – e filmes nacionais. Nesse sentido, ele foi um aliado do cinema. Ao mesmo tempo em que um título que vai bem no cinema é um asset absurdo para o streaming. Estamos aprendendo, no coletivo, a tirar proveito dessas relações e tentar potencializar cada janela". A produtora ainda ressalta que, muitas vezes, é necessário aceitar que determinado projeto não é, de fato, para o cinema. "Tem filmes que a gente produz achando que é totalmente para cinema e, às vezes, não é, e deveria ir direto para a telinha. A gente deveria ter mais possibilidades de tomar essas decisões. Hoje, quando fazemos um filme para cinema com recursos públicos, temos que fazê-lo para o cinema até o fim. Não podemos mudar no meio do caminho", salienta. Mas ela também acha que nada impede que um filme que já esteja sendo feito para o streaming seja visto pela própria plataforma como uma boa oportunidade de pré-estreia no cinema. "Muita água ainda vai rolar dentro desse processo de encontrar modelos de negócio ganha-ganha", aposta. 

Britz reforça que o setor precisa estar preparado para fazer essas mudanças no meio do processo de um projeto – e deseja que as políticas públicas reflitam isso de alguma forma. "Tem um tempo até tudo isso se materializar. Mas eu sou otimista e vejo um futuro com muitas possibilidades. Temos muita gente capacitada e talentos, o Brasil é um país cheio de talentos. E quando o projeto é bom, é bom independente da janela. É uma retroalimentação. Tem que mudar essa lente". 

Por fim, ela afirma que é inegável que estejamos vivendo períodos muito difíceis não só no mercado, mas no mundo de maneira geral. Olhando para os próximos passos, Britz avalia: "Temos que ter os filmes de mercado e, ao mesmo tempo, encontrar novos talentos. Nomes como Paulo Gustavo e Ingrid Guimarães em outro momento eram nomes desconhecidos. Então temos que achar esses novos talentos que estão por aí. Para isso, precisamos de volume e investimento de projetos. Porque não acertar faz parte do processo. Mas quando acertamos, é uma coisa que modifica a vida das pessoas. Quando você faz um filme que impacta a equipe, a família, uma pessoa no restaurante que você ouve comentando sobre ele, significa que você impactou a sociedade de alguma forma. E quando conseguimos impactar com números que fortaleçam o mercado, é um sonho. É esse lugar que buscamos sempre". 

 

1 COMENTÁRIO

  1. Brava!
    A obra audiovisual é para o que nasce (o mercado deveria poder oferecer as janelas, não deveria ser pré determinado).
    Ao contrário, muitos telefilmes feitos para estreia no canal Curta! atraíram o interesse de distribuidores e exibidores cinematográficos…
    e não puderam estrear em salas. ,

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