As film commissions, que são organizações que se dedicam a atrair e incentivar a realização de produções audiovisuais no seu local de atuação, foram tema de destaque na programação do 8º Encontro de Coprodução do Mercosul – ECM+LAB, evento de mercado que faz parte da programação do Festival Internacional de Cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul – FAM 2024, no último domingo, 8 de setembro. Daniel Celli, coordenador da Rio Film Commission, e Luz Molina, consultora jurídica e gerente de projetos da ProMálaga, na Espanha, compartilharam suas experiências com esses trabalhos em suas respectivas regiões e debateram sobre as melhores práticas, expectativas e pontos de melhora.
Celli trabalha com diretamente com film commission há dez anos – ele atuou diretamente na implementação da medida em São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro, onde está atualmente. A Rio Film Commission é um departamento da RioFilme – assim como a São Paulo Film Commission é um departamento da Spcine. "Esse é um bom momento para debatermos o assunto pois ele está quente, em discussão, com diversas film commissions ao redor do Brasil sendo implementadas", destacou.
Sobre sua experiência com o projeto no Rio, ele trouxe dados positivos: o Rio de Janeiro se tornou a cidade mais filmada da América Latina, superando o título que há muitos anos pertencia à Cidade do México, e, no ano passado, ultrapassou Paris e subiu no ranking das cidades mais filmadas do mundo. Mas o especialista também revelou: "O Rio sempre foi um destino de produções audiovisuais, o que acabou sendo por muito tempo uma cilada. Por muitos anos, a cidade acreditou que isso bastava, isto é, bastava ser o Rio de Janeiro porque as pessoas iam querer filmar lá de qualquer jeito. Mas isso não é verdade. Precisa de políticas públicas para estimular essas produções, de um trabalho para potencializar a cidade como um destino para produções audiovisuais, um destino 'film friendly', como chamamos. E são diversas as ações que podemos tomar para tornar uma localidade mais atrativa para as produções".
Organização, previsibilidade e segurança jurídica
O coordenador representa uma film commission municipal e, justamente por isso, pontua que existem diferenças entre as comissões municipais, estaduais ou nacionais, especialmente em relação às estratégias. "A film commission municipal olha para o dia a dia, para o funcionamento daquela cidade. Mas uma grande virada de chave do que se pensava no passado para agora foi o entendimento de que se trata de um serviço público de autorização de filmagens. É um departamento que organiza tudo que está nesse entorno num único lugar. Produção audiovisual é uma coisa operacional – a gente olha planilha, contrato. Precisamos de previsibilidade e segurança jurídica. Se a gestão pública não garante isso, provavelmente essa produção, podendo fazer isso, escolherá outro lugar para filmar", ressaltou.
É fato que, se um produtor deseja que seu filme ou série se passe no Rio de Janeiro mas não quiser ou não puder filmar lá por qualquer que seja a razão, ele pode "filmar o Rio de Janeiro" em outro lugar, isto é, fingir que é o Rio. "Já filmaram Copacabana na Austrália", citou Celli. Então o desafio – para o Rio e para as demais cidades – é fazer com que as produções sejam rodadas no lugar onde a história realmente vai se passar. "Trabalhamos todos os dias para isso. Precisamos ser competitivos nesse sentido. A Cidade do México era a mais filmada da América Latina e, hoje, é o Rio", enfatizou. "Do ponto de vista de turismo, tudo bem filmar o Rio em outro lugar, porque ele vai continuar sendo o destino. Mas do ponto de vista da indústria audiovisual, isso não é bom. É importante estimular, fazer aquela produção querer ir até a cidade. E é um trabalho contínuo. E, antigamente, pensava-se que isso era apenas relacionado às produções internacionais. Mas não é só isso. Temos que ajudar a produção local também. Não adianta atrair produções de fora se o curta-metragem do seu país não consegue filmar na pracinha", afirmou.
Outro dado relevante da film commission carioca é que, em 2023, foram 26 produções internacionais rodadas na cidade. "Para além de um catálogo de locações, guia de produção e de profissionais, temos um balcão único para produção internacional. Por isso a não existência de uma film commission é tão danosa, porque não terá ninguém pensando nesses assuntos", salientou.
Relação de troca
Luz Molina, por sua vez, definiu as film commissions como uma forma de fazer as produções audiovisuais que forem até aquela cidade, estado ou país se sentirem em casa, facilitando a vida das produtoras e tornando aquele destino mais atrativo a ela do que outros. Ela destacou a importância de que essas políticas ainda promovam a contratação de serviços e técnicos do local onde se está filmando. "É um ciclo virtuoso. Não é só propiciar a produção, mas também garantir que ela deixe algo de positivo naquele lugar. As produções não podem chegar, fazer o que quiserem e não deixarem resultados reais para a cidade. Por isso a film commission precisa coordenar esse trabalho, a responsabilidade disso é em parte dela. É a comissão que deve convencer a produtora a contratar técnicos locais e em vez de trazer toda equipe, por exemplo, ou ainda promover que se consuma alimentos locais. A film commission deve pensar de que forma o bairro, a região se sentirão parte daquela produção. E qual será o resultado tangível a nível econômico também. É uma busca por um equilíbrio entre atrair produções e assegurar que o impacto delas seja positivo para todos", analisou.
Sustentabilidade
Outro ponto levantado por Molina foi a questão da sustentabilidade – que também é uma preocupação das film commission. Em Málaga, todas as produtoras que chegam interessadas em filmar lá recebem um manual de sustentabilidade e uma consultoria para que possam implementar essas práticas durante as filmagens – se encarregando de dar a destinação correta para os resíduos, por exemplo. Ao final, existe uma certificação que é dada à produção constatando que ela seguiu essas recomendações. "Temos um controle para certificar que foi sustentável mesmo, uma espécie de auditoria. Um consultor ambiental aprova o plano – que traz recomendações específicas para cada produção, não são todas iguais – e nós acompanhamos, inclusive fazendo visitas surpresas no set", contou.
"Inicialmente, é importante tomar consciência. Cada passo conta. Não podemos esperar que tudo esteja perfeito, que o sistema não tenha falhas. Mas temos que começar já. Todas as produções que querem filmar no lugar devem ser incentivadas a ao menos pensar em como ser mais sustentável, saber o que dá para ser feito. Às vezes é complicado, porque elas chegam com um plano de produção pronto e não querem mexer. Mas temos que incentivar e ajudar. A sensação de que todos estão pensando na mesma direção é fundamental. Não é uma responsabilidade só da film commission, claro, mas temos nosso papel. E é fundamental checar. Não adianta só elas falarem que vão fazer. Nós precisamos comprovar", completou.
No Brasil, ainda não existem tantas ações nesse sentido por parte das film commissions – mas, segundo Celli, algumas pequenas medidas já estão sendo tomadas. "A gente vem acompanhando produtoras, especialmente as grandes, que estão adotando práticas de sustentabilidade ambiental. Política pública é isso: observar, diagnosticar e entender como podemos trabalhar. Em breve devemos fazer movimentos para estimular mais a questão da sustentabilidade ambiental nas produções audiovisuais. Temos que avançar nisso já. O Sicav lançou um manual de boas práticas de sustentabilidade ambiental para filmagens, o que já é um caminho para começarmos a sensibilizar", concluiu.