Integrantes do Comitê Gestor do FSA e do CSC lamentam demora no avanço em pautas importantes

Luiza Lins, Aline Belli e Cíntia Domit Bittar

Uma mesa realizada na manhã desta segunda-feira, dia 9 de setembro, durante o Festival Internacional de Cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul – FAM 2024, reuniu catarinenses que estão atualmente em cadeiras nas representações nacionais do setor audiovisual: Luiza Lins, diretora da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, parte da diretoria do Fórum dos Festivais e suplente no Conselho Superior de Cinema (CSC); Aline Belli, sócia da Belli Studio, presidente do Santacine e membro do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA); e Cíntia Domit Bittar, cineasta, sócia da Novelo Filmes e membro titular do Conselho Superior de Cinema. "É um momento histórico para o nosso estado, pois nunca antes Santa Catarina tinha tido tantas pessoas nessas instituições nacionais. O estado sempre foi pioneiro em ações da política cultural e audiovisual do país, mas esses espaços sempre foram distantes para nós", destacou Bittar. 

As três reconhecem a importância de um CSC que tem, pela primeira vez, o mesmo número de homens e mulheres, representantes de todos os elos da cadeia e também de todas as regiões do Brasil. "A SAV foi feliz e corajosa nessa composição, o que nos deixou esperançosas e animadas", pontuou Lins. No entanto, a sensação atual é de certa frustração. "As coisas não estão andando no tempo que a gente gostaria. Tivemos poucas reuniões até agora – quatro ordinárias e duas extraordinárias – e formato do debate dentro do conselho está muito amarrado. O fato de estarmos lá é muito importante e é algo que nunca aconteceu, e por isso temos que festejar, mas ainda não conseguimos materializar isso em mudanças reais. Como representante do Fórum dos Festivais e de um festival que visa a formação de plateia, sempre levanto esses temas, por exemplo, mas eles não avançam. O audiovisual precisa de grandes mudanças, mas não podemos parar pra fazer isso. Temos de trocar os pneus com o carro andando", avaliou. 

A atual formação do Conselho segue em atividade até outubro do ano que vem – e, até a data, é previsto que o grupo entregue o Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual (PDM), material que reúne os desejos e objetivos para o setor nos próximos dez anos. Essa é uma das principais metas desse biênio. Bittar contou que, para o trabalho, foi instituído um grupo de trabalho dentro do CSC: "Fizemos uma articulação para colocar dentro desse grupo pessoas de diferentes elos da cadeia e partes do Brasil. Foi uma negociação intensa. Estamos atualmente num momento de atrito, buscando entender como demonstrar o que o CSC pensa, ainda que o PDM não esteja pronto, para que o Comitê Gestor consiga executar de acordo com o que queremos. É um momento estranho. Temos um Comitê Gestor tentando fazer algo que esteja alinhado ao novo governo e o novo CSC, mas que ainda não tem materialidade porque não tem documento. Estamos dependendo muito de articulações políticas, de uma sabedoria política, para lidar com campos e interesses diferentes e conseguir implementar coisas que a própria formação do CSC diz querer, como mais diversidade, mulheres, regiões, formatos e elos da cadeia". 

Sobre o PDM, Lins observou: "É um exercício de futurologia louco, isto é, imaginar o que vai ser o audiovisual daqui pra frente. Nos últimos anos já mudou tanto. Mesmo que tenhamos pessoas importantes dentro do GT que montamos, que são capazes de pensar o todo, é bastante coisa para dar conta". Bittar até fez uma consideração para que o Plano não fosse referente a esse longo período de dez anos e para alterar o nome para Plano Nacional do Audiovisual, com o objetivo de comunicar melhor seu propósito, mas ainda não se sabe se as mudanças serão acatadas durante o processo.

Aline Belli enfatizou que o desafio é grande, e passa por ocupar espaços e tentar furar algumas bolhas. Ela também aponta atrasos – o Comitê Gestor do FSA, por exemplo, era para ter sido nomeado em outubro do ano passado, mas o trabalho começou só agora em 2024. "Até agora, tivemos três reuniões muito intensas, de muita troca. Somos em cinco representantes do governo e quatro membros titulares e outros quatro suplentes da sociedade civil. E temos todos participado dos encontros para entender como tudo isso funciona e tentar abraçar o maior número de demandas possível. Recebemos muitas solicitações, é muita leitura pra fazer. Entendo que temos essa diversidade toda, tanto no Conselho quanto no Comitê, para que possamos ouvir, falar, trocar e compartilhar. Não é só ler PDF, e sim conversar. Aproveitar esses momentos. Temos essa vontade grande de realmente fazer acontecer, mas dá uma angústia. Não temos um calendário com as próximas reuniões – tanto do CSC quanto do CG. Podemos ser convocados do nada. Imagine então um calendário de editais", lamentou. 

As reuniões – ou a falta delas – são um problema. As profissionais criticaram ainda a ausência de encontros entre as instituições, uma vez que a única interação entre o Conselho Superior e o Comitê Gestor foi numa atividade "apressada" com a Ancine e a SAV, segundo Bittar. "A Secretaria pediu para que nós do CSC fizéssemos as solicitações de linhas que achávamos que o FSA deveria ter, em forma de tabela. Escrevi 15 páginas, com todas as demandas das entidades que faço parte, em especial a API, priorizando empresas até nível 3, que têm sido desfavorecidas desde 2018. E considerando também questões dos sindicatos das indústrias do audiovisual dos estados FAMES (Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). As propostas chegaram até o CG, mas não se discutiu como deveria. Nós ainda não tivemos uma reunião coletiva", salientou. 

Lins concorda que essas reuniões conjuntas são uma necessidade e afirma: "Muito debate que precisava estar acontecendo, não está. Ficamos assustados. São debates estruturais, que versam sobre para onde vamos caminhar como país. Nós, como Conselho Superior de Cinema e Comitê Gestor do FSA, não estamos conseguindo avançar. Estamos paralisados em burocracias". Bittar acrescenta: "Precisamos de um plano pra agora. Antes do PDM, que vai definir os próximos dez anos, precisa sair alguma coisa pra já". E critica: "Acho que na ânsia por provar democratização da escuta, se criam métodos que podem não ser tão participativos como pretendido. Um exemplo é a escuta do setor para o PDM, que está sendo feita nas regiões do país. Na do Sul, por exemplo, marcaram uma data em Curitiba para o período de 4 a 6 de setembro, justamente quando acontece o FAM, em Florianópolis. É de uma completa desconexão com a nossa região – que só tem três estados, era a mais fácil de organizar uma escuta coletiva. Eu fui atrás, disse que, em nome do estado, precisavam escutar Santa Catarina também, mas que tínhamos o evento na mesma data. Um telefonema para os sindicatos antes já teria resolvido essa questão. Não é só isso, claro, mas me parece que essa busca pela democratização tem que cuidar para que não vire uma falsa participação. A reunião no Sudeste também tinha pouquíssimas pessoas. Espero que se abra espaço para que as entidades organizadas do setor, sindicatos, associações e fóruns se manifestem em algum momento do processo e de forma aprofundada, a fim de, além de contribuírem com suas visões e diagnósticos, suprirem as supostas lacunas deixadas nas escutas regionais".

Belli ainda pede a participação da sociedade civil: "É fundamental participar de entidades e sindicatos. É no coletivo que conseguimos fazer as mudanças. Organizar as demandas para fazer acontecer. Não é cada um pensando no seu individual – levando suas dores, claro, mas é no coletivo que elas se fortalecem e fazem eco". 

Problemas e demandas

Bittar e Lins falaram sobre algumas demandas que enxergam como urgentes. Do ponto de vista de quem acompanha de perto a produção de conteúdo para a infância, que passa por formação de plateia, a diretora da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis destaca que não existe no Brasil nenhuma proposta para esse tipo de conteúdo. "Tratam todos os assuntos como mais importantes do que trabalhar formação e infância. Existe um preconceito gigante. Acham que é um assunto menor. Nossa sociedade está num momento de caos e transformação profunda, e por isso investir em audiovisual para a infância é ainda mais importante. As pessoas crescem no Brasil vendo streaming americano e coreano. Os filmes nos cinemas são para a população a partir de 17 anos – e mesmo assim as pessoas não assistem. Ainda existe um preconceito gigante sobre cinema brasileiro e a gente finge que não vê. Os filmes ganham prêmios no mundo inteiro, mas não temos um mercado aqui". 

Ainda falando dos conteúdos para a infância, ela fez uma observação para elogiar o trabalho em conjunto do CSC, SAV, MinC e MEC (Ministério da Educação) para regulamentar a Lei 13006/14, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, de forma a obrigar a exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica por no mínimo duas horas mensais. "Isso muda muita coisa. A cidadania, a formação do povo brasileiro em relação à cultura e à sociedade, é formação de plateia concreta. Em relação a isso, vejo que estão acontecendo avanços, e deve sair em breve. É algo importante que vem de muitos anos e acho que finalmente se concretizará. Mas tem muitas outras coisas". 

E analisando as conjunturas atuais, Lins ainda aponta um sistema onde há muito dinheiro para a produção e pouco para outras áreas. "Falamos disso o tempo todo. É muita verba para produção e também uma valorização extra de festivais internacionais, com dinheiro para as pessoas irem até eles, e pouca atenção para os festivais daqui. A população brasileira não vê o filme brasileiro, precisamos escoar toda essa produção. Será que o streaming está comprando tantas produções assim? São muitas perguntas", refletiu. 

Bittar concorda que falta dinheiro para os outros elos – mas até dentro da produção, que de acordo com elas tem concentrado essa verba, existem questões. "O problema maior é que vai muito dinheiro para créditos que são inacessíveis para mais de 90% das empresas. Esses valores estão sendo escoados para quem já tem muito dinheiro. Ou seja: existe dinheiro, a questão é para onde ele está indo. E não é para as produtoras pequenas". 

Lins concluiu: "Queremos ainda no CSC fazer uma atualização da Lei do Audiovisual. O cenário hoje é completamente diferente de quando ela foi feita. São muitas as mudanças que precisam ser feitas. Temos que pensar em tudo. Infelizmente é uma estrutura, estamos tentando começar a mudar. Mas não é simples. Eu fico animada e agradeço ao MinC, mas eles têm de fazer mais. E nos deixar fazer mais. Estamos, de certa maneira, de mãos atadas. E queremos mudar essas engrenagens".

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