Para Rodrigo Teixeira, Brasil precisa investir em parque exibidor e formação de plateia antes de produção

Neste terceiro e último dia do Reach, encontro de audiência, tecnologia e conteúdo que faz parte das programações do BrLab e é apresentado também pelo Projeto Paradiso, um polêmico painel discutiu a necessidade de repensar modelos tradicionais da financiamento e comercialização diante da dinâmica de consumo no mundo multitelas, deslocada do espaço físico. Para Juliana Jacobsen, da BF Distribution, do Chile, esse tal encurtamento de janelas não é nenhuma novidade. "Existe há muitos anos, se chama pirataria. Boa parte do orçamento de cada filme que temos é para combater isso. A discussão não é sobre como lidar com esse encurtamento, e sim sobre como chegar lá de forma a monetizar e ter lucro para os reais realizadores.", disse.

Considerando o atual cenário da indústria, com tantos players, produtores e distribuidores falam sobre seu trabalho hoje ressaltando a questão da curadoria. "Para se sobressair no mercado, tem que ser um bom curador. Assim, você traz bons nomes pra trabalhar com você ou revela outros também.", pontua Rodrigo Teixeira, da RT Features. "O tipo de filme que eu acredito não é aquele que dá retorno direto necessariamente. 'A Vida Invisível', por exemplo, que é uma produção nossa, tem um resultado excelente lá fora. Por isso eu quero seguir investindo nisso, em curadoria. O dinheiro direto de projeto eu ganho lá fora, o indireto eu ganho aqui.", completa. E o produtor ainda declara: "Hoje, a gente precisa de distribuidora, mas dependendo do tanto que esse encurtamento se confirmar, talvez num segundo momento a gente não precise mais. Isso vale para produtores sólidos, é claro, que terão capacidade de negociar direto com as plataformas. O mercado está ficando restrito, com pouco dinheiro e muito projeto. Não tem nem onde exibir esse tanto de projeto, nem nas gigantes como Netflix e Amazon. Nem eles têm tanto dinheiro assim para comprar o mercado. Não é pessimismo, é realismo.". Sandino Saravia, produtor da Cinevinay (Uruguai/México), complementa a fala de Teixeira: "Também sou considerado pessimista. Não tinha pensado ainda no meu trabalho como curadoria, mas é o que eu faço. Produtores são muito importantes nesse mundo com tantos filmes e projetos – eles são as figuras mais próximas da realidade, que sabem como esse universo funciona.".

Mas para Juliana, como distribuidores, a reinvenção está aí: entrar no conteúdo e não somente na distribuição. Stacy Glassgold, International Sales & Acquisitions Consultant da norte-americana Blue Fox Entertainment, defende seu lado como agente de vendas. "É claro que nosso papel está diminuindo, é um fato. Mas meu trabalho é apoiar distribuidores independentes em todos os países, e a única forma deles sobreviverem é fazendo dinheiro. As salas de exibição ainda têm muita força. A resposta, talvez, seja quebrar barreiras e diminuir janelas para que grandes filmes obtenham êxito. Exibidores precisam ser mais flexíveis também, assim como as janelas. Senão não é justo. Se não houver flexibilidade, é lógico que nosso trabalho vai morrer. Aí, só os blockbusters estarão nos cinemas. O cinema local precisa ser apoiado pelo governo e pelo mercado. Filmes devem ser julgados pelo seu mérito e ter oportunidades de acordo.", afirma.

Teixeira também enfatiza a relevância do cinema: "Eu não faço filme para streaming, e sim para o cinema. Quando monto filmes sei exatamente onde quero chegar e vou batalhar para estar lá. Nos últimos anos, 100% dos filmes que fizemos para o mercado internacional entraram nos cinco maiores festivais de cinema. Quando fizemos 'Me Chame Pelo Seu Nome', há dois anos, vi que os Estados Unidos ainda tinham espaço para cinema independente. Hoje, não tem mais. No momento, por exemplo, 'Coringa' ocupou tudo. Não dá para competir com isso. Esse é o melhor ano da década em produção cinematográfica, é um ano à parte, mas não vemos janelas para tudo isso por causa dos grandes blockbusters.", comenta. "Mas eu quero que as pessoas assistam meus filmes. Não faço filme pra mim. O volume de produções atual é irreal. O Brasil produz 150 filmes por ano – isso significaria três filmes brasileiros nos cinemas por semana. Não temos cadeia para isso, ninguém vai assistir. Precisamos investir no parque exibidor e na formação de plateia antes de investir em produção. É hora de mudar o foco. Por que investir tanto em produções que ninguém vai assistir?", brada o produtor.

Saravia completa com seu ponto de vista: "No México, temos a Cinemateca do Sul, voltada para filmes independentes, que vive lotada. Tenho certeza que fazendo uma no Norte, lotaria igual. Tem que ter mais janela para exibir nossos filmes.". Stacy também endossa o debate: "A indústria não vai morrer. Mesmo com a chegada de tantas novas tecnologias, no fim do dia as pessoas querem ver grandes histórias na telona, compartilhando experiências. Ainda existem possibilidades instigantes para o futuro do cinema. Isso tem a ver com design de audiência. Cada filme tem que ter uma campanha especial e específica, e isso pede pessoas apaixonadas, envolvidas e com bastante tempo para trabalhar nisso.".

A partir daí, qual seria o futuro do cinema?

"Acho que a tendência é que filmes sejam vendidos antes de serem feitos. No mundo ideal, distribuidoras independentes já terão seu filme garantido no streaming antes de lançá-lo, como forma de ganhar dinheiro.", analisa Stacy. Já Saravia é mais abstrato: "Ninguém sabe como vai ser o futuro, nem nós da indústria. O mais importante segue sendo ter visão e curadoria, encontrar realizadores únicos e trabalhar com eles, com artistas de verdade, no sentido mais amplo da palavra. Que os produtores consigam se posicionar em um lugar onde outros players querem trabalhar com você.".

Por fim, Teixeira é mais enfático: "O Brasil vai ter uma verdadeira crise de produção. Não vai ter dinheiro, mesmo nesse ano tão vitorioso para o cinema brasileiro. Teremos uma entressafra ruim e isso vai ser bastante percebido lá fora. Estão esperando boas produções nossas para 2020 e 2021 e elas não vão acontecer, já que no nosso país o diálogo não existe. Então tentaremos sobreviver.".

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