Em nova fase, Amana Cine reforça produção de documentários que inspirem mudanças na sociedade

Mariana Genescá no cenário de “O Prazer é Meu”, coprodução da Amana com o GNT (Foto: Divulgação)

A Amana Cine está passando por um novo momento em sua trajetória. Antes conhecida como TVa2, a produtora mudou de nome e está com novos projetos e objetivos. Conhecida essencialmente pelo trabalho com documentários de impacto social, ela traz entre os destaques do portfólio projetos como "Incompatível com a Vida", de Eliza Capai, de 2023, eleito Melhor Documentário pela APCA, além de vencer o É Tudo Verdade, festival que qualifica para o Oscar; e "Espero tua (re)volta", de 2019, da mesma diretora, ganhador dos prêmios da Anistia Internacional e da Paz no Festival de Berlim, além de outros 25 prêmios em mais de 120 festivais.

"Mudamos de nome, mas enquanto escopo continuamos a fazer exatamente o que sempre fizemos, que é esse cinema documental voltado para o impacto social, com filmes que trazem temas sensíveis. Buscamos, em cada projeto, formas originais de contar histórias difíceis e, com isso, provocar e causar reflexões, além de transformações sociais. Acreditamos muito nisso. A mudança de nome veio de um sentimento de que era hora de renovar as energias. Amana significa 'chuva' em tupi, e que para nós tem a ver com essa ideia de lavar, irrigar e fazer brotarem novos projetos", contou Mariana Genescá, produtora executiva que lidera a Amana Cine, em entrevista exclusiva para TELA VIVA

Ela explicou que, apesar de o escopo da produtora continuar o mesmo, um dos grandes objetivos nessa nova fase é o posicionamento no mercado internacional. "Seguimos produzindo e coproduzindo aqui no Brasil e, há um ano, estamos trabalhando nessa expansão e iniciando nossas coproduções internacionais. Nosso último filme foi muito importante nesse sentido. Ele se qualificou para o Oscar, fizemos no final do ano passado uma pequena e amorosa campanha do Oscar nos Estados Unidos, o que preparou o terreno para esse momento agora, em que queremos realmente expandir as fronteiras e fazer alianças com outros países para continuarmos contando as histórias que contamos, mas agora junto de novos parceiros, com outras visões". 

"O Prazer é Meu" inaugura nova fase  

O primeiro projeto lançado pela produtora após a mudança de nome foi a série documental "O Prazer é Meu", narrada pela atriz Mariana Xavier. Com uma abordagem exclusiva sobre a história do prazer feminino, se aprofundando em temas como sexualidade, gênero e diversidade, a produção estreou no GNT no último mês de setembro e está disponível ainda no Globoplay. Eliza Capai é diretora e idealizadora da série, e teve a ideia após um profundo processo de redescobrimento pessoal depois de uma gestação interrompida – história que, aliás, deu origem ao premiado documentário "Incompatível com a Vida". O novo projeto tem como principal objetivo chegar ao cerne da questão de como o prazer foi negado às mulheres ao longo da história e expor diferentes visões sobre assuntos, como educação em sexualidade, padrões de beleza, maternidade e saúde mental nos tempos atuais. O programa reúne entrevistas íntimas de mulheres de diferentes idades, realidades sociais e histórias de vida, além de um homem trans, intercaladas e contextualizados por informações históricas e análises mais profundas de especialistas como a psicóloga e ativista indígena Geni Nuñez, a ginecologista Fátima Oladejo, a psiquiatra Maria Homem, a terapeuta sexual Preta Kiran e artista visual Juliana Notari. A série é coproduzida pelo canal GNT, através do Art.3o A da Lei do Audiovisual, e contou com o investimento da RioFilme em seu desenvolvimento. Donna Oliveira, Clarice Rios e Nathália Oliveira são as roteiristas. 

"Trabalhamos durante muito tempo nesse projeto. Somos uma produtora pequena e fazemos um trabalho muito artesanal. Dedicamos tempo para cada projeto. É nosso modelo de negócio, uma escolha de trabalho mesmo. Ganhamos o edital de desenvolvimento da RioFilme em 2021 e, assim, tivemos tempo para dedicar à pesquisa e nos debruçarmos no desenvolvimento. Quando apresentamos ao GNT, o canal de cara se interessou. Era, de fato, o lugar perfeito para um projeto como esse. Tivemos com o canal uma parceria muito rica e fluida, de muita troca", celebrou.

"As equipes eram majoritariamente femininas em diferentes áreas e, principalmente, traziam lideranças femininas em quase todas, como criação, roteiro e pesquisa. Buscamos trazer diversidade para o projeto como um todo, na frente e atrás das câmeras – é uma premissa que trazemos como produtora, ainda mais para esse projeto", pontuou. Ela reforça o quanto o resultado foi positivo – num ambiente acolhedor, as convidadas se sentiram à vontade para partilharem suas histórias. "Esperamos que, na tela, tenhamos conseguido transmitir o que de fato foi todo esse projeto. Participar dele transformou cada envolvida em seu próprio processo pessoal". 

Democratização dos conteúdos  

Os projetos citados acima incluem tanto filmes quanto séries. O que a Amana tem é o documentário como formato – pelo menos por enquanto, não planeja trabalhar com ficção – mas o tipo de projeto, isto é, série, curta, média ou longa-metragem, além da janela, que pode ser cinema, streaming ou televisão, varia. "Janelas mais variadas o possível nos interessam – e sempre trabalhamos os projetos para além de sua janela principal com uma campanha de impacto. Tentamos distribuir os filmes para que eles cheguem a outros espaços – afinal temos pouquíssimas salas de cinema no Brasil inteiro. Buscamos promover a circulação em espaços públicos e comunitários, escolas, universidades, cineclubes, e sempre disponibilizamos em alguma plataforma de forma que ele fique gratuito para exibições coletivas. É uma premissa de trabalho que temos. Trabalhamos com as janelas comerciais, claro, pois elas são muito importantes. Mas ao mesmo tempo, tentamos contribuir com o acesso e a democratização do cinema, colocando os projetos também em circuito alternativo para chegar ao maior número de pessoas. Firmamos parcerias para todas as janelas", detalhou. 

Novos projetos  

No momento, a Amana tem alguns projetos em diferentes fases de desenvolvimento. Recentemente, acabou de rodar mais um longa documental de Eliza Capai, o "Novas Severinas", uma coprodução com a Globo Filmes e a Globonews, também com o apoio da RioFilme, que contou ainda com recursos do Göteborg Film Fund, de 2020, que foi fundamental para o desenvolvimento. "Esses fundos são muito importantes para produtoras de pequeno porte, que não têm tanto fôlego. São cruciais. Com ele, conseguimos ir para Guaribas, no sertão do Piauí, onde rodamos o filme, para primeiro fazer uma pesquisa in loco e produzir um teaser. Agora, vamos começar a montagem", revelou Genescá. 

Em 2013, Capai filmou um curta chamado "Severinas" nessa mesma cidade de Guaribas, no Piauí. A produção mostrava os impactos do Programa Bolsa Família, que teve início em 2003, com foco nos casos em que a mulher passou a ser a beneficiária, isto é, quem recebia o dinheiro. "As mulheres colocavam os filhos na escola, enquanto os homens gastavam com bebida, por exemplo. É um pouco do padrão que infelizmente acontece. Com as mulheres beneficiárias, a dinâmica do local mudou. Aumentou a taxa de divórcios, por exemplo, porque as mulheres pararam de se submeter a uma série de violências domésticas e se tornaram donas de suas vidas e seus futuros", disse. Na época, Capai ouviu meninas, ainda crianças, sobre o que elas sonhavam já dentro desse novo horizonte. Agora, a diretora retorna à cidade e ouve as mesmas meninas, agora mulheres, para mostrar o que aconteceu nesse período – em que o Brasil se transformou de muitas maneiras, com mudanças políticas, econômicas e a pandemia também, vale mencionar. "A ideia é fazer um retrato geracional do Brasil a partir da vida dessas mulheres. Queremos retratar o Brasil profundo, dando o protagonismo a elas. Essa é, inclusive, uma marca do trabalho da Eliza: ela sempre busca trazer essas pessoas, que no documentário chamamos de personagens, para serem de fato protagonistas, para que elas participem da história, do processo criativo de como elas querem ver suas histórias contadas na tela", destacou a produtora. 

Outro projeto é o "Pau D'Arco", uma coprodução com o Repórter Brasil dirigida por Ana Aranha, que acompanhou por sete anos sobreviventes da chacina que aconteceu na cidade do Pará que dá o nome ao filme em maio de 2017, quando dez trabalhadores rurais sem-terra, nove homens e uma mulher, tiveram suas vidas brutalmente tiradas durante uma ação policial na fazenda que eles ocupavam. "A Ana fez esse trabalho incrível de acompanhar os desdobramentos trágicos que aconteceram nesses anos e documentou tudo". O filme, que encontra-se em fase final de edição, deve ser lançado no ano que vem, aproveitando a ocasião da COP 30, que será sediada justamente no Pará. "Queremos usar o momento para trazer esse filme à tona". 

Um terceiro projeto é o segundo longa da diretora Natasha Neri, do documentário "Auto de Resistência" (2018), este em parceria com uma diretora do Complexo da Maré, do Rio de Janeiro, chamada Gisele Martins. O filme é uma coprodução da Amana com a Baracoa Filmes, também do Rio, e é um projeto para 2025. A lista segue com um documentário do diretor Douglas Duarte, em fase de produção, que vai falar sobre psicodélicos, e o curta "Cartas Pela Paz", em finalização, uma coprodução com a JAC Produções e a Piloto Filmes, também financiado pela RioFilme, que vai mostrar cartas escritas por crianças moradoras de favelas do Rio pedindo o fim das operações policiais nas favelas da forma que elas acontecem. "É um curta que vai trazer a visão das crianças sobre esse tema tão sensível e urgente, às vésperas da votação da ADPF das favelas pelo STF".

Impacto social em múltiplas frentes 

Olhando para essa carteira de projetos – os já lançados e os que ainda estão por vir – Genescá reflete: "São temas relacionados a direitos humanos e causas sociais. Temos essa motivação mesmo. Aquela ideia de tentar fazer alguma coisa, impactar de alguma maneira. Queremos contar histórias que são potentes e capazes de sensibilizar, criar empatia. Cada projeto é um desafio novo. Lidamos com temas sensíveis, enfrentamos situações complicadas ao longo das produções. Estamos sempre negociando muito, conversando com muitas frentes. O caminho passa por entender, com muito respeito, qual o nosso lugar nisso tudo". 

A produtora ainda fala sobre o tal impacto social que os projetos almejam: "Costumo dizer que o impacto é tudo. Queremos mudar as coisas – e aí pode ser desde leis e a política até pequenas mudanças de hábitos e perspectivas das pessoas. Às vezes, conseguimos essas transformações maiores, mas se uma pessoa que assistir a um filme nosso já mudar sua maneira de pensar, teremos feito a diferença. E aí entra um impacto social que nem temos como mensurar. Mas acreditamos em todos os tipos de impacto. Os filmes ficam. As pessoas que assistem se sentem acolhidas, se abrem para compartilhar suas próprias histórias. Criamos conexões com o público que nem imaginamos". 

 

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