Mariana Genescá, da Amana, produtora de documentários, critica regras atuais do FSA

Mariana Genescá (Foto: Divulgação)

Mariana Genescá está à frente da produtora carioca Amana Cineantiga TVa2, a empresa mudou de nome recentemente. Conhecida essencialmente pelo trabalho com documentários de impacto social, ela traz entre os destaques do portfólio projetos como "Incompatível com a Vida", de 2023; "Espero tua (re)volta", de 2019, ambos premiados no Brasil e no exterior; além da série documental "O Prazer é Meu", de 2024, uma coprodução com o GNT lançada no último mês de setembro, também disponível no Globoplay. Todos esses são da diretora Eliza Capai, com quem a produtora mantém uma firme parceria. 

Nesse processo de produzir conteúdos documentais, a produtora lida com diversos desafios, sendo a distribuição um deles. "A questão da distribuição é um desafio enorme para o cinema como um todo. Temos um número muito pequeno de salas e os desafios de público – para o documentário, isso é ainda mais sensível. Quando conseguimos estrear nos cinemas, são pouquíssimas sessões, em horários alternativos, que tornam difícil as pessoas irem assistir mesmo", pontuou Genescá em entrevista exclusiva para TELA VIVA

Mas, um desafio ainda maior e mais urgente está no Fundo Setorial do Audiovisual, o FSA. "As regras atuais privilegiam o desempenho comercial nas salas de cinema – e isso considera apenas os bilhetes vendidos no Brasil. Não conta sessões fora do país nem outros tipos de licenciamento – que, no caso do documentário, são muitos. Na Amana, temos distribuição educacional, exibições em universidades mundo afora. Além das salas de cinema, os circuitos comerciais de outros países, o VOD… E nada disso é contabilizado. O documentário não tem como competir com a ficção nesse lugar", enfatiza. "Hoje, o que pesa na composição da nota é o desempenho comercial da produtora, do diretor e da distribuidora. Uma produtora como a Amana, que só faz documentário, trabalha com documentaristas e com distribuidoras de documentários. Então ninguém tem pontuação alta de desempenho comercial. Somos uma produtora nível 4 na Ancine – porque estamos há bastante tempo no mercado, temos um bom número de obras produzidas – e, mesmo assim, não acessamos o FSA para fazer cinema. A gente nem inscreve projetos porque sabe que eles ficariam dentro dos 85% que são descartados sem sequer serem lidos. Não chegamos nem na nota de corte. Com o FSA, não podemos produzir. Esse é o cenário. Isso é muito grave, e precisa ser falado", defende. Genescá deixa claro que o market share nas salas de cinema é importante e precisa mesmo ser valorizado – não é essa questão, e sim que o FSA precisa distribuir recursos para todos os tipos de projetos. 

A Amana tem diversos filmes de desempenho artístico relevante, que chegaram a lugares muito importantes. Mas, na configuração atual, não consegue fazer novos filmes com recursos do FSA. "Incompatível com a Vida", por exemplo, foi eleito Melhor Documentário pela APCA, além de vencer o É Tudo Verdade – festival que qualifica para o Oscar – em 2023, e "Espero tua (re)volta" foi ganhador dos prêmios da Anistia Internacional e da Paz no Festival de Berlim, além de outros 25 prêmios em mais de 120 festivais, com exibições bem sucedidas em salas de cinema internacionais, em países como o Japão, onde ficou em cartaz por mais tempo do que no circuito brasileiro. 

Novidades em vista

Aqui, vale dizer que, pouco tempo após a entrevista, o Comitê Gestor do FSA aprovou o Plano de Ação 2024, acompanhado de um conjunto de premissas e objetivos para a aplicação de recursos do Fundo Setorial. Nas novas Chamadas Públicas denominadas de "Seletivas", tanto para Cinema quanto para TV/VoD, foram aprovados novos procedimentos para a seleção de projetos de produção, com etapas de habilitação e de decisão de investimento. Foram adotados novos critérios de avaliação, preliminar e final, para a etapa de decisão de investimento. Além disso, tais Chamadas contam com uma cota para empresas produtoras de níveis 1, 2 e 3, de acordo com a sua classificação na Ancine. Foram também definidas faixas de investimento para cada um dos cinco níveis de classificação das empresas produtoras. 

"A publicação das atas era algo que não acontecia há muito tempo. Estávamos sem informação de nada – então isso, por si só, já é uma vitória", celebrou a produtora numa nova conversa realizada nesta terça, 8. "Claro que ainda temos de entender quando esses editais serão implementados, e de que forma serão, mas já temos um apontamento de que o edital seletivo de cinema terá uma outra mecânica, com outras regras, que indicam um caminho muito positivo no qual todos os projetos serão lidos e, de fato, avaliados. Segundo essa publicação, não teremos mais o descarte de projetos por uma nota automática de desempenho comercial, que era a minha maior crítica. Considero uma vitória voltarmos a ter editais seletivos democráticos, amplos e abertos, com as cotas dentro dessa linha. Nesse cenário, a Amana, a princípio, poderia voltar a inscrever projetos", completou. 

Apesar de estar mais otimista, Genescá ressalta que esse é um primeiro passo, e que ainda há muita coisa a ser feita: "Essa política está sendo aplicada em uma linha do FSA. Há diversas outras que ainda apresentam um modelo de bastante concentração, que é algo que eu questiono enquanto política pública, além da questão específica do documentário – aparentemente, ainda estamos com uma chamada única para todos os tipos de filmes, por isso precisamos nos atentar em como isso será aplicado na prática para que tenhamos documentários sendo contemplados. Os projetos serão avaliados por mérito, o que é muito interessante, mas serão avaliados documentários, ficções e animações igualmente, então as comissões de seleção precisarão ser diversas, com pessoas de todos os gêneros do audiovisual. Ainda temos muitas questões sensíveis que deverão ser atentamente observadas e melhoradas. Mas já tivemos um motivo para ficarmos mais animados. Agora, é seguir conversando para que tenhamos mais melhorias". 

Falta de diálogo e planejamento

Inicialmente, Genescá falou também sobre como a situação atual não condiz com o plano político que foi apresentado no início do governo Lula, em 2023. "Temos que poder dialogar e criticar, especialmente com esse governo. Com o anterior, era mais uma questão de apenas sobreviver. Mas, agora, precisamos conseguir trocar, trazer esses problemas à tona, estreitar o diálogo com a Ancine, com a SAV e com o MinC. Esse diálogo não está acontecendo", sinalizou. Outra crítica é a respeito da ausência de um calendário, o que impede as produtoras audiovisuais de fazerem planejamentos mais específicos. "Para coprodução internacional, por exemplo, é essencial que eu apresente um planejamento do financiamento da minha parte no Brasil. E, hoje, não conseguimos ter esse planejamento. Não sabemos quando será aberto um novo edital que eu possa pensar em concorrer", afirmou. 

Falando nas coproduções internacionais, ela citou o edital aberto pela Ancine no início do ano, e que teve um número recorde de inscrições – o que acabou justamente atrasando o anúncio da seleção. "Mas esse edital só teve tantas inscrições porque foi o único que se propôs a ler todos os projetos, sem esse descarte automático por desempenho comercial. Projetos que nem tinham sido pensados como coproduções correram para adaptar, porque foi a única chance que se apresentou de acesso ao fomento público. No fim, a linha vai gerar uma análise de dados distorcida. Claro que há demanda para coprodução internacional, mas o caso desse edital é uma consequência de uma política que não está sendo feita da forma correta. Nessa linha, as pessoas entenderam que o projeto seria lido e analisado, então apostaram nela". 

Por fim, Genescá lamentou que o setor não tenha sentido a grande virada de chave que se esperava. Paira no ar uma sensação de que as coisas não mudaram. "Na Amana, estamos num momento de celebração, de renovação, de lançamento de projetos em que trabalhamos por anos. Mas o momento do mercado é muito sério", concluiu. 

 

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