"O cinema hoje reduz os impactos negativos da falta de regulação do VoD", diz presidente da Ancine 

Alex Braga e Tiago Mafra dos Santos (Foto: Ellen Soares e Fabiano Bataglin)

Nesta quarta-feira, dia 9 de outubro, o diretor-presidente da Ancine, Alex Braga, e o ex-diretor Tiago Mafra do Santos, que é o atual secretário de regulação da Agência, apresentaram o painel "Perspectivas e Desafios da Produção, Distribuição e Exibição Cinematográfica" na Expocine 2024, em São Paulo. 

Braga abriu sua fala ressaltando que a Ancine preza por tratar o audiovisual no contexto de uma política industriale que essa é a melhor forma de resolver os desafios do setor. "A indústria criativa é estratégica e representa o novo motor de crescimento da economia. Nossa referência, que não é nova, é o modelo sul-coreano. Não se trata de apenas replicar, sem considerar as características específicas do Brasil ou as particularidades da nossa cultura, e sim entender que é um modelo exitoso, que ilustra, através de exemplos, os efeitos positivos que tratar o audiovisual e a cultura como indústria traz para a sociedade". Nesse sentido, ele lembrou que são gerados mais de R$ 25 bilhões pela indústria audiovisual anualmente e destacou que, entre as principais características desse mercado, que também se colocam como vantagens, estão a alta demanda por novidades; o caráter de desenvolvimento tecnológico; a inovação, que é intrínseca ao audiovisual; além dos altos graus de empregabilidade e remuneração. 

A partir dessa ideia de tratar a indústria criativa como estratégica e principal motor de crescimento da economia, o presidente defende a construção de políticas públicas com ênfase no fomento à produção brasileira independente; no estímulo aos canais de transmissão; na promoção da internacionalização da produção brasileira; e no desenvolvimento técnico, fortalecendo a formação, capacitação e qualificação dos profissionais. 

Cinema no foco 

Braga afirma que a Ancine entende que o cinema ainda é a principal janela para o filme brasileiro. "Buscamos uma política estruturada e constante que dê conta dos diferentes momentos e realidades do parque exibidor brasileiro – como tivemos a digitalização, a pandemia, e agora a fase marcada pelas linhas de crédito de inovação e infraestrutura para que esse parque cresça. Destacamos as regiões Norte e Nordeste como foco para construção de novas salas de cinema. Com mais salas, teremos mais espaço para a produção brasileira e fortaleceremos nossa distribuição", pontuou. 

"A própria regulamentação do VoD – que se faz necessária e estratégica – vai fortalecer a sala de cinema. Existe uma clara conexão entre esses dois pontos", disse o presidente, enfatizando que o cinema hoje reduz os impactos negativos da falta de regulação do VoD. Ele explica essa visão: "Temos uma política de incentivo e proteção do conteúdo e da propriedade brasileira das produções cinematográficas. Então os filmes que estreiam nos cinemas chegam ao VoD em melhores condições de negociação e licenciamento pelos produtores. E digo melhores condições – não exatamente boas ou ideais condições. Mas melhores. Para ser ideal, precisa existir um casamento perfeito entre a regulação do mercado de exibição e do segmento de streaming". Braga ainda reiterou: "O cinema é o motor da indústria audiovisual, que por sua vez, é o motor de crescimento da economia brasileira. Esse cinema terá preservadas suas características de desenvolvimento e inovação e vai compartilhar seus efeitos positivos com os demais elos da cadeia – principalmente o VoD". 

Parte essencial dessa estratégia também é a política regulatória para o cinema, que preserva o segmento na sua condição e na sua posição. "Nossa conclusão é que os grandes lançamentos são muito importantes para a estratégia do audiovisual brasileiro. O número de salas onde há estreias de filmes brasileiros tem correlação com o sucesso do lançamento desses filmes. Nesse caminho, destaco a cota de tela, que está num momento especial de renovação. Uma cota agora por sessões. Se antes se disputava o espaço, hoje se disputa a melhor posição nesse espaço", disse.

Olhando para os números recentes, a Ancine enxerga um momento de retomada e recuperação da quantidade de salas e sessões – mas, no Brasil e no mundo, uma retração de público. "No Brasil, não houve uma redução no número de salas, somente de público. No mundo, a redução foi tanto na quantidade de salas quanto na bilheteria. O parque exibidor do Brasil é resiliente – se manteve na pandemia com ajuda de programas e linhas de crédito de governo. Hoje, mantemos e preservamos a atividade, ao mesmo tempo que investimos na expansão do parque. A discussão agora é como propiciar grandes lançamentos de filmes brasileiro nessas sessões". 

Cenário atual 

Tiago Mafra dos Santos, secretário de regulação da Ancine, falou sobre o ciclo de oitivas com representantes do setor audiovisual promovido pela Agência visando avaliar a cota de tela de 2024 e discutir os parâmetros para a cota de 2025. O primeiro encontro foi realizado no início deste mês de outubro. Na ocasião, a Secretaria de Regulação apresentou um panorama detalhado do mercado exibidor brasileiro, destacando os indicadores mais recentes. Conforme citou o presidente, em 2024, o setor de exibição, no que tange ao número de salas e de sessões ofertadas, se recuperou e voltou a níveis pré-pandemia. Até 27 de setembro, o Brasil contava com 3.464 salas de cinema em operação, evidenciando a resiliência do parque exibidor após três anos de crescimento consecutivo.

No que se refere ao público, 2024 manteve uma trajetória de estabilidade, com 90 milhões de espectadores até setembro, em comparação aos 88 milhões no mesmo período de 2023. Embora o público total e o número de salas tenham permanecido estáveis, o market share dos filmes brasileiros ainda apresenta desafios. Em 2024, até a semana cinematográfica 37, que terminou em 18 de setembro, a participação do público em produções brasileiras foi de 8,3%, com mais de 7,5 milhões de público, um aumento significativo em relação a 2023 (3,7 milhões de espectadores), mas ainda distante dos níveis pré-pandemia, como os 24,2 milhões de 2018 e 24,1 milhões de 2019. O mesmo comportamento se verifica com os filmes estrangeiros, que tiveram 152,9 milhões de espectadores em 2019 e 110,3 milhões em 2023 – uma queda de aproximadamente 28%. Um dado positivo é o aumento do número de sessões programadas para filmes brasileiros, que representaram, até 18 de setembro, 14,5% do total em 2024, enquanto a participação dos filmes brasileiros no público total foi de 8,3%. Confira outros dados aqui

Pensando especificamente no cinema nacional, Mafra pontua: "Hoje, não acreditamos que o desafio envolva o aumento da obrigatoriedade do exibidor, e sim por outras ações, como divulgação, que está mudando. Nota-se um desengajamento dos radiodifusores, que eram meios mais tradicionais, nessa divulgação dos filmes. Enxergamos a recuperação desse movimento com mais adoção da rede social. Filmes como 'Barbie' e 'Deadpool', por exemplo, se valem dessas divulgações, assim como parece que vai acontecer com 'O Auto da Compadecida 2'. São novos modelos de divulgação, que visam um melhor casamento entre sessões e público". 

Sobre a cota de tela, o secretário trouxe novidades acerca da fiscalização, e adiantou que, a partir de novembro, os grupos exibidores passarão a receber por e-mail, mensalmente, relatórios de fiscalização do cumprimento da cota, organizados em percentuais de obrigação, que deverão ser assinados nessa periodicidade mensal.  

Rentabilidade sistêmica 

O presidente avalia que a atual estratégia se combina a uma política de fomento aderente à lógica industrial: "Temos a convicção de que investimentos públicos aumentam resultados de bilheteria. Filmes que contam com financiamento público, principalmente instrumentos que, num primeiro momento, induzem e favorecem a parceria entre produtores e distribuidores, representam melhores resultados. Temos que focar em grandes lançamentos e temos essa convicção dos resultados de bilheteria". 

No entanto, ele ressalta: "Olhar pra grandes receitas, pra grandes lançamentos, não significa deixar em segundo plano filmes menores ou filmes de nicho – ao contrário. A dinâmica do mercado audiovisual ela produz um ciclo positivo, a chamada rentabilidade sistêmica. O audiovisual envolve muita incerteza e muito risco. O que o estado tem de fazer é trabalhar numa lógica de portfólio, de catálogo, então financiar um conjunto de obras: maiores, menores, de nicho. É investir indistintamente na produção. A lógica da rentabilização do portfólio justifica e valida os investimentos nas pequenas obras. Os grandes lançamentos devem ser celebrados, porque eles explicam e validam essa política de fomento por carteira. O investimento de forma sistêmica olha sempre o todo, reunindo produção, distribuição e exibição". 

Braga volta a dizer que a Agência não deixa de ter em perspectiva não só a modernização, mas também a ampliação do parque exibidor brasileiro, e cita as linhas de crédito e o apoio ao pequeno exibidor como formas de induzir e apoiar essa atividade.

Plano de Ação

O presidente mencionou que, a partir desse diagnóstico, a Ancine definiu objetivos gerais do Plano de Ação 2024, que incluem ampliar a participação das obras brasileiras no segmento de salas de exibição, em termos de oferta, inserção e de alcance de bilheteria; ampliar a oferta e a presença dos conteúdos audiovisuais brasileiros nos segmentos de televisão, aberta e por assinatura, e nas plataformas digitais; fortalecer as empresas do setor audiovisual; promover a regionalização do fomento ao setor audiovisual; promover a participação de novos talentos e empreendedores no acesso aos recursos; e promover a representatividade étnico-racial e de gênero nas produções brasileiras.

"Uma política industrial é aquela que gera emprego, renda e inclusão. Os objetivos demonstram que esses valores convivem no escopo de uma política industrial. E é essencial a compreensão, a adoção e a defesa desse modelo pra que as estruturas e governanças do audiovisual se organizem e funcionem numa lógica de política industrial", assinalou Braga, que falou ainda sobre outros pontos do novo Plano de Ação, como as Linhas de Crédito do FSA 2024 para projetos de infraestrutura, projetos de inovação e acessibilidade e projetos de conteúdo, comercialização, capacitação, formação e qualificação. 

"Esse novo plano também permite que produtoras decidam sobre o desenvolvimento de projetos e distribuidoras façam parcerias com produtoras para financiar desenvolvimento de projetos e também tomar decisões sobre investimento da comercialização de projetos da sua carteira. É um primeiro passo na combinação do desenvolvimento da produção e da comercialização", destacou.

Divulgação de dados 

Por fim, o diretor-presidente afirmou que todos esses movimentos podem ser acompanhados e monitorados. A Ancine vem anunciando seus painéis interativos, onde é possível acompanhar evolução do parque exibidor brasileiro, a perfomance do filme brasileiro, quantos agentes econômicos atuam no mercado brasileiro, onde eles estão localizados, qual o perfil da produção brasileira e das coproduções internacionais, entre outros dados. "Queremos oferecer transparência e previsibilidade, orientando o mercado a partir de dados e informações para um melhor processo de tomada de decisões", concluiu. 

Mafra também ressaltou a importância dos dados e dos painéis interativos: "A Ancine vem tomando um novo rumo e avançando nesse processo de obtenção de dados, assim como no rigor no tratamento dessa base de dados. As políticas públicas devem ser baseadas em evidências. Para adotar uma política como a cota de tela, por exemplo, você precisa ter esses dados expandidos, e abri-los para a sociedade. Isso dá suporte ao processo legislativo também". 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui