Cobrança de ICMS em São Paulo sobre bens digitais abrirá disputa judicial

taxas, impostos, carga tributária

No fim do ano passado, pouco antes do Natal, o governo do Estado de São Paulo publicou um decreto determinando a cobrança de ICMS sobre bens e mercadorias digitais. É o primeiro estado a seguir resolução do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), datada de outubro do ano passado, que abriu espaço para a cobrança de ICMS sobre o que chama de "operações com bens digitais". A alíquota paulista ainda não foi definida, mas o decreto informa que a cobrança começará em abril. O problema é que o texto generaliza a definição de bens e mercadorias digitais e conflita com a Lei Complementar Federal 157/2016, que determina a incidência de ISS sobre serviços de streaming de conteúdo. Agora é esperada uma enxurrada de ações judiciais contra o decreto paulista, movidas tanto por empresas de conteúdo digital quanto por associações do setor.

O Decreto Estadual 63.099, publicado pelo governador paulista Geraldo Alckmin em 23 de dezembro de 2017, estabelece que será cobrado ICMS do "site ou a plataforma eletrônica que realize a venda ou a disponibilização, ainda que por intermédio de pagamento periódico, de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados". O problema é que esta redação pode abranger praticamente qualquer serviço digital, desde download de aplicativos e vendas in-app até newsletters de notícias, passando por streaming de filmes e de música.

Por outro lado, ao longo de 2017, diversos municípios paulistas incluiram o streaming em sua lista de serviços pelos quais cobrarão ISS, dentre os quais São Paulo (capital), Barueri, Guarulhos e cidades do grande ABC, seguindo a lei complementar federal 157/2016. O problema é que sobre um mesmo serviço ou produto não podem incidir dois impostos diferentes. Ou seja, não se pode cobrar ICMS e ISS ao mesmo tempo de um mesmo bem ou mercadoria digital.

Outro ponto polêmico é que o decreto estadual define que o ICMS deve ser recolhido pelo Estado onde reside o consumidor final, seguindo o que havia sido decidido na referida resolução do Confaz. Especialistas advertem, contudo, que isso exigirá das empresas um complexo trabalho fiscal e contábil de recolhimento de ICMS em todos os estados onde possuem assinantes, o que seria demasiadamente custoso e inviabilizaria a operação nacional de companhias de menor porte.

Análise

O advogado Rafael Pellon, sócio do escritório FAS Advogados e especializado em direito digital, explica que a resolução do Confaz procura repor as perdas de arrecadação que os estados tiveram nas duas últimas décadas com a transformação da indústria de software deflagrada pela Internet. Quando softwares eram vendidos como produtos, na forma de CDs e DVDs, não havia dúvida de que deveria ser recolhido o ICMS. Mas a sua posterior virtualização provocou um questionamento de ordem fiscal: a partir do momento que o suporte (CD, DVD etc) deixa de existir e os softwares são baixados da Internet ou acessados através da Internet, eles continuam sendo produtos? Paralelamente, muitos desenvolvedores passaram a cobrar uma assinatura pelo acesso ao seu software, em vez da venda da licença. É o modelo de negócios chamado de software como serviço (SaaS, na sigla em inglês), ou seja, o próprio nome induz que seria um serviço, não um produto. E, se for de fato um serviço, tem que pagar ISS, não ICMS.

"Software é produto ou serviço? Ninguém sabe responder. Existem argumentos para defender cada uma das teses. A falta de uma legislação definitiva ocasiona esse tipo de disputa", comenta Pellon. "Com esse decreto o governo de São Paulo está provocando a discussão para se definir os limites. Chegou a hora de resolver essa questão", acrescenta.

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