Na reta final de janeiro, a Spcine, empresa estatal vinculada à Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa de São Paulo (SMC), comemorou dez anos de atuação. Ao longo dessa década, ela se consolidou como um importante agente de fomento ao setor audiovisual na cidade, investindo em produção, formação, difusão e internacionalização do cinema.
Desde 2015, a Spcine investiu R$ 106 milhões em 718 projetos audiovisuais, incluindo longas, curtas, séries e games. Em 2024, através dos recursos da Lei Paulo Gustavo destinados ao audiovisual paulistano, investiu R$ 53 milhões em 183 projetos. Desde a sua criação, a Spcine tem trabalhado para fortalecer a presença do audiovisual paulistano no cenário internacional – isso se reflete tanto na atração de produções estrangeiras para a cidade quanto no apoio à exportação de conteúdos produzidos em São Paulo e na busca por parcerias de coprodução.
A São Paulo Film Commission (SPFILM), braço da Spcine responsável por atrair produções audiovisuais para a cidade, atendeu 7.604 projetos desde a sua criação, em 2016. Em 2024, a SPFILM bateu recorde de atendimento com 1.168 produções. Em 2021, a Spcine foi pioneira no Brasil no lançamento do programa Cash Rebate, outra política de incentivo a filmagens que visa atrair produções cinematográficas estrangeiras ou nacionais de grande alcance internacional. O sucesso da iniciativa levou à ampliação dos recursos para a segunda edição, com R$ 40 milhões investidos em 2022 em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas. Atualmente, a terceira edição do programa está em desenvolvimento.
A Spcine também tem atuado na internacionalização do audiovisual da cidade, por meio de missões internacionais e editais de apoio à participação em eventos no exterior. Entre 2020 e 2024, cerca de 50 produtoras e 60 profissionais foram beneficiados por essas iniciativas. A empresa se destaca ainda atuando na difusão e democratização do acesso, formação de talentos e inovação e fomento ao setor de games.
Confira abaixo uma entrevista exclusiva com Lyara Oliveira, presidente da Spcine, na qual ela fala sobre algumas das principais iniciativas já consolidadas pela empresa e apresenta suas perspectivas para o futuro.
Entrevista
A São Paulo Film Commission é pioneira e serve de inspiração para diversas outras film commissions ao redor do país. De que forma você avalia a importância de atrair cada vez mais produções audiovisuais para a cidade de São Paulo?
Desde 2016, temos aqui em São Paulo a film commission, que é o braço da Spcine que gerencia todas as filmagens que são feitas em espaços públicos da cidade. A existência da film commission por si só – fortalecida, operando bem, facilitando os processos e entendendo a forma de operar do setor audiovisual – ja é um grande benefício para a cidade de São Paulo e um fator importantíssimo quando a gente fala em atrair filmagens para a cidade. Esse é o ponto inicial. Se queremos que empresas de fora de São Paulo e até de fora do Brasil queiram filmar aqui, a film commission é o ponto de partida. A partir daí, temos outras ações que são igualmente importantes. O fortalecimento que a Spcine busca fazer do setor produtivo do audiovisual aqui na cidade, entendendo as empresas, as necessidades delas, passa também por compreender que esse grande escopo das empresas do audiovisual engloba, sim, uma grande parte de produtoras – mas, para além delas, é importante que tenhamos também empresas locadoras de equipamentos, de estúdios, de pós-produção, de áudio… Tudo isso complementa o rol de empresas do audiovisual que são necessárias para que as produções que vêm de fora se sintam confortáveis para filmar aqui, e que encontrem na cidade bons profissionais à disposição e infraestrutura para receber essas grandes filmagens.
A política de cash rebate também é pioneira. O que você pode adiantar sobre a próxima edição do programa?
O cash rebate é um terceiro ponto importante nessa política de atração de produções para a cidade de São Paulo. O programa proporciona um retorno financeiro para empresas que vêm filmar aqui e comprovadamente gastam recursos na cidade, e vale também para coprodução ou prestação de serviços destas empresas do setor. Falando em cash rebate, o mais importante é que ele tenha continuidade – nos espelhamos em programas parecidos que já existem mundo afora visando justamente a sua continuidade. Nesse sentido, nós já tivemos em São Paulo dois ciclos de cash rebate. Ainda temos o segundo em aberto, com alguns recursos disponíveis para serem acessados por empresas e produtoras, e estamos no momento trabalhando na construção e na elaboração do lançamento do terceiro, ou seja, fazendo uma análise dos objetivos que foram alcançados, do que faltou alcançar, onde precisamos trabalhar e o que temos de aprimorar. Pensamos ainda em quais outros tipos de produções audiovisuais podemos atrair para a cidade. Tudo isso vai entrar no escopo do cash rebate três. Acreditamos que a política do audiovisual tem que ser viva, contemporânea e atual. É por isso que temos cash rebate um, dois, três. Não adianta lançarmos um edital e deixá-lo um tempão aberto, colocando um monte de dinheiro. O setor audiovisual é muito dinâmico, e é importante que a gente vá acompanhando esse dinamismo. Em todos os anos surgem novos modelos de negócio, novas empresas, ou empresas grandes se fundem… Por isso precisamos sempre atualizar a nossa politica do audiovisual.
E ainda dentro desse assunto, como se dá a parceria entre a Spcine e o Governo de São Paulo para fortalecer o programa?
Em 2022, quando começamos a desenvolver o cash rebate dois, a gente tinha resultados excelentes do primeiro ciclo. Lançado em 21, ele já tinha alcançado um êxito fenomenal. Tínhamos números muito bacanas para mostrar, os recursos se esgotaram rapidamente. Continuamos nessa construção para pensar como seria o segundo ciclo. Era o momento da gente conseguir mostrar para a gestão publica da cidade de São Paulo os bons resultados da primeira edição. Com esses bons resultados, e com a prefeitura tendo entendido a importância do programa, nós fomos atrás de uma parceria com o Governo do Estado, que já tinha se mostrado interessado. Foram alguns meses de trabalho para então conseguirmos lançar uma segunda edição muito maior – com mais recursos da Prefeitura e, agora, do Governo. Foi lançado um edital com vários módulos e diferentes possibilidades para as empresas que viriam para cá. O edital ficou extenso, conseguimos que ele tivesse uma duração maior para alcançarmos objetivos mais ambiciosos do que os que já tinham sido alcançados no primeiro ciclo. Equipes do Governo, da cidade, do setor audiovisual e da Spcine trabalharam juntas para construir esse segundo edital, que contou com um valor muito maior do que o primeiro: tivemos R$ 20 milhões aportados pela Prefeitura e outros R$ 20 milhões pelo Governo do Estado. Desta forma, o projeto pode crescer em orçamento e duração, e firmamos essa parceria com novas frentes, trazendo o governo junto.
Em relação às missões internacionais e editais de apoio à participação em eventos no exterior, quais são os planos nesse sentido para 2025?
O programa de internacionalização da Spcine já existe há bastante tempo, mas ficou suspenso durante o período da pandemia, quando não tivemos os eventos nacionais e internacionais. Ele complementa as ações da Spcine no sentido de que nós entendemos que uma questão extremamente estratégica é a circulação – tanto de profissionais e empresas paulistanas quanto dos produtos audiovisuais paulistanos. Hoje, o setor audiovisual é um setor global. Toda produção pequena, média ou grande pode ter circulação internacional. As plataformas de streaming, principalmente, abriram essas possibilidades. Mas não só elas – hoje em dia temos muitos festivais, ações de curadoria, mercados internacionais… A Spcine entende como importante e estratégico proporcionar que empresas, profissionais e obras paulistanas possam estar no mundo. Para isso, temos um programa de internacionalização que é desenhado a cada ano. Tem um orçamento próprio e entra num plano de trabalho da Spcine.
Essas ações tentam cobrir uma gama variada de eventos – a Spcine promove missões para lugares diferentes e também para tipos de eventos diferentes. No início, íamos apenas para alguns dos principais eventos mais consolidados, os mais históricos, digamos assim, como Cannes e Berlim. Aos poucos, a gente cresceu esse programa de internacionalização e ele pode chegar a outros mercados – como Canadá, ou mais missões pros Estados Unidos, com eventos variados no país, e ampliamos também aqui na América Latina. No continente, a Spcine só ia para o Ventana Sur, mas começamos a incluir também o BAM, que é um importante mercado para o setor audiovisual que acontece na Colômbia todos os anos. E pela primeira vez a Spcine esteve presente em eventos de mercado no continente africano, que se abre como uma porta de negociação para o audiovisual brasileiro. Também pela primeira vez fizemos uma missão para a Ásia. Levamos uma delegação de grandes empresas aqui de São Paulo para essa missão inédita, que passou por Tóquio, no Japão, e Busan, na Coreia do Sul.
É um programa extremamente estratégico, onde se beneficiam desde jovens talentos do audiovisual, empresas produtoras médias, que já tenham histórico no setor, mas que muitas vezes não conseguem ter um estofo para entrar no jogo da internacionalização, e até mesmo grandes empresas do setor paulistano, que também participam dessas missões. Obviamente a gente não precisa ajudar uma grande produtora paulistana a ter sua participação em Cannes, por exemplo, mas ela se beneficia quando a gente monta essas missões porque dentro delas não cabe só patrocinar a ida de uma pessoa, empresa, produto ou projeto audiovisual. Existe toda uma estrutura, que começa anteriormente aos eventos – com atividades de formação e encontros entre os profissionais que vão participar das viagens – e, durante, temos uma agenda conjunta para essas empresas, com encontros de negócios e visitas a estúdios e produtoras, entre outras atividades. Quando fizemos essa missão para a Ásia, que foi inédita, muitas produtoras estavam indo pela primeira vez ao continente. Isso nos enche de orgulho. Essas ações são necessárias e o setor audiovisual se beneficia muito com cada uma dessas missões.
Pensando ainda nos talentos, quais iniciativas da Spcine você destacaria na área de formação?
A área de formação dentro da Spcine foi criada em 2019. Ela começou tímida, era uma área que inicialmente não tinha recursos próprios. Mas aos poucos fomos entendendo, no diálogo junto ao setor audiovisual, o quão importante era que a gente fomentasse ações de formação. Começamos com o “Formação Spcine Convida”, que foi criado em 2021 e existe até hoje. São várias ações de contrapartida de eventos e projetos que a Spcine patrocina. Temos masterclasses, oficinas e cursos curtos, que aconteceram online durante a pandemia, tiveram resultados excelentes e, depois que voltamos para o presencial, passaram a acontecer de forma híbrida.
Essas oportunidades são bastante amplas. Qualquer pessoa que se interesse, sendo profissional da área ou não, pode participar. Conforme fomos percebendo que essas ações eram necessárias e estavam dando um bom retorno, entendemos que era hora de ampliar e complexificar nosso fomento à formação. A Spcine criou então seu plano de aprimoramento profissional para o setor audiovisual paulistano. Nesse plano, a Spcine patrocina uma série de cursos, e aí é diferente porque não somos nós que fazemos os cursos. Nós patrocinamos instituições que são reconhecidas no setor audiovisual e que recebem o patrocínio da Spcine para criar cursos específicos para o setor paulistano, e aí nós oferecemos vagas gratuitas para esses cursos.
No primeiro ano foram 300 vagas, no segundo, 330, e agora estamos trabalhando no terceiro plano de aprimoramento e esperamos ampliar ainda mais esse número. O interessante é que esses cursos que são patrocinados pela Spcine muitas vezes acabam acontecendo comercialmente também. Então essa é uma ação que beneficia os profissionais paulistanos, que podem acessar esses cursos, e também as próprias empresas, que são patrocinadas para fazer os cursos e podem posteriormente continuar com eles por vontade própria, e aí sim recebendo alunos pagantes e tudo mais.
Outra ação que vale a pena mencionar é o nosso Edital de Trânsito Internacional, focado nos profissionais do audiovisual que escolheram fazer uma formação fora do Brasil. A partir do momento em que esse profissional foi aceito nessa formação, isto é, já tem a carta de aceite da instituição onde vai estudar, ele pode solicitar à Spcine um apoio para participar dessa formação internacional. O edital cobre cursos profissionais de audiovisual, e não laboratórios, encontros ou formações acadêmicas. A ideia é que sejam formações focadas mesmo no aprimoramento técnico, empreendedor e artístico dos nossos profissionais.
Passados esses dez anos, quais são as perspectivas e principais objetivos para o futuro da Spcine hoje?
A Spcine faz dez anos. Enquanto empresa, podemos dizer que ela cresceu e amadureceu, assim como o setor audiovisual paulistano. Hoje, entendemos que não se trata mais apenas de um setor. Falamos dele como um ecossistema do audiovisual paulistano. A partir desse pensamento, nosso objetivo é dar conta desse ecossistema, entendê-lo plenamente para conseguir propor políticas públicas amplas, inclusivas e atuais, e que deem respostas para as necessidades de hoje. É importante que a Spcine consiga alcançar todo o escopo desse ecossistema do audiovisual. Hoje nós temos novos modelos de negócio, novas empresas surgindo, novas tecnologias chegando a todo instante… Acabamos de ver uma nova IA surgindo, por exemplo. Precisamos pensar que tudo isso reflete no jeito de se produzir, criar e negociar audiovisual.