Hoje o poder criativo das obras comerciais e de alto orçamento está na mão dos produtores e distribuidores. É o modelo que a Ancine prioriza. A crença é que o tamanho e histórico da produtora e da distribuidora garantirá o sucesso dos filmes. É, sem dúvida, um critério possível. Vou defender aqui algo complementar: que a Ancine faça uma linha de filmes comerciais e de alto orçamento focada em autores! Que valorize principalmente o roteiro e o diretor.
Isso é simples de fazer. É só selecionar primeiro o projeto a partir da ideia e histórico dos autores. A decisão de investimento seria antes do projeto estar completo, sem que ele tenha uma produtora e distribuidora. A partir daí, o autor teria um tempo para apresentar o projeto comercial, negociando com uma produtora e uma distribuidora que tenham as características técnicas necessárias para realizar bem aquele projeto.
Isso permitirá que o autor tenha mais poder na negociação e mais liberdade criativa no produto final. E, acredito eu, isso será fundamental para reconquistar o público para nosso cinema.
Sei que no Brasil virou um consenso que o cinema de autor afasta o público. Isso foi verdade nos anos 60, quando o cinema de autor era uma resposta à indústria. Mas, na verdade, em momentos de crise de audiência, os autores livres são fundamentais para o sucesso de obras.
Isso já aconteceu varias vezes na historia, basta ler "Como a geração do sexo, drogas e rock'n'roll salvou Hollywood". Retrata uma época quando o cinema americano vivia uma imensa crise, mas muito menor que a atual crise do cinema brasileiro, digamos. Os estúdios faziam filmes dentro dos valores aceitáveis pela sociedade, tal como as grandes produtoras de hoje se esforçam para ser politicamente corretas. E isso é normal. Quem já está no poder arrisca menos. Mas o público queria novidades. E isso aconteceu pois arriscaram e deram o poder criativo a artistas marginais e inusitados.
Hoje no Brasil um autor, para ter chance de conseguir financiamento, tem que, antes de tudo, passar pelo crivo das grandes produtoras do mercado. Isso tem limitado muito a criação. Pois quem é grande, arrisca menos. E audiovisual é uma área de alto risco.
Chegou a hora de abrir espaço para os artistas que buscam inovação de Valor, que arriscam em sua busca pelo público. O conceito de inovação de valor é diferente do experimentalismo dos filmes de festival. Inovação de valor é para artistas que buscam inovar e descobrir novos públicos e novas formas de se conectar com eles. E para arriscar fazer filmes comerciais a partir de obras ousadas. Pois como mostrou Hollywood , é dando poder a artistas considerados marginais ou malucos que o cinema reconquistou o público.
O cinema brasileiro de hoje é, sem dúvida, muito profissional. Temos ótimos fotógrafos, ótima arte, otimo tudo. Os roteiros também são tecnicamente impecáveis. Tem os pontos de virada direitinho. Parabéns a todos. Só falta uma coisinha: ousadia.
artistas ousados ficaram presos no mercado de festivais e fazem ousadias sem repercussão e presas a pauta da esquerda identitaria, que controla os Festivais. E, após anos na bolha, fazem ousadias que só eles mesmo entendem.
A indústria mesmo, os filmes de mercado, são realizados por diretores mais técnicos que executam bem o trabalho. Já os roteiros são feitos, em geral, sem autoria forte.
A crença atual para a criação é a sala de roteiros, método que dissolve a autoria entre vários escritores. E, para complementar, o sistema tem vários pareceristas em todas as etapas que garantem que o roteiro siga os valores de nossa época.
Um exemplo: uma das grandes preocupações dos pareceristas hoje é que o filme não deve ofender ninguém. Eles têm motivos reais para se preocupar com isso: têm medo do cancelamento e de processos jurídicos que são abusivos no Brasil.
Isso tem gerado filmes sem vitalidade e sem polêmica, que não impactam o público. O audiovisual serve para catalisar debates. Os filmes de mais sucesso sempre fazem isso. Seja debates políticos sociais ("Tropa de Elite"), seja debates comportamentais (como as comédias). Mas a polêmica e o escândalo são parte importante de toda obra. É parte importante, também da campanha de lançamento.
Isso tudo hoje é cortado. O medo da polêmica tem afastado o público do audiovisual brasileiro. Qual filme brasileiro dos últimos anos gerou polêmica pública?
Com medo da polêmica, o cinema começou a realizar homenagens a músicos e artistas. Algo que o documentário já fazia há anos chegou também à ficção. Ou faz filmes para a bolha de esquerda que fazem o sucesso relativo.
É o que foi possível fazer em um ambiente onde todos tem medo de polêmica. E é um gênero legal é possível. Mas é pouco para conquistar o público. O que conquista mesmo são as obras polêmicas.
No Brasil de hoje não tem como um Autor Livre existir.
Existem os filmes de baixo orçamento, mas que ficam presos à estética dos festivais de cinema, que há décadas não dialogam com o público. Você pode ser livre naquela bolha sem público, mas na indústria mesmo a liberdade é restrita.
Um dado interessante: grande parte dos autores e roteiristas que sabem dialogar com o público e já fizeram sucesso em cinema e TV ficaram sem trabalho nos últimos anos. Foram abandonados na meia idade, no auge do poder criativo. O cinema brasileiro em crise de público e artistas que já mostraram que sabem fazer são substituídos por jovens inexperientes selecionados por outros critérios, em geral, ligados a questoes como cor da pele, gênero ou opção sexual.
A Ancine sequer pontua o roteirista em sua avaliação. Eles adoram falar que não tem bons roteiros. Mas não falam que o autor é desprestigiado.
E os autores livres, fazem obras ousadas, que vão recuperar o público para o cinema brasileiro. E dá para fazer. A sugestão concreta está no início do artigo. É só ter uma linha de financiamentos no Fundo Setorial para os Artistas Livres.