Dirigido por Bianca Lenti, o longa-metragem documental "Fio do Afeto" terá sua primeira exibição no Festival do Rio, na mostra Première Brasil: O Estado das Coisas. Com participações especiais de Zezé Motta e de Heloisa Buarque de Hollanda, o filme acompanha a trajetória de oito mulheres, entre as quais quilombolas, indígenas e ribeirinhas e de grandes centros urbanos, que, articuladas em um mesmo projeto, encontram soluções para superar os desafios sociais, políticos e econômicos causados pela pandemia. Acreditando no potencial da tradição secular de apoio mútuo entre mulheres, o projeto permitiu que rendeiras, bordadeiras, costureiras e modistas alinhavassem seus retalhos em uma potente colcha de proteção.
Produzido pela Giros Filmes, o documentário revela a rede que foi articulada para que milhares de mulheres brasileiras usassem suas experiências de vida e habilidades pessoais para contribuírem no combate da pandemia de covid-19 por meio da confecção e doação de máscaras de tecido. Com perfis variados e muito representativos da realidade socioeconômica de suas comunidades e regiões, essas mulheres mostram como é potente o investimento social planejado e realizado em parceria. Mostram também como o investimento social em mulheres e com foco na formação de redes têm efeitos relevantes e duradouros envolvendo geração de renda, proteção das famílias, combate à violência doméstica, autocuidado e saúde mental.
As histórias de Irene, Gilmara, Domingas, Eliana, Jaqueline, Josie, Valdiene e Vânia, participantes emblemáticas do projeto, são costuradas no filme por três ilustres brasileiras. Heloisa Buarque de Hollanda fala sobre os muitos feminismos possíveis, conta a história recente da luta pela igualdade de direitos entre os gêneros e anuncia a chegada da quarta onda feminista – a mais revolucionária de todas, que será preta, indígena, comunitária. Zezé Motta interpreta textos de Conceição Evaristo, escritora que em suas linhas tece histórias de ancestralidade, de resistência por meio do afeto e da luta, da relação visceral entre mães e filhas, dos muitos lutos impostos às mulheres pretas brasileiras. Cada palavra de Conceição, na voz de Zezé, se relaciona às trajetórias das personagens e exalta as mulheres que vieram antes delas, suas conquistas e seus legados.
A narrativa sobre o feminismo contada por Heloisa Buarque de Hollanda traz o papel e a importância das redes de solidariedade, e mesmo da costura e do bordado, na vida de muitas brasileiras. "Os bordados dizem muito, tem muito do território sendo desenhado em volta e o bordado também é uma coisa de um nó segurando em outro nó, que segura em outro nó. (…) O que é importante no bordado é essa corrente, ele é um canal de comunicação absurdo".
"A Noite Não Adormece nos Olhos das Mulheres" é um dos textos de Conceição Evaristo interpretados por Zezé Motta. O poema resgata a força e ancestralidade femininas. "A noite não adormece nos olhos das mulheres a lua fêmea, semelhante à nossa, em vigília atenta vigia a nossa memória. A noite não adormece nos olhos das mulheres, vaginas abertas retêm e expulsam a vida donde Ainás, Nzingas, Ngambeles e outras meninas luas afastam delas e de nós os nossos cálices de lágrimas. A noite não adormecerá jamais nos olhos das fêmeas, pois do nosso sangue-mulher de nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede de nossa milenar existência", lê Zezé.
O filme foi exibido nesta segunda, 10, e será reexibido nesta terça , 11, às 16h30, em sessão aberta ao público, seguida de roda de conversa, no Estação Net Rio 5 – R. Voluntários da Pátria, 35, Botafogo.