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Sem políticas próprias, produção audiovisual para crianças sofre para chegar ao seu público

Fabiano Gullane, Celia Catunda, Gabriela Mancini e Aletéia Selonk (Foto: Carolina Arruda)

O Encontro Nacional do Cinema Infantil, que abriu a agenda da 23ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis nesta sexta-feira, dia 11 de outubro, trouxe um debate sobre as principais dificuldades em torno da cadeia do audiovisual brasileiro para as crianças, passando pela produção, exibição, distribuição e comercialização, entre outros pontos. 

Gabriela Mancini, que é consultora de roteiro e roteirista especializada no público infantil, e que trabalhou recentemente no “Arca de Noé”, superprodução da Gullane que estreia nos cinemas no próximo mês de novembro, abriu sua fala destacando primeiramente o lado positivo do cenário atual, que passa pelo aumento da qualidade dos conteúdos para crianças, tanto no roteiro, que é a área dela, mas também na parte técnica. Além disso, a preocupação com a diversidade nas salas de roteiro. “Neste ano, atuei como consultora de duas séries onde o roteirista chefe era uma pessoa negra. Ainda não estive em nenhuma sala com um indígena nessa posição, apesar de já ter trabalhado em séries com essa temática. Mas hoje já temos produções com personagens autistas e roteiristas chefes com deficiência auditiva, por exemplo. São coisas que há alguns anos a gente não tinha, são preocupações que antes não existiam. Nos editais também, eu já vejo esses avanços. O que tínhamos antes era uma diversidade na superfície”, celebrou. 

No entanto, na opinião da roteirista, a parte crítica ainda é fazer com que esses conteúdos, que já são tão bem feitos, cheguem ao público. “Participei de consultorias de projetos lindos, mas que não conseguiram financiamento para produzir. Ou, se produziram, não conseguiram lugar para exibir”, afirmou. Nesse sentido, também tem sido problemático o papel das plataformas, na visão da especialista. “A Amazon, por exemplo, não tem área infantil. Na Netflix, só tem lá fora. A Disney até faz algumas produções infantis brasileiras, mas ainda são poucas. Nos cinemas, nossos filmes ficam uma ou duas semanas em cartaz e logo saem. Falta investimento para que os filmes cheguem às crianças. Já avançamos muito na qualidade, mas ainda enfrentamos esse desafio. Precisamos de linhas específicas nas políticas públicas. Senão, não conseguimos competir”. 

Estratégia de mercado 

A produção de conteúdo para infâncias sempre fez parte do portfólio de Aletéia Selonk, produtora audiovisual da Okna Produções e professora, mas com produtos sempre em consonância com outras linhas de produção. Recentemente, ela decidiu firmar um núcleo de desenvolvimento e criação de conteúdo para crianças fixo, “para dialogar com uma característica que observamos do mercado brasileiro, que é a necessidade de ação, continuidade da atividade e enfrentamento de desafios”, explicou. “Temos avanços em qualidade narrativa, produção e questões técnicas. Mas quando falamos de conteúdo para criança, temos que entender suas particularidades e desafios – entre eles, o funil da distribuição que os filmes enfrentam e a dificuldade na obtenção de recursos. Que, para quem está familiarizado com o audiovisual brasileiro, são desafios recorrentes. Porém, para produção da infância, é ainda mais complicado porque estamos falando de um tipo de conteúdo que é tratado como nicho. No aspecto de mercado, ainda olham apenas pela ótica cultural, e não pelo lado da indústria”, destacou Selonk, que está com o filme “Uma Carta Para Papai Noel” na Mostra. 

Ela ressaltou ainda que o tema da formação de público fica na zona periférica da discussão – quando, na verdade, deveria ser a zona central. “Formar público – no ciclo de trabalho entre projeto, estratégia e resultado – não é algo que se resolve em quatro anos. São coisas de longo prazo, inter-setoriais. E que podem transformar a indústria, o mercado, o rendimento e o consumo”, defendeu. “A inclusão da produção para a infância nas discussões de ajustes do mercado audiovisual como um todo é essencial, e devia estar mais integrada ao resultado de longo prazo que pode ter. Essa produção precisa ser vista a partir de outro senso estratégico”, defendeu, pontuando ainda a perenidade desse tipo de conteúdo. “Se o mercado pensasse diferente, esses produtos poderiam seguir trajetórias ocupando diferentes espaços, de maneiras variadas”. 

Produções brasileiras perdem espaço  

Celia Catunda, produtora, diretora e criadora de animações brasileiras de sucesso como “Peixonauta”, “O Show da Luna!” e “Tarsilinha”, é da Pinguim Content, produtora que começou nos anos 90. “Naquela época, já tínhamos a sensação de que se fizéssemos coisas para o cinema, ninguém iria ver”, lembrou. A produtora começou com projetos já voltados para a TV e, ao longo dessa trajetória, Catunda se impressionou com a longevidade dos produtos – a série “De Onde Vem?”, por exemplo, criada nos anos 2000, até hoje é muito assistida. Na pandemia, o programa que eles mais comercializaram foi “Peixonauta”, que é de 2006. Já o “Show da Luna!” está fazendo dez anos – e a produtora ainda vende a primeira temporada. 

Falando nas políticas públicas, ela mencionou a Lei 12.485, que trouxe as cotas de conteúdo brasileiro para os canais de televisão, e que ela define como “uma virada de jogo muito grande para o audiovisual como um todo, mas especialmente para a animação”. Catunda reforça que, com a lei, produtoras surgiram, cresceram e trilharam um caminho sustentável. “É o que queremos que aconteça no streaming agora. As plataformas estão ganhando um espaço cada vez maior e, dentro delas, quase não há espaço para o conteúdo infantil”, alertou, reiterando a fala de Mancini sobre a ausência de produção audiovisual para a infância por parte desses grandes players. “A Netflix fechou esse departamento no Brasil. Para vender um projeto para eles, temos que fazer reuniões com pessoas de fora, que não necessariamente terão o mesmo olhar. O Brasil é um super consumidor de streaming, assinante de Netflix, e mesmo assim o investimento deles hoje é zero. Eles até adquirem produções prontas, mas não existe desenvolvimento. Isso é uma questão emergencial. É um espaço que estamos perdendo”. 

Do ponto de vista de quem trabalha nesse segmento há anos, ela destaca a longevidade e a versatilidade que esses conteúdos têm para viajar pelo mundo inteiro. E a demanda por essas animações é clara: neste ano, o filme mais visto nos cinemas foi “Divertidamente 2” – que nem é um filme exclusivo para as crianças, e sim para divertir toda a família. “Nos Estados Unidos, já enxergam os filmes de animação como substitutos para grandes comédias. Eles ficam em cartaz em horários noturnos também. É um olhar que o exibidor brasileiro não tem com os nossos filmes”, observou. 

Compromisso com o conteúdo formador  

A Gullane é uma produtora que já teve algumas experiências positivas com produção de conteúdo infantil – eles coproduziram com o canal Gloob, o Instituto Ayrton Senna e o NIP a série “Senninha na Pista Maluca”, por exemplo – mas terão com “Arca de Noé”, longa que estreia nos cinemas no próximo dia 7 de novembro, o grande marco de sua carreira nesse sentido. “Fizemos pensando nos nossos filhos. Nunca tínhamos feito algo pensado para eles. Até que demoramos a acordar para essa realidade”, disse Fabiano Gullane. O produtor comentou como o Brasil está num bom ano no audiovisual – com séries indo bem nas plataformas, filmes em festivais internacionais, indicações a grandes premiações – mas, internamente, ainda sofre com essa grande questão, que é chegar ao seu próprio público. “O Brasil é protagonista mundial no consumo de audiovisual. Geramos bilhões de dólares que vão para fora porque exploram comercialmente o nosso mercado. Esse protagonismo no consumo deveria nos dar direito a seremos protagonistas na produção, na criação e na retenção das nossas propriedades também. Já tivemos 22% do share dos cinemas. Mas perdemos essa corrida faz tempo”. 

Gullane também enfatizou como a Lei 12.485 foi importante para a produção brasileira e revolucionou o mercado local. “Na época, os canais a cabo internacionais falaram que iam embora do Brasil. Foi uma guerra. Mas ninguém foi embora. Eles sabem da força do nosso país. Tanto é que o conteúdo nacional ultrapassou a cota estabelecida. A demanda ficou evidente. A política pública serviu como alavanca, e levou ao público brasileiro aquilo que ele queria ver. É claro que, hoje, as pessoas vão assistir aos conteúdos gringos nos streamings. Porque a gente não está formando esse público mesmo. A política pública pensou em como equacionar as dificuldades de produção e distribuição, mas falta o FSA entrar na exibição. O objetivo tem que ser privilegiar a presença do cinema brasileiro nas telas do Brasil”, declarou, acrescentando ainda que, no caso do conteúdo infantil, isso deveria ser ainda mais prioridade. 

“Hoje temos cotas e percentuais para regiões, diversidade, gênero. São definições importantes, e que colocam a gente no futuro. Nesse sentido de equidade, o Brasil está muito mais avançado do que os países europeus. Mas falta uma obrigação das TVs, das plataformas, dos distribuidores e de outros agentes desse compromisso com o conteúdo formador”, apontou. Ele sugere a implantação de obrigatoriedade ou talvez uma compensação para os cinemas – até porque a situação deles também não é fácil. “Os exibidores pagam contas muito altas, a manutenção é complexa. O que significa que faltam coisas estruturantes na área de exibição. É obrigação do Comitê Gestor do FSA pensar qual verba dentro do fundo pode ser endereçada para a produção infantil. Em como ele pode ajudar de forma estruturante a crescer a audiência dos filmes brasileiros nas telas do país”, finalizou. 

 

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