Cadeia de valor da TV precisa reinventar modelos de negócio, apontam Discovery e WarnerMedia

Apesar de recentes fusões, com destaque à compra da Fox pela Disney, a força conquistada pelos players oriundos do setor de tecnologia torna o mercado audiovisual altamente competitivo. A maioria das manifestações de empresas interessadas no processo do Ato de Concentração da Discovery e da WarnerMedia no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mesmo quando contrárias à fusão das gigantes de mídia anunciada em maio passado, ajudam a comprovar que o negócio é um importante passo para que a empresa resultante possa competir no segmentado mercado de conteúdo por assinatura. 

Ainda que boa parte – na maioria das vezes, o que parece ser a parte mais relevante – do conteúdo das manifestações no processo não esteja nas versões públicas dos documentos, é possível notar quais são as preocupações de alguns dos players. As críticas abertas ao negócio vieram, principalmente, do elo da operação de TV por assinatura, com destaque para a NeoTV, que negocia programação para operadores independentes de TV. Além das operadoras, algumas preocupações são apontadas por programadoras independentes de canais de TV por assinatura.

Em documento enviado ao Cade em setembro, Discovery e WarnerMedia apontam que a criação da empresa global de entretenimento Warner Bros. Discovery, fruto da fusão, não afetará a concorrência na distribuição e licenciamento de conteúdos audiovisuais. A Warner Bros. Discovery deterá cerca de 31% dos canais por assinatura de TV. Segundo as empresas, a fusão significará uma combinação de suas atividades complementares.

Em nova manifestação enviada no final do ano, Discovery e WarnerMedia apontam que a operação proposta não levanta preocupações concorrenciais de natureza horizontal ou vertical, "tanto em um cenário mais amplo não-segmentado como em um cenário mais restrito, de gênero". De acordo com as duas empresas, além de não se consideram concorrentes diretas, a participação combinada de mercado é moderada e tem diminuído consistentemente, enquanto os concorrentes de grande porte impõem uma forte rivalidade. Além disso, dizem que não há barreiras ou restrições ao acesso ao conteúdo e que as plataformas OTT têm exercido uma pressão competitiva significativa sobre a indústria da TV por assinatura, percepção compartilhada em grande parte das manifestações de terceiros no Ato de Concentração.

Programadoras

Sobre o segmento infantil, no qual a empresa resultante terá mais de 50% dos canais de TV por assinatura, ambas destacam as transformações no segmento audiovisual, sobretudo junto às crianças, com um acentuado declínio na audiência da TV tradicional e o aumento no número de concorrentes que disputam a atenção, incluindo serviços OTT, sites de streaming, redes sociais, aplicativos móveis. Também destacam a complementaridade dos seus conteúdos em termos de faixa etária e de gênero.

Neste tema, a independente Box Brazil se manifesta pedindo que sejam consideradas as mudanças nos hábitos de consumo por parte das crianças, migrando da TV para outros dispositivos. Como consequência, aponta, plataformas de streaming exploram a oportunidade para abocanhar essa fatia do mercado, concentrando contratos com estúdios importantes do meio infantil. O grupo independente defende que a atuação do Cade na análise da fusão seja direcionada a "propiciar condições econômicas" para que "players brasileiros independentes de plataformas OTT atuem no mercado, com acesso a diferentes canais de TV infantis, dedicados a diferentes faixas etárias e públicos, tendo também mais conteúdos produzidos por produtoras brasileiras independentes, como única forma de dar mais acesso ao público brasileiro de todas as faixas etárias da infância e de todas as classes possíveis ao conteúdo brasileiro no modelo de oferta através de oferta de plataformas OTT independentes, dando acesso ao público a canais, no caso infantis, fora dos APPs exclusivos do grupo Discovery".

Para o também independente brasileiro Woohoo, a operação afetaria de forma significativa a competitividade no mercado de licenciamento de canais de TV paga no Brasil, neste caso não restrito à programação infantil. De acordo com o canal, a médio prazo, a aprovação da operação significará a extinção de canais pequenos e independentes. Canais menores que não fazem parte do pacote de canais das grandes empresas, argumenta, perdem em todas as frentes de atuação: audiência, aumento dos custos, capacidade de negociação com os seus principais clientes, capacidade de viabilizar a variedade de conteúdo e, sobretudo, a capacidade de alcançar o público em diferentes regiões do país.

Operadoras

A Claro argumenta em sua participação que a operação poderia resultar no aumento dos custos de licenciamento de conteúdos. A operadora teme ainda que a nova empresa opte por lançar determinados conteúdos apenas nas suas ofertas no streaming, preocupação também apontada pela Sky e pela NeoTV.

Para a Discovery e a WarnerMedia, tais alegações referem-se antes aos impactos das mudanças no mercado provocadas pela inovação tecnológica. Lembram que não apenas os operadores de TV por assinatura são afetados pela tendência, uma vez que a perda de base também afeta os canais que transportam. Caberia, alegam, a toda a cadeia de valor da televisão reinventar os seus modelos de negócio, e a operação em análise pelo Cade, dizem, visa precisamente permitir-lhes que assim o façam.

As duas programadoras lembram que os quatro maiores operadores no Brasil (Claro, Sky, Vivo e Oi) detêm aproximadamente 97,7% de participação de mercado. A recusa de fornecimento de canais não é verificável nem desejável, uma vez que as operadoras são indispensáveis a qualquer programador de TV por assinatura. Quanto aos 2,3% restantes, lembram que a maioria tem a programação negociada pela NeoTV e estão presentes em 5 mil cidades brasileiras. "Estes operadores são capazes de negociar conjuntamente em condições não discriminatórias em comparação com os seus maiores concorrentes, uma vez que são protagonistas em aumentar a capilaridade da distribuição dos canais de TV por assinatura", dizem.

A Discovery e a WarnerMedia, portanto, entendem que a operação deve ser aprovada sem restrições pelo Cade.

Os principais programadores estrangeiros não manifestaram preocupações quanto à fusão. Não é possível levantar as posições da Globo e das plataformas de streaming, uma vez que solicitaram restrição às informações ao próprio Cade.

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