Inteligência Artificial: Um modelo estatístico em seus primórdios, mas com impacto transformador

Pesquisadora Dora Kaufmann analisa o estágio atual da IA, seus riscos, desafios e a necessidade de estratégia, governança e familiarização com a tecnologia.

A inteligência artificial (IA) é uma tecnologia digital de propósito geral que está mudando a lógica de funcionamento da sociedade e da economia, alterando fundamentalmente o processo decisório humano. Diferentemente de sistemas programados, a IA opera com base em modelos estatísticos de probabilidade, o que implica um monitoramento de risco contínuo, pois os sistemas se modificam com a entrada de mais dados. Apesar da repercussão, a tecnologia, cuja técnica predominante, o Deep Learning, começou a ser usada em larga escala entre 2015 e 2017, ainda está em seus primórdios, tanto do ponto de vista tecnológico quanto de adoção por empresas e pessoas.   

Segundo Dora Kaufmann, pesquisadora da PUC de São Paulo, colunista e autora de livros sobre o tema, em participação no programa "Café com Pixel", as empresas ainda utilizam a IA de forma pontual, sem uma mudança significativa em seus modelos de negócio. "A tendência, eu acredito, aposto nisso, ela vai se disseminar cada vez mais, mas ainda estamos nos primórdios, inclusive do ponto de vista de adoção", afirmou Kaufmann. A popularização da IA generativa, impulsionada pelo lançamento do ChatGPT em novembro de 2022, aumentou a adesão por parte de colaboradores de empresas, mas isso difere da estratégia corporativa.   

Kaufmann destaca a importância de as organizações desenvolverem uma estratégia para incorporar a IA, identificando áreas onde ela de fato agrega valor, e estabelecerem uma governança com princípios para o uso da tecnologia, independentemente de marcos regulatórios. Para os indivíduos, é crucial a familiarização com a IA, pois a interface de diálogo, embora encantadora, é "traiçoeira", uma vez que os sistemas são probabilísticos e podem gerar erros e "alucinações", privilegiando respostas bem elaboradas em detrimento da veracidade. Uma pesquisa coordenada por Kaufmann para a Associação das Empresas de Capital Aberto (Abrasca) revelou uma assimetria de conhecimento entre gestores e pessoal de TI, e um desacoplamento entre a estratégia de negócio e o uso da IA.   

A pesquisadora também abordou a sustentabilidade financeira da IA generativa, afirmando que "hoje não existe um modelo de negócio sustentável para nenhuma solução de IA generativa". Os altos custos de desenvolvimento e operação, o uso predominante de soluções gratuitas e a baixa adesão a planos pagos mais caros não geram retorno sobre o investimento bilionário realizado. Limitações como a possível escassez de dados de treinamento, o aumento de dados sintéticos que podem ampliar distorções, e o alto consumo de energia também são desafios significativos.   

Sobre os riscos, Kaufmann aponta o impacto no mercado de trabalho como o mais preocupante socialmente, com a automação inteligente expandindo a automação programada, resultando em deslocamento de pessoas, efeito sobre a renda e necessidade de qualificação para novas funções. Outros riscos incluem a produção de conhecimento falso e o impacto na democracia, com a desinformação minando a confiança nas instituições. Ela citou o exemplo da eleição na Índia, onde a IA foi usada para "hiperpersuasão", com sistemas reproduzindo a voz de candidatos em ligações para milhões de eleitores. "A regulamentação é fundamental, criar governança nas organizações é fundamental, mas talvez mais fundamental do que tudo é estabelecer familiaridade", defendeu.   

Já em relação à regulação, Kaufmann argumenta que ela pode trazer estabilidade ao mercado e permitir investimentos, contrariando a ideia de que inibe a inovação. Ela mencionou o PL 2338 no Brasil, cuja versão votada no Senado em dezembro último é considerada melhor que a original, dando protagonismo às agências setoriais para definir padrões e fiscalizar. No entanto, há sinais de que a Câmara pode promover modificações profundas. As resistências à regulamentação vêm de grandes empresas de tecnologia, associações, startups, parlamentares e do desconhecimento sobre a tecnologia e seus riscos.   

No contexto da pesquisa em IA no Brasil, Kaufmann ressaltou a falta de recursos suficientes, agravada por uma queda significativa no financiamento durante o governo anterior, ainda não revertida. "Aqui no Brasil a academia faz milagres, como eu já disse, com muito pouco dinheiro", afirmou, destacando a necessidade de política pública para criar um ecossistema de inovação que agregue governo, academia, investidores e setor privado.   

Referente ao mercado audiovisual, a pesquisadora pontuou que a IA, sendo um modelo estatístico, produz peças originais e inéditas, mas não criativas no sentido de acrescentar algo novo ao que já existe, atributo que permanece humano. Contudo, a IA modifica a maneira como os humanos criam, trazendo novos elementos. A questão do direito autoral é complexa e não solucionada globalmente. Kaufmann mencionou a proposta de Marisa Monte de remunerar os dados como insumo, mas ponderou que a natureza da técnica atual dificulta a identificação da origem e contribuição de cada dado no resultado final, impossibilitando a remuneração individualizada. "Não importa o conteúdo (…) o que importa é a correlação que ela estabelece", explicou. Ela concluiu que é preciso repensar categorias como propriedade intelectual, que se tornaram obsoletas na realidade atual.   

Em suma, Dora Kaufmann descreve a inteligência artificial como uma tecnologia "incrível" e "mágica" em suas capacidades, mas ressalta que é fundamentalmente "um modelo estatístico, é um sistema maquínico, não é nada mais que isso". A compreensão de sua lógica de funcionamento é essencial para empresas, indivíduos e para o desenvolvimento de políticas públicas adequadas.

Veja o programa no canal de Tela Viva no Youtube ou abaixo.

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