Ancine, streaming e o renascimento do audiovisual brasileiro

O setor de mídia e entretenimento no Brasil, que desde meados do ano passado tem retomado suas atividades, vive em 2022 um período inédito de expansão, com a liberação de recursos públicos para produções que estavam represadas e o surgimento de novos modelos de negócio ancorados em investimento privado.

Rentável e essencial tanto para a economia quanto para a consolidação da identidade cultural do país, a produção audiovisual atravessou um período bastante crítico, mesmo antes de a pandemia tê-la impactado.

A publicação de novos editais pela Ancine funciona como um sopro de ânimo para o segmento, que, finalmente, poderá continuar – ou começar – projetos engavetados por conta de uma longa crise deflagrada há aproximadamente três anos. Mesmo com a atual escassez de mão de obra qualificada para atender à demanda, a expectativa é bastante positiva.

Voltando um pouco no tempo e de forma bem resumida, uma auditoria do TCU, em 2019, denunciou, dentre outros pontos, irregularidades na metodologia de prestação de contas dos projetos audiovisuais geridos pela agência, relativos ao Ancine+Simples, sistema implementado anos antes para agilizar a tramitação dos processos administrativos.

Por conta da auditoria, a agência suspendeu o encaminhamento de novos projetos e, mesmo os já analisados, entraram na imensa fila para revisão. Além disso, o órgão regulador ficou um longo período sem a formação completa de sua diretoria colegiada, o que prejudicou a tomada de decisões e implementação das políticas públicas necessárias. O resultado foi um apagão no audiovisual, agravado severamente pelos efeitos da pandemia.

Somente no segundo semestre de 2021, a Ancine adotou medidas para dar prosseguimento a cerca de 4,2 mil processos com análise de prestação de contas em atraso e para recuperar sua capacidade de fomento.

Ao longo de 2021 e, sobretudo, em 2022, assistimos a uma pujante e promissora recuperação do segmento que luta para ser reconhecido como indústria. A Ancine iniciou 2022 com novos editais que totalizam investimentos de R$ 620 milhões, montante que se soma aos R$ 651,2 milhões represados desde 2021 e, agora, também em execução.

Dois grandes fatores contribuem para esse momento: a dedicação incansável dos servidores da Ancine em virar o jogo e diminuir o backlog, que limita a realização de filmes e séries dependentes de recursos públicos federais; e a chegada em massa dos serviços de streaming na produção audiovisual no país, investindo recursos privados na realização de obras com equipe e elenco nacionais.

Tais plataformas, algumas ligadas a grandes redes de televisão, ganharam espaço (e audiência) e aumentaram expressivamente o volume de produção local. Elas foram essenciais para manter as atividades quando o poder público não pôde se fazer presente. E, agora, quando o fomento público dá sinais de recuperação, são importantes para o setor ir além, propiciando novas oportunidades de negócio e maior profissionalização dos agentes da cadeia produtiva.

Mais. Na esteira dos relevantes e crescentes investimentos privados, finalmente começamos a testemunhar um volume considerável de modelos híbridos de produção audiovisual nacional, uma saudável combinação de investimento privado e público, o que permite a realização de obras com orçamentos, características e possibilidades diversos.

Depois de um período conturbado, podemos comemorar em 2022 o renascimento do audiovisual brasileiro. Ancorado, em primeiro lugar, no talento sempre presente nas interpretações artísticas, nos roteiros e nas direções, mas também na iniciativa de produtores, canais de TV, plataformas de streaming, empresários e investidores em geral, que perceberam a forte demanda por conteúdo de qualidade e não se curvaram às dificuldades de empreender no Brasil.

* Marcelo Goyanes é advogado e professor de Propriedade Intelectual na PUC-Rio.

2 COMENTÁRIOS

  1. Faltou apenas citar que apesar do "boom" das plataformas de streaming, a falta de regulamentação facilita a precarização do trabalho, tanto para artistas quanto técnicos. Os contratos absurdos fazem com que artistas e produtoras audiovisuais sucateiem o seu próprio trabalho. A abertura de mercado é ótima, mas não terá bons frutos no futuro se não houver regulamentação já.

  2. O audiovisual brasileiro parece que está eternamente preso no Dia da Marmota. Morre e renasce, renasce e morre. Não tem como sair disso com política publica de fundo perdido e a única métrica sendo a quantidade de filmes produzidos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui