Regulação do streaming é desafio global

O sentimento de urgência para a revisão da regulação TV paga com o acelerado crescimento dos serviços de streaming não se restringe ao Brasil. As questões elencadas na minuta de relatório criado pelo Grupo de Trabalho do SeAC do Ministério das Comunicações colocada em Consulta Pública estão em debate em todo o mundo e ainda não há uma solução inquestionável e exportável, conforme mostrou Fábio de Sá Cesnik, do CQS/FV Advogados, na última terça, 10, durante o Pay-TV Forum 2021, realizado por TELA VIVA e TELETIME.

De acordo com Cesnik, os debates sobre o tratamento que deve ser dado às plataformas globais, contribuindo com sua expansão sem deixar de fomentar a indústria local, só mostram que os instrumentos jurídicos utilizados para lidar com tecnologias mais solidificadas, como a TV por assinatura tradicional, são incapazes de abordar toda a complexidade do streaming. Em todo o mundo – assim como no Brasil, como mostram as propostas do GT do SeAC – criar novas normas ou apenas adaptar as normas vigentes para a TV por assinatura se contrapõem nas discussões.

Na Europa, por exemplo, a Diretiva de Serviços de Audiovisual e Mídia (AVMSD) envolve obrigações de investimento na maioria dos países e, em alguns, define termos de negociação entre streamers e produtores independentes. Em alguns países são estendidas cotas dos broadcasters para as plataformas de streaming (30% do conteúdo oferecido a assinantes europeus deve ser produzido na Europa). A Diretiva permite a regulação de modelos de negócios em alguns territórios, e também que os países membros exijam um reinvestimento da porcentagem de lucro dos serviços VOD.

Brasil

Por aqui, novas propostas são colocadas no debate e podem ser levadas à consulta pública. O país já conta peculiaridades na regulação que não podem ser ignoradas no debate. O recém empossado diretor da Ancine Tiago Mafra, também durante o evento, levantou a questão da cota para os canais Super Brasileiros na TV por assinatura. Estes canais contam com pesadas cotas de conteúdo brasileiro independente, de difícil cumprimento. Desde a Lei do SeAC, lembra o diretor, nenhum novo canal pediu credenciamento nesta modalidade. Após dez anos, os quatro credenciados no início da vigência da Lei são os únicos existentes. Mafra destaca que não advoga pelo fim da norma, mas que o resultado apresentado no período torna necessária a discussão, lembrando que está na mesa a prorrogação dos mecanismos de fomento presentes na Lei do SeAC.

O programador Júlio Worcman, do Canal Curta! e plataforma Tamanduá, justifica a manutenção dos Super Brasileiros, Segundo ele, somente Curta! selecionou e viabilizou a contratação de 140 longas-metragens documentais e 800 episódios de 60 séries inéditas, realizadas por  produtoras independentes de todo o Brasil. Estes conteúdos, explica, são amortizados ao custo médio de R$ 0,30 por espectador, ao longo da vigência da primeira licença de TV. "A nova e volumosa produção, com seu brilho de juventude, começava a participar de coproduções internacionais, a circular para segundas janelas, inclusive de grandes plataformas de VOD – como vários conteúdos desenvolvidos pelo Curta! licenciados ao Netflix -, começando a gerar retorno em royalties", disse Worcman, apontando que, até 2017, tudo indicava que a indústria rumava para uma possível sustentabilidade. "Infelizmente, a partir de meados de 2018 – por motivos alheios às mudanças tecnológicas no mercado de SeAC -, passamos a vivenciar um ciclo de adoecimento da política pública de fomento que aparentemente ia tão bem", completa.

Uma das propostas de Júlio Worcman para a futura regulamentação é que o Congresso "restitua o tempo perdido" da janela de dez anos prevista para fomento da indústria independente pelo FSA e das cotas de programação e conteúdo. Pelas contas do programador, o fomento não funcionou adequadamente por período de sete anos, entre o atraso no uso dos recursos do FSA e a paralisação de novos editais nos últimos três anos.

Ele também propõe replicar as cotas de 30% de canais brasileiros de espaço qualificado lineares aos OTT e outras formas de entrega de canais lineares, uma vez que o custo do feed linear no IP é baixo.

Além disso, no VOD, propõe estabelecer cota nos bundles de aplicativos OTT de 30% de acervos 100% nacionais. Também, estabelecer para as marcas de VOD uma indução à promoção do conteúdo nacional através da redução da sua Condecine conforme o número de títulos de produção independente disponibilizados, número de streams realizados e royalties pagos aos produtores brasileiros na forma do Suporte Automático.

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