Quando se discute a regulação do streaming no Brasil, com frequência se trata das cotas para produção nacional, assim como da tributação específica, como elementos protagonistas do debate. Ainda que ferramentas importantes no desenvolvimento de um quadro regulatório, tanto as cotas de conteúdo, como a cobrança do Condecine são apenas dois dos múltiplos mecanismos na regulação. Nesse mesmo sentido, é importante ressaltar, não apenas a importância do debate sobre a proeminência, transparência nas operações das plataformas, obrigações de investimento, e a proteção da propriedade intelectual, mas também a necessidade de reconhecer que diferentes instrumentos precisam atuar de forma combinada para fortalecer o setor de maneira estruturada.
A regulação dos serviços de VOD deve ser pensada como parte de um projeto político para o desenvolvimento do audiovisual nacional, que busca equilibrar as forças do mercado e garantir que o país possa produzir e acessar suas próprias imagens. Cota e contribuição financeira não funcionam isoladamente: sem a obrigação financeira, a tendência é a precarização dos valores pagos por licença e produção; com investimento obrigatório sem cota adequada, o risco é a concentração de recursos em poucas obras. Não adianta tratar os mecanismos de forma isolada: é preciso entender como eles se articulam em um projeto de fortalecimento do setor e da cultura brasileira.
No Brasil, ainda se trata o investimento em audiovisual através da lógica do mecenato — uma benesse que poderia ser abatida da tributação — enquanto em outros países ele é entendido como uma obrigação de quem lucra no mercado local. Uma vez que o investimento no setor é entendido como atividade fim dessas empresas. Permitir que plataformas de streaming abatam suas contribuições por meio de isenção fiscal seria uma contradição. Na prática, isso significaria autorizar que empresas privadas usem dinheiro público para financiar sua atuação no Brasil. Essa diferença de visão deixa o setor vulnerável, exposto à precarização dos investimentos ou à concentração em poucos projetos.
Alinhar essas plataformas com outros players que já contribuem com a Condecine destinada ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) é uma medida que não só reforça a equidade fiscal, mas também amplia a capacidade de financiamento da política audiovisual do país. No entanto, esse equilíbrio precisa ser compreendido não apenas através de um alinhamento da tributação específica, ou seja, que diferentes players tenham a mesma porcentagem de contribuição, mas da compreensão da participação desses players no mercado audiovisual brasileiro para que a regulação gere um equilíbrio de forças no setor. Isso confere maior flexibilidade e autonomia ao Estado para investir de acordo com as necessidades e diretrizes da política nacional, sem deixar decisões críticas exclusivamente nas mãos de empresas estrangeiras, que podem ter interesses divergentes dos objetivos nacionais.
A definição da porcentagem de contribuição varia significativamente ao redor do mundo. Para o Brasil, um país com uma indústria audiovisual extensa e um grande número de produções, é crucial que a taxa estabelecida seja suficientemente substancial para garantir a participação dos players na economia audiovisual. Importante também é garantir que não haja descontos ou exceções excessivas que possam diminuir o impacto dessa contribuição. É importante lembrar, modelos regulatórios europeus, na sua maioria, não oferecem incentivos fiscais às atividades fins das plataformas, mas sim obrigações de investimento direto em obras independentes – como é o caso da França e da Itália que obrigam o investimento direto em 15% a 20% da receita líquida, onde o investimento direto é tratado como obrigação adicional à tributação, não incidindo incentivos fiscais.
Regular o VOD é garantir que o desenvolvimento do audiovisual brasileiro siga em direção à diversidade, à sustentabilidade econômica e à soberania cultural — e a contribuição financeira é uma peça vital desse caminho, mas é uma articulação conjunta de ferramentas regulatórias que visam um pensamento de políticas públicas que deve estar no cerne desse debate.