Num cenário de consumo fragmentado, é desafiador entender como o brasileiro assiste à TV e principalmente mensurar essa audiência que está espalhada por multiplataformas e janelas. No segundo dia de Pay TV Forum 2024, evento organizado anualmente pelas publicações TELA VIVA e TELETIME, Adriana Pascale, partner insights manager Latam da Parrot Analytics, pontuou que, uma vez que os hábitos mudaram e novos canais de contato entraram na equação, a metodologia de medição também precisou mudar para acompanhar esse movimento.
A executiva contou que a Parrot hoje trabalha de forma a medir todo o ciclo de interação da audiência com os conteúdos. Na prática, isso significa que ela acompanha desde o momento em que uma pessoa viu o outdoor de divulgação de uma série nova na rua, chegou em casa e pesquisou a respeito, assistiu ao trailer e comentou nas redes sociais. "Capturamos toda essa atividade até chegar na última camada – que é, de fato, assistir ao conteúdo. Essa jornada é baseada na quantidade de esforço que cada ação demanda – um clique vale menos do que assistir a um episódio inteiro, por exemplo – e entregamos todas essas informações para os nossos clientes. Chamamos de análise de demanda, que nada mais é do que a popularidade do título", explicou.
Toda essa informação é entregue ao cliente, em sua totalidade, através de um portal. Existe ainda uma parte de consultoria, que consiste em decupar tudo isso dependendo das demandas apresentadas. "Entregamos a informação na totalidade e, depois, decepamos conforme as necessidades do parceiro. Analisamos a trajetória do cliente até chegar ao conteúdo e quantificamos quanto tempo ao todo foi dedicado à interação com aquele título. Isso é medição de audiência, numa forma diferente de olhar o resultado. Hoje, não posso mais me reter somente ao momento em que o público está diante do conteúdo, assistindo. A interação acontece durante o dia", ressaltou Pascale.
Ela trabalha ainda com avaliações de tendências e oportunidades por gênero de conteúdo, comparando o share de oferta x demanda. É claro que se é identificado que determinado gênero apresenta mais demanda do que oferta, ele é uma boa opção de investimento – mas isso não quer dizer que se já existe mais oferta do que demanda em outro, este deva ser descartado. "A primeira camada de análise é essa comparação, mas depois vamos para o detalhe. É claro que tem bastante oferta de reality show, mas em que tipo de reality ainda existem oportunidades?", exemplificou. "E pensando, claro, se esse tipo de programação faz sentido na sua plataforma. Tem que tomar cuidado e avaliar as tendências dentro do contexto do seu negócio", acrescentou.
Daniela Rodrigues é head de consumer insights da Claro e contou um pouco sobre como o grupo, que está presente em diferentes janelas, como streaming e TV tradicional, tem avaliado os comportamentos de consumo nesse cenário fragmentado. "Aprendemos muito sobre esse consumo cruzado. O consumidor tradicional de TV paga tinha acesso a conteúdos dessa natureza, isto é, em tempo real, com grade de programação. E, ao ter acesso ao streaming dentro da mesma plataforma, ele passou a consumir streaming também. O inverso também aconteceu, e quem era mais do streaming passou a consumir linear quando teve acesso. Isso foi bastante saudável porque levou as pessoas a se conectarem a diferentes tipos de conteúdo', relatou. "O conteúdo puxa o espectador, mas aí a tecnologia tem que suportar. Na Claro, garantimos essa tecnologia em todos os pontos disponíveis".
Conteúdos de impacto e ao vivo
Mas, nesse contexto de fragmentação, fica a dúvida se o conteúdo de alto impacto ainda faz sentido. Para Suzana Pamplona, diretora de pesquisa e conhecimento da Globo, faz mais sentido do que nunca: "Ele é importante inclusive para voltarmos a nos conectar como unidade, reconstruir essa confiança no debate e no que é verdade. É por aí que caminham esses conteúdos. É importante ter customização, claro. Acreditamos nisso. Mas é importante também ter conteúdos de alto impacto. Com as Olimpíadas, por exemplo, o ecossistema Globo chegou a 140.4 milhões de pessoas. É muita gente. E estávamos todos conectados nesse mesmo lugar, vendo as mesmas coisas e falando sobre elas". Já Pascale enfatiza que, dentro do streaming, o ao vivo tem muito valor, e se coloca como uma oportunidade de criar engajamento com a audiência, com possibilidades como interações em tempo real e enquetes.
A head da Claro também tem boas experiências com esses grandes conteúdos. Nas Olimpíadas, por exemplo, que chegaram ao fim no último domingo, 11, a operadora viu o consumo dos seus apps triplicar. "Isso sempre acontece com eventos desse porte, cujas transmissões são simultâneas e há um tempo maior de exposição dos conteúdos", pontuou. "E a tecnologia tem que estar preparada para isso. Grandes eventos transformam os hábitos das pessoas. É o conteúdo que impulsiona. Pode ter uma pessoa que não costumava usar o app da Claro ou o Globoplay, por exemplo, mas para ver alguma prova das Olimpíadas acabou se conectando. Esse processo, uma vez ultrapassado, vira hábito. Eventos dessa natureza são recorrentes e, por isso, o 5G tem que estar sempre pronto para suportar esse comportamento e os novos hábitos que as pessoas vão desenvolvendo no dia a dia".
Comportamento cruzado
E, para quem acredita que a audiência hoje se fragmentou e acabou indo em maior escala para o consumo não-linear, Pamplona cita os dados auditados da Kantar Ibope, no que eles chamam de "cross platform view", que revelam que, dentro dos domicílios, 70% do consumo de vídeo é de TV linear. "Ficamos pensando que o vídeo online é maior do que de fato é. A Pay TV, nesse consumo de share de audiência que a Kantar audita, é maior do que todos os streamings pagos somados. No fim, é tudo conteúdo pago".
Rodrigues complementa e afirma que foi justamente nesse contexto de consumo de canais lineares que a Claro levou o streaming, como tecnologia, para dentro da plataforma de TV. "Precisávamos nos manter atualizados. Fomos entender como funcionava essa cadeia e a dinâmica de relações e chegamos a algumas dores mais contemporâneas. As pessoas estavam num ambiente de muita flexibilidade, com todo o conteúdo disponível, e foi aí que enxergamos oportunidades. Tem muito conteúdo, o público não sabe como escolher. Essa era a primeira oportunidade. A segunda, na perspectiva do cliente, é que ele entendia que comprando só o que queria, de forma separada, teria economia. Mas o brasileiro quer uma longa lista, um grupo de conteúdos para acessar, até para atender às necessidades da família toda. Então a segunda oportunidade era fazer essa combinação com um custo mais acessível. Juntamos esses universos – de uma audiência muito linear mas que já vem consumindo dentro da plataforma linear o conteúdo por streaming".
Para a executiva da Claro, a formação de superbundles foi uma demanda de consumo que aconteceu naturalmente, junto do fortalecimento da indústria em promover isso. E nessas circunstâncias, acontece o consumo cruzado que ela citou anteriormente, com nativos de TV tradicional se "aventurando" no streaming – e vice-versa.
Diferentes fontes para compreender a jornada completa
Pascale celebra o fato de que, hoje, o mercado conta com o benefício de receber uma série de informação relacionados ao consumo de conteúdos pelas audiências. "Minha proposta é sempre agregar. Somo minha informação interna à informação de outro fornecedor e assim por diante. Temos que olhar por todas as perspectivas, para todos os lados", recomendou. Rodrigues concorda: "Tomamos decisões a partir de um apanhado de fontes diferentes".
Nesse caminho de se munir de informações diferentes, a executiva da Parrot destaca o olhar para a jornada completa – o que a audiência assiste dentro da sua plataforma e também nas concorrentes, antes e depois de determinado conteúdo. "Isso é fundamental de entender. Essa jornada é importante para sabermos o que o público está buscando, o que ele gosta. E saber também o papel daquele conteúdo para a minha empresa. Vai ajudar a trazer novos assinantes? Gerar engajamento? O grande problema que temos hoje é segurar a audiência nos nossos canais. Então compreender para onde o fluxo de audiência está indo e o valor daquele conteúdo para o meu serviço é essencial. Existem métricas disponíveis no mercado hoje que ajudam nessa análise de tendências e soluções".
Pamplona finalizou: "Vamos entendendo o interesse do consumidor, que pode ajudar a definir uma inovação, por exemplo. Vai desde como a gente mostra o que aparece para um usuário e para o outro e também para produzir conteúdos cada vez mais específicos e relevantes. Antes, as informações que tínhamos se restringiam a dados sócio-demográficos, que são importantes, claro, mas não suficientes. Entendendo melhor os interesses, e ainda quais são os valores das pessoas, conseguimos estabelecer um diálogo cada vez melhor".