A valorização da autoria na produção audiovisual foi tema de painel nesta sexta-feira, dia 14 de abril, no Rio2C 2023. Isso porque nos últimos anos, com a explosão de novas plataformas e de filmes e séries originais, tem surgido um debate internacional sobre o lugar da autoria nas obras audiovisuais. No Brasil, o assunto tem mobilizado discussões aprofundadas entre autores, diretores, produtores, executivos e entidades de classe, como ABRA e GEDAR.
Lucas Paraizo, roteirista de cinema e TV que tem entre seus principais trabalhos as cinco temporadas da série "Sob Pressão" e "Justiça", ambas da TV Globo, e autor de "Os Outros", que estreia em 2023, abriu a conversa dizendo que, no audiovisual, ninguém faz nada sozinho. "Tudo que eu fiz enquanto roteirista foi com parceiros. Por isso, a primeira coisa quando vou contar uma história é escolher esses parceiros. Mas dentro dessa autoria coletiva tem uma hierarquia", pontuou.
"O criador de um produto audiovisual necessariamente precisaria ter que escrever o piloto. Nos Estados Unidos é assim, você se torna autor quando escreve o piloto. Porque às vezes, a pessoa tem a ideia mas não sabe escrever, aí chama um roteirista. E ele precisa ser valorizado, então, como co-criador da história. E deve impor isso inclusive nos créditos de criação. Na tríade diretor, produtor e roteirista existe a questão do ego, claro, mas existe também o 'quem fez o que' real. Acontece, às vezes, uma subversão do papel do roteirista", contou. "Por isso, leis de incentivo e regulação do mercado devem existir. Uma ideia não é a criação de uma série ou de um filme. Uma ideia é só uma ideia. Nesse sentido, existem abusos no mercado. Por isso as coisas precisam ser ditas, acordos precisam ser feitos. Devemos escolher bem os parceiros, entender o papel de cada um e cobrar os créditos necessários", defendeu.
Do ponto de vista de uma autora que está há mais de 20 anos neste ofício, Thelma Guedes, que assinou novelas premiadas da TV Globo, como "Joia Rara" e "Órfãos da Terra", disse que demorou a perceber que o mundo audiovisual havia mudado tanto – e que seguimos todos tentando entender que transformação é essa. E ela refletiu: "Sempre torci para trazerem mais jovens, outras temáticas, novas vozes, diversidade. Hoje, esse cenário melhorou, ainda bem. Mas tanto quem está chegando quanto quem está aqui há bastante tempo precisa manter seu lugar. O roteirista tem que fazer mil trabalhos para ter uma vida digna. Isso precisa ser assegurado em alguma instância. Somos defensores da nossa arte. É claro que também queremos que os produtos deem certo, deem lucros. Mas precisamos estar incluídos nesse processo. Precisamos ter nosso valor e os nossos direitos assegurados".
Thelma ressaltou que essa relação deva ser regulada para fortalecer o roteirista, que é a ponta fraca: "Precisamos nos unir como classe, senão fica cada um lutando pelo seu. A palavra do momento é negociação. Essa transformação não tem volta. Mas sou otimista – temos o novo governo e o Ministério da Cultura, que eu espero que olhem para nós".
Nesse sentido, Jaqueline Souza, que desenvolve projetos de sua autoria na Globo, uma voz mais nova nesse mercado, afirmou que sua entrada no meio vem da formação universitária, mas também é fruto de políticas públicas: "Para mim, o FSA e os editais de desenvolvimento foram fundamentais. Foram minha porta de entrada, o que permitiu que eu encontrasse a minha voz dentro de tudo isso. Quando falamos sobre autoria e valorização, para mim também foi importante ter mentorias, como o Projeto Paradiso. Até para me ajudar com valores, quanto cobrar, a importância de ter contratos assinados. Considero minha carreira acelerada no sentido de ser alcançado coisas rápido. Tive sorte de ter essa valorização da autoria".
Mas ela concorda com os problemas apontados pelos colegas. "A sensação é que, hoje, nós não falamos o mesmo idioma – roteiristas, produtores, supervisores de desenvolvimento – por isso é importante que exista um processo de formação coletiva. Senão, isso é usado contra os elos mais fracos. Formação é importante para conseguirmos esse fortalecimento. E é um processo nosso de entender essa valorização como algo social, e não só financeiro. Falta uma conversa franca como categoria, porque limites estão sendo ultrapassados. É uma compreensão que atravessa os créditos e a remuneração. Faz parte de uma cadeia inteira e, como ela está quebrada, fica difícil mesmo que, na outra ponta, sejamos entendidos. É o momento de redefinir o que é valorização. Nós queremos direitos", declarou.
Acompanhamento
Os talentos defendem que falta que o setor entenda a importância de ter o roteirista acompanhando todas as etapas do processo. "Existe uma visão utilitária do roteirista. Nós estamos servindo sim, mas à história, não ao outro. Temos entendimento do espaço e da importância de cada um. O roteirista precisa estar, por exemplo, na montagem. A última versão do roteiro a gente escreve na montagem. Às vezes, não é passado para nós nem o orçamento da produção. Nós temos que atravessar todo o processo porque, afinal, é nosso trabalho que estará lá. Produtores e diretores precisam chamar seus roteiristas. Não estamos lá para criar problemas, e sim encontrar soluções. Estamos a favor das histórias", reforçou Paraizo.
Thelma acrescentou: "Falta comunicação entre as partes. Queremos estar na ilha de edição. Sabemos a hora de dar os melhores cortes, por exemplo. Temos o domínio da história, sabemos o que vai acontecer lá na frente. Por isso é crucial que a gente esteja lá".