Executivos de grandes players do mercado se reuniram no Brasil Streaming 2025, evento organizado pelas publicações TELETIME e TELA VIVA, para debaterem o impacto dos esportes ao vivo. Com moderação de Maurício Fittipaldi, sócio do CQSFV Advogados, o encontro abordou especialmente o atual cenário de fragmentação de direitos esportivos e seus desdobramentos para esse meio.
Essa pulverização dos direitos, impulsionada pela emergência de consumo que as plataformas trouxeram, causou uma verdadeira revolução na transmissão de conteúdos esportivos. Mas players tradicionais seguem relevantes nesse mercado. É o caso da Globo, que como emissora fez sua primeira transmissão esportiva logo no seu primeiro ano no ar. Na época, um jogo da seleção brasileira contra a antiga União Soviética. "De lá pra cá, o esporte sempre foi um pilar muito estratégico para a Globo. Temos clareza de como ele é uma ferramenta importante de conexão com a sociedade, pela paixão e o ineditismo, e também pelo viés social, isto é, ele pauta as conversas entre pessoas de qualquer renda ou região. O futebol especialmente tem essa conexão, é quase que um componente identitário. E como a Globo busca essa conexão constante com o Brasil e os brasileiros, o esporte é um pilar super estratégico para nós", explicou Eduardo Gabbay, diretor de canais esportivos da Globo.
E para além da conexão, é claro que o esporte tem se mostrado cada vez mais uma ferramenta de negócios extremamente poderosa. "Não é à toa que os grupos de mídia estão investindo tanto em esportes, em diferentes modelos de negócio, nas transmissões ao vivo, no entorno das partidas. Na Globo, vemos claramente como o esporte tem essa capacidade de geração de negócios via ações comerciais. Ao mesmo tempo que fala com multidões, também nos permite segmentar e atingir públicos específicos", avaliou Gabbay, que declarou ainda que a Globo se manterá como a principal investidora no segmento por muitos anos.
O YouTube, por outro lado, nasceu como uma plataforma de distribuição de conteúdos e só foi ter a estrutura das lives se popularizando em meados de 2010. "Isso possibilitou que vários tipos de conteúdo se tornassem públicos – desde os menores até os maiores, como campeonatos universitários até o Paulistão, onde tivemos recentemente 5 milhões de aparelhos conectados simultaneamente. Temos players que nasceram em outras mídias e chegaram ao digital depois e outros canais que nasceram endêmicos no YouTube. E tem um caminho para cada um deles", pontuou Eduardo Brandini, Head of TV, Sports, News & Civics do YouTube Brazil.
O YouTube se posicionou por muito tempo em relação ao esporte como a "casa dos melhores momentos" – até hoje as pessoas vão muito até ele buscando justamente isso. Inclusive, o dia em que o brasileiro mais buscou os melhores momentos no YouTube proporcionalmente ao número de usuários que tinha na época foi no dia seguinte ao famigerado 7×1 da Seleção Brasileira em 2014. "Mas, na questão dos direitos, de um tempo para cá entendemos que o momento do ao vivo conecta muito as pessoas. Os anunciantes estão muito preocupados com isso. Quando você junta o momento do ao vivo, em que muita gente está prestando atenção, com um conteúdo de esporte, temos o melhor dos mundos", observou Brandini. Nesse sentido, o YT foi buscar parceiros, como a Federação Paulista de Futebol e a CazéTV – com quem firmou um acordo para exibir pela primeira vez neste ano o Campeonato Brasileiro. "Estamos felizes com os resultados alcançados e entendemos que tem espaço para todo mundo. A Record atingiu recordes de audiência com esportes, o YouTube também. Fala-se sobre canibalização, mas quando vejo meios diferentes com o mesmo produto atingindo audiências diferentes e ambos batendo metas, isso não existe mais".
Uma das "caçulas" desse mercado é a própria CazéTV, que tem aproximadamente dois anos. Olhando em retrospectiva, a marca entende que o sistema funcionou bem durante décadas com as transmissões esportivas exclusivamente pela TV. Mas, segundo Teresa Penna, diretora de distribuição e parcerias, a LiveMode, que criou a CazéTV para trabalhar com as entidades esportivas em soluções para suas transmissões, enxergou a necessidade de desenvolver um novo modelo de negócio para o esporte que se sustentasse no digital a partir da percepção de uma profunda mudança no comportamento do fã junto ao crescimento acelerado do digital. "Entendemos que não era possível só mudar a forma de distribuição, isto é, tirar do cabo e botar no IP. Precisava de uma coisa nova. Assim nasceu a Cazé, justamente dessa necessidade de negócio. Hoje ela consegue, de forma diferente, com conteúdo disruptivo, falar principalmente com essa bolha 'digital first', que tem entre 18 e 34 anos. E nossa conexão é grandiosa. Temos importantes parcerias estratégicas com entidades esportivas e players do ecossistema digital", contou.
Já bem especializada nesse mercado, a Warner Bros. Discovery divide hoje sua cobertura esportiva em diferentes janelas, como os canais pagos, o streaming (pela plataforma Max) e as plataformas digitais, especialmente as redes da TNT Sports. "Para nós, falar da importância do esporte é chover no molhado", brincou Diego Vieira, head de esportes da WBD Brasil. "Estamos sempre pensando no que podemos fazer além da nossa tela do ao vivo para gerar conversas e uma conexão mais profunda com o público. Nossa vantagem é navegar em diversos ambientes. Temos uma estratégia estruturada para o YouTube, um ecossistema digital inteiro que nos ajuda a valorizar o streaming e uma distribuição que olha para o público em diferentes lugares, como a Max e os canais da TV paga".
Como se diferenciar
Para Penna, o digital abriu vários caminhos para a monetização – caminhos estes mais criativos, flexíveis e integrados à experiência do fã. E nesse sentido, a CazéTV se orgulha de ter conquistado a credibilidade das marcas. "Elas passam para nós a mensagem e fazemos esse trabalho com toda liberdade no nosso ambiente, que é extremamente livre e informal e que tem como grande vantagem essa conexão e engajamento com a audiência dessa faixa etária de 18 a 34. Essa credibilidade que as marcas dão para nós é muito importante. Assim, entregamos muito mais do que alcance – apesar dos números também serem gigantes. Entregamos conexão com autenticidade. E, com isso, temos um retorno sobre os investimentos consistente".
Se a CazéTV se destaca pela alta conexão com a audiência, o YouTube se garante no viés tecnológico. "O que oferecemos aos parceiros – e só nessa mesa temos três – é a plataforma funcionar. Em todas as pesquisas que fazemos ouvimos que, quando as pessoas abrem o YouTube e dão o play, elas sabem que o conteúdo será executado, independente da qualidade do seu celular ou da banda larga", disse Brandini. O executivo ainda trouxe outros diferenciais, como a redução e a remoção ao máximo de conteúdos que não são de qualidade – e falando de esporte, isso engloba inclusive pirataria: "Temos o desafio gigante de proteger os direitos que pertencem aos nossos parceiros, sendo esse direito explorado no YouTube ou não. Temos muita inteligência atuando para remover esses conteúdos". Outros pontos de destaque são a recomendação de conteúdos e a recompensa, no modelo de revenue share. "Independente do tamanho do projeto ou do conteúdo, no YouTube acreditamos na divisão de receitas. Mais da metade da receita gerada pelo Google fica com os parceiros", informou.
Distribuição sem barreiras
É claro que os direitos fragmentados são uma questão inerente aos players que transmitem esportes na atualidade, especialmente essa discussão entre digital a linear. Mas eles próprios têm derrubado cada vez mais essas barreiras.
Na Globo, é adotada uma visão multiplataforma que tira um pouco esse peso. "Olhamos esses modelos como formatos de distribuição, obviamente com os benefícios e valores de cada um, como a TV aberta como um canhão de alcance e o streaming como diversificação e enriquecimento da experiência, mas preferimos a divisão por conteúdo pago ou aberto. São raias de posicionamento diferentes. Antes, a divisão era pelo aberto ou digital", detalhou Gabbay. Hoje, o grupo olha para essa multidistribuição como uma estratégia de posicionamento, ao mesmo tempo em que investe constantemente em experiência do usuário. Exemplo disso é o Premiere. As pesquisas de percepção do usuário apontaram uma redução do delay de praticamente ao zero. "Mas não colocamos como uma conquista que acaba aqui. É uma evolução. Vamos olhando essas experiências de streaming como complementos e logo, logo, mirando a TV 3.0, onde vamos juntar tudo isso".
A WBD também não acredita nessa separação "por caixinhas". Para Vieira, com o tamanho dos conteúdos esportivos que estão sendo debatidos aqui, que têm enormes audiências, a discussão passa mais por encaixar uma linha editorial que converse com o público e entregue aquilo da maneira mais atual possível. "Vemos as pessoas tentando se reinventar no digital, narradores do passado, entrada de novos atores, a busca por uma linguagem mais jovem… Mas, no fim das contas, quando você está transmitindo um jogão e tem uma multidão te acompanhando, com multitelas conectadas, você tem que acertar o meio do caminho. Se for muito para um lado, desagrada uma parte. Na WBD, acreditamos na informalidade, na emoção e na conexão dos brasileiros com os jogadores do país que estão lá fora. E o bom do digital é que ele é um termômetro disso na hora. Mais do que a transmissão, a repercussão do conteúdo diz muito. E é muito importante para quem quer trabalhar bem um direito acertar na linguagem. Não só na hora da transmissão do ao vivo, mas também preparar todo esse material para entregar depois, como os cortes para serem vistos no celular ou plataformas diversas. Vejo tudo isso muito misturado".
Penna também vê essa complementaridade como algo muito rico, e acredita que o consumidor está aprendendo a navegar nesse universo. "Se por um lado, para os clubes, a fragmentação foi muito positiva, para o consumidor existiu uma questão. Ele estava acostumado com tudo em um só lugar. Agora é uma curva de aprendizado – e só conseguimos mudar hábitos com constância e clareza".
Desafios de comunicação
O tal dilema do "onde vai passar o jogo" ainda é um ponto a ser trabalhado. Para a executiva da CazéTV, todos têm a missão de informar o usuário onde estão acontecendo as transmissões – mesmo que não seja na Cazé mesmo. Vieira concorda: "No final, o que queremos é que o fã tenha a informação. Nós da indústria trabalhamos em diferentes frentes para que esse problema seja resolvido. Com o futebol paulista, por exemplo, contamos com o envolvimento direto dos clubes, da Federação Paulista de Futebol e dos players. É do interesse de todo mundo que o torcedor saiba onde vai passar – e temos um papel fundamental nisso. Temos a responsabilidade de não confundir o que já é um pouco confuso por natureza. Precisamos ter essa consciência".
Gabbay ainda reforçou a importância de atuar não apenas na transmissão dos campeonatos, mas também em toda a ativação e conteúdos do entorno – como, no caso da Globo, os programas de debate, a cobertura, os highlights. "Essa questão da comunicação é o que permite que o hábito se mantenha. Precisamos trabalhar o esporte como um todo, mesmo quem já é referência como marca como nós".
E, por fim, o executivo apontou que a multiplicidade de ambientes de consumo e a necessidade de assinaturas é o que ainda gera "encrenca" no setor. "Isso deságua na questão da limitação do bolso do consumidor e na pirataria, que é o principal ofensor do nosso negócio. É bom ver grupos se movimentando, a Anatel e a Ancine também. É um problema coletivo da indústria".