Cineastas baianos comandam produtora focada em narrativas negras e de grupos sub-representados

Susan Rodrigues, Marcos Alexandre, Gabriela Correia e Wesley Rosa (Foto: Taylla de Paula)

A Gran Maître Filmes é uma produtora fundada por quatro cineastas baianos – os diretores Marcos Alexandre e Wesley Rosa e as produtoras Susan Rodrigues e Gabriela Correia – que surgiu inicialmente em meados de 2017 com o propósito de ressignificar questões sociais por meio de histórias e narrativas e também promover um espaço de criação audiovisual inclusivo e diverso para comunidades negras e grupos sub-representados. 

Em um primeiro momento, o objetivo era reunir pessoas interessadas em produzir seus próprios curtas-metragens de forma colaborativa. Mas os projetos foram crescendo até que os fundadores, formados pela Unijorge e Universidade Federal da Bahia e com diversas especializações no setor, decidiram, em 2020, lançar a produtora especializada no desenvolvimento de projetos artísticos para cinema, televisão e plataformas digitais. O nome escolhido para o negócio foi inspirado em religiões de matriz africana, pois no contexto do vodu haitiano, "Gran Maître" é considerado o criador do cosmos, do céu e da terra, e a sua presença está no topo da hierarquia espiritual.

Consolidada no mercado, a produtora realiza parcerias e fomenta trabalhos autorais de coprodutores, cineastas, criadores e artistas emergentes que buscam um espaço inclusivo, atuando ainda ao lado de curadores, players e organizadores de festivais comprometidos com a diversidade e inclusão. As narrativas priorizam as comunidades negras e grupos sub-representados – seja para cinema, TV, internet ou iniciativas formativas – desde a concepção criativa até a execução. E, hoje, A Gran Maître já tem planos de expandir as ações para outras regiões do país no próximo ano, criando um ambiente propício de negócios e produções com América Latina, África e Europa.

"Como roteirista e diretor, sempre escrevi e desenvolvi histórias que refletem minha vivência e perspectiva pessoal. A Gran Maître foi fundada com base nesse alinhamento e nós, enquanto realizadores, produzimos filmes que, de alguma forma, espelham as experiências pessoais de cada um, levando em consideração cada dinâmica social, racial e de gênero. Nos dedicamos a produzir histórias de outros talentos porque, além de conhecermos os desafios de se fazer cinema independente, entendemos o quanto o cinema ainda é elitista e excludente", afirmou um dos sócios, o diretor Marcos Alexandre, em entrevista para TELA VIVA. "O que nos chama atenção são histórias que tenham algum tipo de conexão próxima e individual com o autor e que consigam, de alguma forma, abordar temas e personagens que nos levem a um outro lugar. São narrativas que não necessariamente confortam, mas que provocam e nos tiram do lugar comum", completou. 

Nesse sentido, a produtora Susan Rodrigues contou que os feedbacks recebidos do público em relação aos projetos são bastante positivos: "Eles vêm especialmente de pessoas que se identificam com as nossas histórias e se reconhecem nas telas. Elas destacam a importância das nossas narrativas e da circulação dessas produções pelos festivais ao redor do país e internacionalmente".

Still do curta-metragem "Caluim" (Foto: Divulgação)

Curtas de sucesso e o primeiro longa  

Falando nos projetos, o curta-metragem "Caluim", que retrata o racismo velado, já passou por mais de 30 festivais, tanto nacionais quanto internacionais, em países como México, Colômbia, Uruguai, Chile e Argentina, e foi licenciado pelo canal Curta! para exibições na TV paga e no streaming. "É um indicativo de que nossa estética, histórias e visão local estão sendo vistas e referenciadas. Contamos histórias reais que permitem que o público se veja, se envolva, se emocione e, acima de tudo, se sinta escutado e visibilizado", apontou Marcos Alexandre, que assina a direção. 

Já o sci-fi afrofuturista "Meu Pai e a Praia", também um curta, entrou em processo de distribuição internacional e deve estrear ainda neste ano. O filme terá sua estreia na 13ª edição do Africa International Film Festival (AFRIFF), que acontecerá em Lagos, na Nigéria, entre os dias 3 e 9 de novembro de 2024. Escrito e dirigido por Marcos, o curta apresenta uma Salvador futurista e traz a história de Kinho, um garoto que fica desapontado ao saber, mais uma vez, que seu pai não poderá levá-lo à praia. "O tema do filme é a ausência paterna e como isso afeta a relação entre o filho e sua mãe, que muitas vezes assume o papel de tentar proteger e suprir as ausências do próprio pai", detalha o diretor. 

Por fim, a Gran Maître iniciou as gravações em Belo Horizonte, Minas Gerais, do documentário "Preguiça: a trajetória de uma Mestra", que celebra a trajetória de Cleonice Damasceno – primeira e única mulher a receber o prestigiado lenço branco da Capoeira Regional. Primeiro projeto de longa-metragem da produtora, ele é definido por Rodrigues como "potente". Ela adianta: "Estamos enaltecendo e dando voz e imagem à primeira mulher a alcançar uma das posições mais importantes dentro da Capoeira Regional, uma luta criada por Mestre Bimba em Salvador, em 1918. A trajetória de Mestra Preguiça inspira não apenas outras capoeiristas, mas também mulheres de fora do universo da capoeira". E aposta: "Acredito que este projeto terá uma repercussão significativa e transformará a vida de muitas mulheres, tanto no presente quanto no futuro". A direção é novamente de Marcos Alexandre, que escreveu o roteiro junto de Tais Amordivino.

Cena do sci-fi afrofuturista "Meu Pai e a Praia" (Foto: Divulgação)

Transformação da indústria

Apesar de estarem animados com o caminho trilhado até aqui e com os próximos projetos já em andamento, os fundadores da Gran Maître reconhecem que o cenário é bastante desafiador. Para Marcos, "ainda há um gap de novas histórias a serem contadas e um longo caminho a percorrer". Já a produtora Gabriela Correia celebra o fato de que a empresa está se consolidando com esse foco em filmes majoritariamente para o cinema. "Mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, temos conseguido viabilizar nossas histórias por meio de recursos públicos, o que representa um desafio constante. No entanto, estamos comprometidos em nos estabelecer dessa forma no mercado, acreditando no poder das políticas públicas para impulsionar produções regionais e contar nossas próprias narrativas", afirma. 

Mas ela observa: "O audiovisual ainda é um ambiente muito excludente e classista. Em nossos projetos, buscamos dar voz a artistas emergentes que, assim como nós, ainda enfrentam a falta de reconhecimento em grande parte das produções realizadas no cenário nacional. Contudo, temos observado uma mudança gradual, com o surgimento de iniciativas que buscam ampliar o acesso e criar oportunidades para esses talentos. Festivais, laboratórios de desenvolvimento e programas de mentoria têm desempenhado um papel fundamental nesse processo de inclusão e transformação da indústria". 

Parceria com a Open Television

Outra novidade é a parceria inédita com a Open Television (OTV), premiada plataforma de streaming internacional e incubadora de mídia, e em coprodução com a Portátil e a DiALAB, para a realização do programa "Brave Futures", que desafia cineastas soteropolitanos a criarem, produzirem e finalizarem um curta-metragem de três a sete minutos de duração, em até 48 horas, usando a capital baiana como tela; e ainda o desenvolvimento do do longa-metragem "Alex", que participou de laboratórios nacionais e internacionais e está sendo coproduzido com a Portátil. O filme conta a história de um jovem bailarino negro de Salvador e a relação com sua mãe. 

"O projeto Brave Futures é um dos programas que o DiALAB Festival está promovendo para esta edição, e fomos convidados pela Produtora Portátil para coproduzir o evento deste ano em Salvador. Após edições em Joanesburgo, Berlim, Guadalajara, Londres e Cidade do Cabo, a plataforma interseccional, com o tema 'Fabulações da Cidade Negra', acontecerá em Salvador, de 14 a 30 de outubro de 2024", contou Correia. "Topamos coproduzir o Brave Futures porque acreditamos no poder transformador dessa iniciativa, que não só desafia os participantes a criarem em condições intensas, mas também coloca Salvador e suas complexidades no centro de fabulações que dialogam com a negritude e a urbanidade de forma inovadora e urgente", concluiu. 

 

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