"Pedaço de Mim", da Netflix, é sucesso global e impulsiona safra de novelas para streaming

"Pedaço de Mim" (Foto: Marcos Serra Lima/ Netflix)

A Netflix estreou "Pedaço de Mim", sua primeira novela original – ou produção de melodrama, como a plataforma tem preferido chamar – no dia 5 de julho. Logo após o lançamento, o título já figurou entre os mais assistidos do streaming. Nesta semana, chegou à lista das cinco produções de língua não-inglesa mais assistidas. E, na tarde desta terça, 16, a Netflix anunciou que a produção brasileira está no primeiro lugar do Top 10 global de séries de língua não-inglesa mais vistas na plataforma. A novela já acumula quase dois milhões de views desde sua chegada ao catálogo e mais de 23 milhões de horas consumidas. O sucesso é global: o produto brasileiro está no "Top 10" dos mais assistidos em mais de 20 países – com destaque para Argentina, Bolívia, Equador, México e Paraguai, onde está em primeiro lugar; Itália e Portugal, em segundo lugar; e França, em terceiro lugar.

A história começa com o caso raríssimo de superfecundação heteroparental de Liana – a trama é ficção, mas há cerca de 20 registros reais em todo mundo. O fenômeno faz com que a mulher fique grávida de gêmeos de dois pais diferentes. Agora, ela luta para esconder segredos e manter a família unida. O elenco é protagonizado por Juliana Paes e Vladimir Brichta e traz ainda Felipe Abib, Palomma Duarte, João Vitti, Jussara Freire, Martha Nowill e Antonio Grassi. A produção é assinada por A Fábrica com direção artística de Maurício Farias e criação e roteiro de Angela Chaves. São 17 capítulos ao todo, em uma temporada única – uma "mini novela", por assim dizer. Vale mencionar que todos os capítulos foram gravados antes da estreia – o que significa que, ao contrário das novelas clássicas, que são "obras abertas", a trama não pode sofrer adaptações por conta de feedbacks do público. 

Apesar de a Netflix ter divulgado o projeto como série, ele de fato traz os elementos clássicos de uma novela: capítulos de cerca de uma hora de duração; gancho forte ao final de cada um deles; uma trama central, rodeada por tramas paralelas que, vez ou outra, ganham mais destaque; e cenas não tão determinantes e essenciais para o entendimento da história – o que faz com que, caso o telespectador perca alguns minutos, não fique perdido na trama. Os rostos dos protagonistas – Juliana Paes e Vladimir Brichta – estão no imaginário do público brasileiro que acompanha telenovelas, e isso também pode ajudar na identificação da produção com o gênero. A dupla de criação e direção – Angela Chaves e Maurício Farias – tem larga experiência na área. Chaves assinou, por exemplo, "Os Dias Eram Assim" para a Globo (2017) e Farias trabalhou 28 anos na emissora, tendo como último trabalho no canal a novela "Um Lugar ao Sol" (2021). 

É impossível dizer o que realmente fez de "Pedaço de Mim" um fenômeno, mas um dos grandes trunfos da produção está na combinação entre o ritmo mais ágil característico das séries com os dramalhões clássicos das novelas. A própria Globo já fez algumas tentativas nesse sentido de unir "o melhor dos dois mundos": nos últimos anos, ela lançou "Verdades Secretas 2" (2021), anunciada como a primeira telenovela brasileira criada exclusivamente para streaming, com um total de 50 capítulos, que foram liberados aos poucos no Globoplay ao longo de um período de cerca de dois meses, e "Todas as Flores" (2022), com 85 capítulos lançados em duas partes. Ambas foram exibidas posteriormente em versões para a TV aberta. Ainda que produzidas para o streaming como primeira janela, a Globo obviamente já planejava essas exibições futuras na televisão, o que talvez não tenha permitido que a emissora pensasse de fato em produto para streaming, respeitando suas características e as preferências do público da plataforma. Apesar do número de capítulos das duas novelas ser menor do que o das novelas "tradicionais", ainda é um volume alto, que com certeza impacta na agilidade (ou na falta dela) nas tramas.

As novelas brasileiras, historicamente, sempre viajaram bem – ainda que produzidas visando essencialmente o público brasileiro e fossem comercializadas pra fora só depois de conquistarem a audiência local. Por isso, não é supresa que "Pedaço de Mim" tenha fãs mundo afora – especialmente considerando o "canhão" que é a Netflix, que leva os conteúdos de uma vez só para mais de 150 territórios. E, para além de registrarem boas audiências, as telenovelas daqui também são premiadas. O Emmy Internacional criou a categoria Melhor Telenovela em 2008. Desde então, o Brasil já teve 17 novelas indicadas e sete vencedoras – "Caminho das Índias" (2009), "O Astro" (2012), "Lado a Lado" (2013), "Jóia Rara" (2014), "Império" (2015), "Verdades Secretas" (2016) e "Órfãos da Terra" (2020). Já entre as novelas mais exportadas para outros países estão títulos como "Da Cor do Pecado" (2004), comercializada para 107 países; "Caminho das Índias" (2009), para 117; "A Vida da Gente" (2011), para 132; "Totalmente Demais" (2016), para 135; e "Avenida Brasil" (2012), para 148.

As novelas seguem queridas pelo público brasileiro – mas por uma questão de necessidade de atualização do formato e também pelas mudanças nos hábitos de consumo, além do boom das plataformas de streaming, que trouxeram para os espectadores inúmeras outras opções de conteúdos, elas já não têm performado tão bem quanto antes. Algumas produções recentes tiveram números bem abaixo da média, como "Fuzuê", anterior novela do horário das 19h da Globo, que teve média de 19,3 pontos, e "Travessia" (2023), que registrou a segunda mais baixa audiência média do histórico de novelas das nove da emissora. Em paralelo, os remakes têm sido uma boa solução, como "Pantanal" (2022) e o atual remake de "Renascer". O canal já prepara uma nova versão de "Vale Tudo", clássico de 1988. 

"Pedaço de Mim" inaugura o que promete ser uma importante safra de telenovelas para plataformas de streaming. A Netflix ainda não anunciou uma próxima produção do gênero, mas outros serviços, como a Max, da Warner Bros. Discovery, apostam na tendência. Em 2025, estreia "Beleza Fatal", primeira novela original da Max, com criação e roteiro de Raphael Montes, supervisão geral de Silvio de Abreu e direção geral de Maria de Médicis. E, ainda sem data de estreia, está o remake de "Dona Beja", uma produção da Floresta, também um lançamento da Max.

A entrada dos streamings na produção de telenovelas pode ser a movimentada que o gênero estava precisando. Com mais players apostando no formato, a tendência é que essas produções, que vão precisar cada vez mais chamar a atenção da audiência num ambiente mais concorrido, se tornem mais interessantes – considerando ainda as estratégias atuais das plataformas de priorizarem projetos de qualidade e alto valor de produção e não mais necessariamente a quantidade de produtos. 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui